Opinião: A verdade que não contam sobre os alimentos 'ultraprocessados'
Quando o assunto é comida, o que mais se vê nas mídias sociais e na imprensa são os alimentos que adoecem e os que curam, os que inflamam e os que desinflamam, os que intoxicam e os que desintoxicam. Mais recentemente, para além da narrativa de "comida de verdade e comida de mentira", surge a afirmação de que alimentos matam. E quais seriam eles? Os que chamam de ultraprocessados.
Segundo a classificação, são mais de 5.700 alimentos ofertados nos supermercados, completamente diferentes entre si: de pães e requeijão a iogurtes e congelados. Alimentos que são produzidos com segurança e qualidade, fazem parte da dieta da população brasileira e exportados para 190 países. Trata-se de um conceito tão amplo e mal definido que é praticamente impossível explicar o que são. Mas já disseram na televisão que são produtos feitos com ingredientes que "não vêm da natureza". Ora, ora.
O que essa classificação faz é condenar alimentos industrializados de forma ampla e generalizada. É ignorar inúmeros alimentos com excelente qualidade e perfil nutricional. A indústria de alimentos não "ultraprocessa" nada. Trabalha com processamento, que é baseado na ciência e tecnologia de alimentos, transformando matérias-primas perecíveis em produtos seguros. O processamento garante acesso a alimentos durante todo o ano; sem ele, provavelmente teríamos acesso limitado, apenas em períodos de safra.
Como se não bastasse o processamento de alimentos ser classificado como algo nocivo, um artigo de alguns anos atrás chegou a afirmar que esses alimentos matam milhares de pessoas ao ano precocemente. Uma análise que considerou as mortes por todas as causas usou dados de estudos feitos com a população de outros países e na qual os próprios autores afirmam "não ser possível desvendar as causas de morte atribuíveis ao consumo de alimentos ultraprocessados". Apesar disso, o artigo vem sendo amplamente utilizado na imprensa, sem qualquer crítica ou contraponto.
Em 2022, cerca de 2,6 bilhões de pessoas - um terço da humanidade - conviveram com a insegurança alimentar. Os que passaram fome somaram 783 milhões. Para tornar esse número mais tangível, imaginemos 10 mil estádios do Maracanã lotados de famintos. Enquanto isso, domicílios de todos os continentes desperdiçaram mais de 1 bilhão de refeições por dia. Os números são do último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, publicado em março deste ano.
O que falam sobre processamento dos alimentos, sobre a necessidade de comer apenas o que se faz em casa, apenas o que é produzido localmente, além de todas as regras que criam em torno da comida, é um discurso de exclusão.
Os que replicam esse discurso não aceitam o contraditório e não permitem questionamentos. O autor do conceito do "ultraprocessado", inclusive, afirma que são produtos ruins "by design", ou seja, são projetados para serem ruins, e que, portanto, nem reformulação resolveria.
O que realmente não faz bem para a saúde, nem dos indivíduos e nem do planeta, é o extremismo. Este, sim, precisa ser abolido do prato.
João Dornellas é presidente-executivo da ABIA (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos)
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