Como a cultura do cancelamento pode prejudicar sua marca?
Se você vive na internet e acompanha parte das discussões acaloradas que tomam as redes sociais todos os dias, já deve ter ouvido falar na cultura do cancelamento. É possível, inclusive, que já tenha cancelado alguém —ou pode ter sido você a vítima de um cancelamento.
Se você continua sem entender muito bem do que estamos falando, nos permita contextualizar um pouco mais: desde o início de 2019, aumentaram as menções a "cultura do cancelamento" em redes sociais, sobretudo no Twitter. A relevância do tema cresceu de tal maneira que, neste ano, decidimos ir a fundo e entender melhor esse movimento.
O que aprendemos a partir dessas discussões é que o termo dá nova roupagem e dinâmica a uma prática que nos acompanha há pelo menos 40 anos: a cultura do linchamento. No contexto digital, hiperconectado e social, o linchamento ocorre já há bastante tempo e já se apresentou por outros nomes, como "ban" e "linchamento virtual".
"Cultura" que afeta diariamente pessoas e marcas
Num país em que o entendimento sobre direitos humanos é baixo, há certo grau de instabilidade política e uma crescente desconfiança nas instituições, cresce um sentimento de que a justiça possa ser alcançada com as próprias mãos. Ainda que em nosso estudo, feito a partir de posts públicos no Twitter, a maioria das pessoas se diga contrária ao cancelamento, ele ocorre diariamente, afetando a vida e a reputação de pessoas e empresas.
No estudo, nos surpreendeu constatar que 79% das pessoas se dizem contrárias à cultura do cancelamento. Consideram que errar é algo comum, e que um diálogo é mais efetivo do que a submissão ao julgamento e humilhação inerentes à prática do cancelamento.
Uma minoria estridente (11% dos usuários) defende a cultura do cancelamento. Para eles, quem tem acesso à internet possui insumos suficientes para se inteirar dos debates e aprofundar seu conhecimento por conta própria. Se erra, portanto, o ônus é individual.
Outros 10% acreditam que o cancelamento é uma postura condenável, mas entendem que é "merecida" quando os erros são difíceis de defender.
A mecânica do cancelamento
Uma vez que já sabemos o que está na boca (ou nos dedos) das pessoas, é hora de entender melhor o funcionamento e as devidas precauções que você (ou sua marca) deve tomar na internet para evitar tanto quanto possível ser cancelado.
Geralmente, as pessoas canceladas são famosas. E a dinâmica se dá em quatro etapas:
- Etapa 1: A pessoa se torna famosa
- Etapa 2: Promessas são feitas e/ou expectativas são criadas por parte da base de fãs e seguidores
- Etapa 3: A pessoa vacila (e é rapidamente exposta)
- Etapa 4: A pessoa é "cancelada"
O que acontece a seguir depende de dois fatores: a postura de quem está sendo cancelado e de sua base de fãs.
O destino mais "catastrófico" é a pessoa sucumbir e cair no esquecimento (algo mais incomum); seguir incomodada com o cancelamento, relutar em lidar com a questão e seguir cancelada; e, por fim, a pessoa pode tratar de forma sadia a polêmica, mostrar indícios de diálogo e abertura à mudança (o que pode ir de um pedido de desculpas sincero à mudança prática de atitudes), e acabar "descancelada".
Um bom e um mau exemplo
Um exemplo que se encaixa nesses dois últimos cenários é a cantora Anitta. De persona non grata entre LGBTs, ela tem ganhado força entre o público progressista ao massificar discussões sobre política.
Outro exemplo recente (e com desfecho mais catastrófico) é o de Gabriela Pugliesi, que foi cancelada por ignorar o contexto de pandemia que vivemos e acabou julgada na internet, perdeu contratos de patrocinadores e saiu do Instagram.
Aqui, estamos diante de um caso, inclusive, em que aqueles 10% que são contra o cancelamento se veriam justificados a participar do cancelamento ante a gravidade das atitudes da influenciadora.
O caso de Pugliesi toca num ponto fundamental para profissionais de marketing e comunicação: o que fazer quando sua marca está associada a alguém que foi cancelado?
Os casos mais graves são aqueles em que, de um lado, a empresa parece estar meramente pegando carona na fama do influenciador, mesmo que isso conflite com seus valores e posicionamento de marca; e, de outro, falha em entender o cenário e reagir de forma efetiva.
Cancelamento pode acabar sendo bom?
Na nossa experiência, marcas podem sair fortalecidas de um cancelamento. Isto se aproveitarem o momento para canalizar o incidente numa ação de transformação efetiva de pensamento e atitude.
E isso envolve fazer algo a respeito, não só dizer que "sente muito" ou o clássico "sentimos que nem todos tenham interpretado da mesma maneira que nós", a resposta inicial que costumamos ver numa crise de imagem que, muitas vezes, se torna mais um validador para o cancelamento em curso.
Transformações como a vivida pela Skol, que efetivamente mudou seu posicionamento a partir de uma campanha de Carnaval posta em xeque por consumidoras, se encaixam nas soluções bem-sucedidas para enfrentar um cancelamento.
Não tenha medo de errar (mas tome muito cuidado)
Saber ler o contexto, respeitar a opinião das pessoas e dialogar em tempo real são fundamentais para atravessar um "cancelamento de CNPJ". Cabe, no entanto, uma ressalva: a experiência nos mostra que há uma distância grande entre dano no curto prazo e impacto comercial.
Crises de "cancelamento" geram uma virada de sentimento negativo pela marca, sobretudo no digital, mas acabam substituídas por outras em questão de horas ou dias.
A lição que fica, seja você um CPF ou o representante de um CNPJ, é: não tenha medo de errar —mas, se o fizer, conduza com cuidado os passos seguintes. Eles são determinantes para o desfecho da sua história.
Quem souber navegar pela crise com calma, capacidade de escuta e apuro no diálogo deve sair fortalecido e com a base de fãs revigorada. O estudo completo pode ser baixado no site da agência.
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