Felipe Salto

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Opinião

Zanin acerta na desoneração da folha

Na última quinta-feira, dia 25, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin tomou a decisão certa no tema da desoneração da folha de pagamentos. Até o momento em que este artigo estava sendo finalizado, na sexta-feira (26), todos os ministros que já haviam votado, após Zanin, o haviam seguido.

Ele decidiu pela suspensão dos efeitos da Lei n.º 14.784, de 2023, que prorrogava a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores produtivos, até 2027, e reduzia a alíquota de contribuição de parte dos municípios.

O contexto da desoneração da folha e as prorrogações

Os tributos incidentes sobre salários, fonte para pagar as contas da Previdência Social, foram inicialmente concentrados em menos setores, em 2011, até 2014. Sob pressão dos beneficiários diretos da medida, o prazo inicial e a quantia de setores atendidos foram constantemente dilatados. Há rios de tinta publicados mostrando a ineficácia da medida, como discutiremos.

Mesmo assim, parte da elite política quer seguir com o modelo, sob pressão dos beneficiários. A elite econômica deveria pôr a mão na consciência e entender as consequências de lutar tão desbragadamente por um pleito individual, em prejuízo da coletividade.

A legislação em questão troca a cobrança do imposto, de 20% sobre salários de companhias teoricamente mais intensivas em mão de obra, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, além de diminuir a contribuição previdenciária sobre a folha de pequenos municípios, de 20% para pretendidos 8%. A Lei n.º 14.784, promulgada no ano passado pelo Congresso Nacional, derivou da derrubada de um veto presidencial.

Vale dizer, as avaliações empíricas quanto à eficácia da política de desoneração não encontraram evidência de que tal medida tenha o condão de preservar ou gerar empregos. Já o custo fiscal é certo, da ordem de R$ 20 bilhões anualizados. Para que o leitor tenha a dimensão do que representa esse valor no contexto do necessário ajuste fiscal, a taxação dos fundos exclusivos e offshores, em conjunto, é estimada pelo governo em R$ 18,9 bilhões para o ano de 2024.

Evidentemente, o Congresso, em suas atribuições constitucionais, não é obrigado a concordar com as percepções do poder Executivo, tampouco deve obediência aos estudos dos economistas. Porém, o Legislativo é obrigado a compatibilizar sua agenda econômica com a Carta Magna de 1988, suas emendas e as leis em vigor. No caso, estamos falando, particularmente, da importante Lei de Responsabilidade Fiscal, a comemorar 24 anos em maio do corrente.

É nesse sentido que a AGU (Advocacia-Geral da União) provocou o STF após as negociações em torno da Medida Provisória n.º 1.202/2023 (que propunha o progressivo retorno dos tributos sobre a folha e focalizava o benefício) naufragarem. Além de permitir aos setores tempo hábil de se adaptarem à volta da tributação completa, a MP buscava atender especialmente ao primeiro salário-mínimo dos trabalhadores e oferecia medidas compensatórias para tapar o buraco deixado no Orçamento pela desoneração.

Mas o Congresso parece ter dado de ombros. Derrubou o veto presidencial, promulgou uma lei flagrantemente inconstitucional, espetou uma fatura impagável no Tesouro Nacional e saiu correndo.

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Assim, o histórico de discussão e tratativas em torno da desoneração da folha não permite dizer que o Executivo tenha refutado a negociação política. Muito pelo contrário. O Ministério da Fazenda, durante todo o processo, deixou patente sua objeção quanto à constitucionalidade da Lei n.º 14.784 e advertiu as lideranças do Congresso sobre a inevitabilidade da judicialização, caso o Legislativo não aceitasse corrigir seus erros a contento.

E por que a prorrogação (e ampliação) da desoneração da folha é inconstitucional?

Nesse sentido, citamos a decisão do ministro Zanin: "desde 2019, não mais se admite base de cálculo substitutiva à folha de salários e demais rendimentos pagos (...) à exceção daquelas instituídas antes da data de entrada em vigor da mencionada emenda [Emenda Constitucional 103/2019, a Reforma da Previdência] — o que, à primeira vista, descarta a possibilidade de prorrogação operada pela Lei n.14.784/2023". Ou seja, desde que a previdência social foi reformada, o tipo de desoneração sobre a folha pretendido não é permitido de acordo com a Constituição Federal."

Eu já havia escrito sobre isso neste espaço e falado também em entrevistas e artigos diversos. Era batata que o STF, caso fosse demandado, teria de considerar o que está escrito na Constituição. Não é óbvio? Do ponto de vista histórico, a Reforma da Previdência acabou de ser aprovada. Vamos desrespeitá-la, assim, no tapetão? Não teria o menor sentido.

Zanin ainda destaca que o papel do STF não é avaliar a legislação, mas apenas proceder à verificação da compatibilidade entre a norma legislativa e os preceitos constitucionais. Em outras palavras, não se trata de julgamento de mérito, mas de legalidade.

Oportunamente, o ministro do STF adicionou a seu voto comentário sobre o artigo 14 da lei de Responsabilidade Fiscal, "constitucionalizado", em suas palavras, quando aprovada a emenda constitucional n.º 95 de 2016. Tal comando não permite que nenhuma despesa obrigatória ou renúncia fiscal seja criada sem a devida estimativa do impacto nas contas públicas.

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Ele está correto. A LRF deriva da própria Constituição e a Emenda 95 reforçou o princípio da compensação, do equilíbrio orçamentário, no fundo.

No artigo 14 da LRF, estipula-se que renúncias tributárias, definidas como isenção ou alterações de alíquota direcionadas a apenas uma parcela da população ou setores específicos, devem apresentar, obrigatoriamente, medidas de compensação suficientes para reequilibrar o orçamento. A intenção do legislador, como pontuado na decisão do ministro Zanin: "garantir a sustentabilidade fiscal, compreendida como a capacidade do Estado entregar no presente e no futuro os serviços públicos necessários à população".

Disso se conclui que não é apenas de ordem econômica ou fiscal a objeção à política de desoneração empurrada goela adentro da sociedade pelo Congresso. Vamo-nos entender: a Lei n.º 14.784 é inconstitucional, irresponsável do ponto de vista fiscal e incongruente nos aspectos econômicos em que toca. É um disparte completo que se tenha chegado ao ponto de ser preciso recorrer ao Supremo, na verdade. Mas vai ser educativo, no fim das contas.

Executivo e STF estão corretos. O Legislativo deveria ter sido responsabilizado, a meu ver, pelos órgãos de controle, isto é, pelo próprio TCU (Tribunal de Contas da União). Afinal, promulgaram uma lei inconstitucional, sem compensação, sem fonte de financiamento. Não apontaram de onde viria o dinheiro, caro leitor. Perceberam o ponto? Como se cria uma despesa sem dizer como será paga? Parece até espécie de "síndrome de Silvio Santos", mas até nos programas dele o dinheiro não dá em árvore.
A ausência de avaliação cautelosa dos efeitos macroeconômicos, fiscais, jurídicos e sociais das legislações aprovadas torna inviável a sustentabilidade das contas públicas. Inviabiliza, na verdade, o próprio Estado brasileiro, no limite. Por isso, Zanin acertou.
Que seja um primeiro passo para reverter o protagonismo desejado pelo Congresso no Orçamento público.

Protagonismo este, aliás, que o Congresso deseja apenas na parte popular, a da aprovação de gastos e mais gastos. A parte ruim, pagar a conta, prefere deixar ao Executivo. Não tem como funcionar esse regime, sob a égide da Constituição Cidadã. Fiquemos com ela!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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