Auditor que resgata pessoas da escravidão deveria ser visto como herói
O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo —28 de janeiro— é também o Dia Nacional do Auditor Fiscal do Trabalho. Sabe por quê? Porque neste dia, em 2004, os auditores Nelson José da Silva, João Batista Soares Lage, Eratóstenes de Almeida e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram mortos em Unaí-MG, enquanto cumpriam suas funções de servidores públicos federais. Uma tragédia que não é muito lembrada pelos brasileiros. Analisar as causas deste esquecimento nos ensina a refletir por que desprezamos o papel do Estado para algumas de suas funções de proteção, segurança e prevenção de violações, bem como promoção de direitos.
Os três auditores e o motorista integravam o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que completou 25 anos em 2020 e realiza uma função heroica: liberta trabalhadores em situação de escravidão moderna. Desde 1995, já resgatou 54 mil trabalhadores e sua atuação tornou-se referência internacional na atividade.
Por que os brasileiros não valorizam a fiscalização, se ela está prevista em nossa Constituição?
Aliás, nossa Carta Magna parece um roteiro para a utopia de um país mais justo e igualitário, onde artigos e incisos, começando sempre por verbos no imperativo afirmativo, fornecem o plano de ação.
Por que não seguimos esta trilha?
Para a filósofa americana Nancy Fraser, a noção de injustiça tem duas problemáticas entrelaçadas: de reconhecimento e de distribuição. Os problemas de reconhecimento são culturais e dizem respeito ao modo como enxergamos os diversos grupos da sociedade. Fomos criados para achar que uns são superiores a outros, e assim não aceitamos quem não está no mesmo "lugar" que nós. Já os problemas de distribuição são de natureza socioeconômica, decorrentes de partilha não-equitativa das riquezas e recursos da sociedade. Heranças do sistema de escravidão e do racismo.
No Brasil, ambas interferem no modo como são percebidos certos segmentos da sociedade e os agentes públicos que lidam com as diferentes facetas da realidade brasileira.
Gostamos de pensar que bombeiros, médicos e policiais são heróis e isso não deixa de ser verdade. Mas, além deles, há importantes políticas de Estado para proteção do cidadão, como aquelas destinadas a inspeções públicas, cuja existência só damos conta quando há tragédias. No caso da inspeção do trabalho, em especial do trabalho escravo, só há desconforto em função das nossas relações sociais mal resolvidas.
Homenagear o GEFM, portanto, é também reconhecer que combater o trabalho escravo representa mudar as raízes culturais que naturalizam a exploração daqueles que não se ajustam ao nosso imaginário de "cidadão pleno com direitos garantidos". Por isso, somos sinceramente gratos aos auditores fiscais que, cumprindo seu papel de agentes públicos de defesa da cidadania, nos ajudam a forjar um país melhor.
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