O Brasil em chamas e sem Orçamento
As graves situações causadas pelas queimadas no Brasil suscitam o debate sobre uma das dimensões da política orçamentária e do planejamento estatal: a imprevisibilidade. Como lidar com eventos não previstos e financiar o seu enfrentamento, rápida e adequadamente?
Há situações, como a causada pela pandemia da covid-19, que dificilmente poderiam estar contempladas no planejamento orçamentário do país. Foram gastos centenas de bilhões de reais, naquela ocasião, sem que qualquer economista ou especialista pudesse antever esses custos.
Outros, no entanto, ligados às questões ambientais e climáticas, têm um componente de imprevisibilidade, mas poderiam, também, ser contemplados nas estratégias de políticas públicas e, portanto, no Orçamento anual. Essa prática evitaria decisões atabalhoadas e eventuais comportamentos oportunistas, como flexibilizar as regras de licitações públicas.
O crédito extraordinário é um instrumento previsto no artigo 167 da Constituição Federal de 1988, no parágrafo 3º: "A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62".
Vale dizer, o artigo 62 reserva ao Executivo o direito de editar medidas provisórias para liberar crédito extraordinário orçamentário nos casos dispostos acima, caracterizados por imprevisibilidade e urgência.
Nesse sentido, a decisão do ministro Flávio Dino, do STF, foi corretíssima, reafirmando o texto constitucional no recente caso da consulta a respeito da possibilidade de uso dos créditos extraordinários para o combate às queimadas e às suas consequências.
Ocorre que o uso desse instrumento é insuficiente, dado o quadro geral das questões ambientais e climáticas. Nesse quesito, estão faltando a ação e a presença firme do Executivo e do Legislativo. Passou da hora de incluirmos o meio ambiente e o clima adequadamente no planejamento orçamentário e estatal.
Vejamos alguns números
Para 2024, a proposta orçamentária do governo federal previa R$ 15,5 bilhões para a função da despesa federal (um tipo de classificação quanto à destinação dos recursos) denominada "gestão ambiental". Destes, apenas R$ 77,3 milhões foram alocados para o programa orçamentário "gestão de riscos e desastres".
Esse programa orçamentário não recebia dotações orçamentárias desde 2019, quando foram aportados R$ 22,1 milhões. Para 2025, a proposta enviada ao Congresso Nacional, no último dia do mês passado, prevê parcos R$ 30 milhões.
É natural que o governo almeje a geração de resultados fiscais suficientes para atender ao compromisso com a responsabilidade fiscal. Isso precisa continuar a ser uma dimensão central. Há um longo caminho até a conquista das condições de sustentabilidade da dívida em relação ao PIB, vale dizer.
Contudo, é evidente que o mapeamento de riscos ambientais está sendo relegado a segundo plano, como outras prioridades econômicas e sociais, que deveriam ser debatidas no âmbito do Plano Plurianual (PPA), de modo a vincular o Orçamento. A falta de planejamento para a qual venho chamando a atenção em colunas anteriores neste espaço reflete-se aí também.
Nos últimos dias, a Fundação Getúlio Vargas realizou um evento, em São Paulo, sobre a necessidade de uma reforma orçamentária. Sob coordenação do ex-ministro da Previdência Social Nelson Machado, participei para trazer ideias de mudanças legislativas orientadas a um regime orçamentário mais justo, transparente, fidedigno e capaz de incorporar os desafios do planejamento estatal e econômico em uma sociedade marcada por tantos problemas novos, inclusive as emergências climáticas e ambientais.
Há quem faça alarde quanto ao papel do STF nesta e em outras questões orçamentárias, mas é preciso compreender que o Brasil perdeu a capacidade de planejar. Não há vento bom para nau sem rumo, como costuma dizer o economista Andrea Calabi, que também participou do evento mencionado.
Se o STF entra nessas discussões e age, quando demandado, para buscar esclarecimento, conciliação e mudanças efetivas, é porque o Legislativo e o Executivo deixam a desejar.
Como, por exemplo, continuar com um sistema de emendas parlamentares em que o dinheiro passa dos cofres de Brasília para os municipais sem qualquer controle, em muitos casos?
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Quero receberComo não entrar na temática das emendas impositivas, quando o volume de gastos parlamentares já se igualou à somatória dos orçamentos previstos para grandes obras de infraestrutura?
Como não intervir na questão de desonerações tributárias sem evidenciação de impacto fiscal e sem medidas compensatórias, ao arrepio da Lei?
A questão ambiental - gravíssima - requer o uso dos instrumentos constitucionais disponíveis, notadamente do crédito extraordinário. É preciso, contudo, ir além do atendimento emergencial.
Planejar o futuro passa pela reconstrução do nosso processo orçamentário. É tarefa de todos nós trazer para o Orçamento o novo mundo em que vivemos. Paramos no tempo, desde a última grande inovação nessa matéria, a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Quem sabe para que serve o PPA, por exemplo? Por que as suas diretrizes, metas físicas e prioridades não são debatidos e não fundamentam, para valer, o processo orçamentário típico?
Por outro lado, qualquer parlamentar sabe na ponta da língua os valores de que dispõe para distribuir recursos de emendas.
Essas são algumas das questões que devemos debater, inclusive por ocasião do necessário combate às queimadas. Busca-se a previsão de recursos suficientes e bem programados, sob critérios de responsabilidade fiscal e planejamento e de maneira fiscalmente sustentável. O Brasil em chamas nos chama a isso.
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