Qual o valor da propaganda antirracista numa sociedade racista?
Felizmente, nos últimos tempos, muito tem se falado sobre diversidade, inclusão e até mesmo igualdade racial dentro do mercado de comunicação. A discussão é necessária e fundamental. Mas não basta falar disso. Precisamos falar de propaganda antirracista.
Esta discussão é fundamental por duas razões bastante distintas: primeiro, porque a propaganda antirracista é importante para a sociedade brasileira. Segundo, porque a propaganda antirracista é necessária para as marcas e para a indústria de comunicação.
Mas por que a propaganda antirracista é importante para a sociedade?
A propaganda é uma manifestação cultural insidiosa e que permeia todos os extratos da sociedade. Ela está presente na vida de todos nós (brancos e negros, homens e mulheres, de todas as classes sociais). Ao mesmo tempo, a propaganda forma e espelha a sociedade.
Propaganda espelha o Brasil racista
Hoje, a propaganda em geral espelha e reforça o Brasil racista. Dado que o racismo é o maior problema da sociedade brasileira, é essencial que a propaganda pare de corroborar essa chaga. Todos ganharemos com isso.
Como afirma Clotilde Perez, no livro "Publicidade Antirracista", "mais do que refletir os valores vigentes, a publicidade ocupa um lugar privilegiado como construtora de valores, desde que, efetivamente, queira-se construí-los, e desde que se acredite que a sua função é também esta: contribuir para uma sociedade mais justa, solidária e cidadã".
E por que a propaganda antirracista é necessária para as marcas e para a indústria da comunicação?
A resposta é óbvia. O objetivo das marcas com a comunicação é provocar identificação e se mostrar relevante. Mas como marcas esperam ser relevantes se são incapazes de se conectar com mais da metade (56%) da população brasileira?
Empresas são "cegas" para questão racial
Negros não são apenas a maior parte da população: negros e negras são consumidores e representam uma parte significativa (e ignorada) dos gastos com as categorias de produto.
Como as empresas são "cegas" para a questão racial, quase nenhuma (com raras exceções, quando falamos especificamente de produtos e linhas afro) sabe dizer quanto os negros representam do consumo de sua marca.
Muitos tendem a supor, graças ao racismo estrutural brasileiro, que se trata de um percentual pequeno —ou bastante inferior ao percentual populacional. No entanto, olhos abertos e dados nos dizem o contrário.
Aqui somente alguns exemplos: famílias negras respondem por 50% dos gastos com cerveja, 61% dos gastos com leite em pó e 42% dos gastos com sabonete. Sim. E os dados são do IBGE.
O mercado brasileiro de comunicação precisa resolver o quanto antes o que é indiscutivelmente seu maior problema: a propaganda brasileira não fala com mais da metade do Brasil!
Sim. Caso alguém ainda não saiba, 94% dos negros não se sentem representados pela propaganda brasileira, segundo estudo do Instituto Locomotiva. Se isso não for o maior problema do mercado, gostaríamos de saber qual será....
Mas o que é propaganda antirracista?
Bom, mais fácil começar dizendo o que "não é" propaganda antirracista.
Propaganda antirracista não é propaganda com um negro (nem com dois, ou três).
Propaganda antirracista não é propaganda em que só há negros num anúncio.
Propaganda antirracista não é apenas propaganda que levanta a bandeira do movimento negro e aborda racismo, privilégios, ancestralidade, herança, resistência —ainda que essa seja uma maneira de fazer uma propaganda antirracista.
Propaganda antirracista também não é propaganda de produto afro —isso se trata de uma propaganda de "nicho", como a de qualquer outro produto de nicho, seja afro ou não.
A propaganda antirracista é feita PARA negros e não apenas COM negros.
Como fazer propaganda antirracista?
Para fazer propaganda antirracista, é necessário (antes de mais nada) entender que negros e negras são consumidores e fazem parte do target de comunicação —e incluir esse dado em seus levantamentos sociodemográficos, em todas as suas pesquisas qualitativas e quantitativas.
Como é bom sermos didáticas, negras e negras não são apenas "consumidores de shampoo para cabelo afro" e "base para pele escura". Negros e negras são consumidores de refrigerantes, sucos, bebidas alcóolicas, moda, lava-roupa, amaciante, perfume, maquiagem, lingerie e carros...
Fazer propaganda antirracista é levar em consideração as necessidades que são comuns entre negros e brancos e as necessidades que são particulares.
Para fazer propaganda antirracista, é preciso reconhecer que vivemos numa sociedade racista —o público a quem você se dirige, seja negro ou seja branco, tem seu comportamento e sua subjetividade moldados pelo racismo —que influencia como pensamos, sentimos e nos comportamos.
É fundamental que as marcas e agências passem a ouvir o público negro, deixando de lado nosso "pacto narcísico" (o que basicamente significa achar que tudo gira ao redor de nós, brancos, e criar tudo à nossa imagem e semelhança), parar de "invisibilizar" os consumidores negros, ouvir quais são suas necessidades e desejos, e —pelo amor de Deus!!!- parar de assumir que somos iguais, sentimos e nos comportamos da mesma maneira.
Para fazer propaganda antirracista, acima de tudo, é preciso que haja profissionais negros no processo. São muitas etapas, expertises envolvidas e há profissionais negros para isso. É fundamental que esses profissionais façam parte: se não fizerem, continuaremos falando de branco para branco.
É mais fácil e mais cômodo continuar incluindo um negro no seu anúncio na hora de filmar. Mas se você espera resultados, é melhor pensar em começar a fazer propaganda antirracista.
E aí? Vai encarar?
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