Mães, refugiadas e empreendedoras. Conheça a história de Norelis e Muna
Márcia Rodrigues
Colaboração para o UOL, em São Paulo
02/12/2024 05h30
Muna Darweesh saiu da Síria, em 2013, devido à guerra civil que acontece no país desde 2011. Norelis Falcon veio para o Brasil, em 2019, fugindo da crise humanitária que assola a Venezuela. O que elas têm em comum, além de escolher o Brasil para viver? Ambas viram no empreendedorismo uma forma de sobreviver por aqui.
Muna criou o Muna Sabores & Memórias Árabes e produz comidas da culinária árabe. Norelis fundou a ProCriArt Awekü, empresa que faz peças artesanais com fibra de buriti, sementes de açaí e de outras plantas.
Artesanato: de terapia a negócio
Começo difícil. Norelis diz que chegou ao Brasil com sua filha caçula e o marido com R$ 30 no bolso, após perder sua primogênita com apenas 3 anos e passar por dificuldades no seu país. Antes de empreender, ela atuou como engenheira industrial na estatal petroleira na Venezuela e no México.
A carreira durou pouco. Ao retornar do México, devido à crise que o país começou a enfrentar, ela teve de mudar de área e abriu uma agência de turismo em Santa Elena de Uairén, a 15 km da fronteira com o estado de Roraima.
Viagens e artesanato. Lá, ela recebia clientes venezuelanos e brasileiros e, além de vender pacotes de viagem, também comercializava as peças que produzia por hobby, que começaram a fazer sucesso.
Na época, uma cliente brasileira que frequentava a agência e gostava das minhas peças falou para eu investir no artesanato como atividade principal. Quando cheguei ao Brasil, coloquei o projeto em prática.
Norelis Falcon, dona da ProCriArt Awekü
Vendas em espaço artesão. A então cliente não só a ajudou a ver o artesanato como negócio, como também garantiu um local para ela expor suas peças no Centro de Artesanato da Orla, em Roraima, pouco tempo depois que chegou ao Brasil. Antes disso, Norelis vendia suas peças nas ruas.
Ela era presidente do Sindearter-RR [Sindicato dos Artesãos Autônomos e das Empresas de Artesanato], que cuidava do espaço com 15 lojinhas e me cedeu uma delas para começar o meu negócio.
Norelis Falcon, dona da ProCriArt Awekü
Formalização do negócio. Norelis, então, virou MEI (Microempreendedor Individual), se inscreveu no projeto Sebrae Delas e fez cursos de capacitação, incluindo marketing digital e precificação. Também estudou português para facilitar a comunicação com os clientes.
Reconhecimento nacional. Em 2023, Norelis foi vice-campeã nacional do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios na categoria MEI. Foi a primeira migrante finalista da premiação.
De Roraima para a Paraíba. Desde março deste ano, Norelis, agora separada do marido, mora com a filha na Paraíba. "A concorrência estava ficando muito grande em Roraima, por isso quis migrar para outro estado para crescer e começar uma nova fase da minha empresa."
Venda em feiras e universidades. Norelis não conta mais com um espaço físico, como tinha em Roraima, mas continua comercializando suas peças em feiras, eventos e sob encomenda, além de divulgar seu trabalho pelo Instagram. A produção, porém, continua sendo feita em Roraima, por 12 mulheres refugiadas venezuelanas e indígenas.
Por mês, ela vende em média 30 peças. Quando participa de eventos grandes, além das habituais feiras, ela chega a vender 20 unidades apenas nesses eventos, aumentando a receita do mês. As peças mais baratas, como uma tornozeleira ou pulseira simples, custam R$ 10. A mais cara é uma rede de buriti (R$ 400).
Os próximos passos da empresária são começar a exportar suas peças para EUA e Espanha e registrar a marca ProCriArt Awekü. Aliás, o nome da empresa é uma homenagem à primeira filha Awekü, morta afogada em uma piscina. Awekü, significa "doce".
Professora de inglês na Síria e empreendedora no Brasil
Muna, o marido e os quatro filhos chegaram ao Brasil em 2013. Ela, professora de inglês, ele, engenheiro naval. Por não conseguirem oportunidade de emprego para atuarem nas suas profissões aqui no Brasil, ela e o marido começaram a fazer pratos da culinária árabe e empreender no ramo da alimentação.
Pratos da família viraram fonte de renda. A empresária disse que sempre gostou de cozinhar para a família, mas nunca havia pensado em empreender na área. Porém, viu na produção de receitas árabes a fonte de sustento no novo país.
Vendas em mesquitas e no comércio. Muna começou a vender doces árabes tradicionais em frente à mesquita que frequentava e na Rua 25 de Março, no centro de São Paulo. Pouco tempo depois, trocou o cardápio e passou a vender salgados como esfihas, quibes, charutos de folha de uva e falafel.
Uma ONG de apoio a refugiados me orientou a vender salgados e doces para expandir o negócio. Atualmente, focamos nossa produção apenas em salgados.
Muna Darweesh, dona da Muna Sabores & Memórias Árabes
Redes sociais ajudam a vender. Muna começou a divulgação dos seus pratos no Facebook, plataforma que garante muitos dos seus clientes até hoje, mesmo estando presente também no Instagram e no TikTok.
Muna e o marido garantem a produção sozinhos. O casal não conta com funcionários para fazer os salgados e pratos, que são vendidos sob encomenda para eventos e particular. A maioria dos pedidos é feita via WhatsApp.
Uma esfirra e um quibe saem por R$ 4 cada. As entregas são feitas por motoboy chamado em aplicativos.Apesar de lamentar que as vendas foram menores este ano na comparação com 2023, Muna sonha em ter um restaurante um dia para ampliar o seu negócio. Para refugiadas que estão no Brasil e sonham em empreender, ela dá uma dica: "Seja forte e não desista. As dificuldades são muitas."
Projeto atende mulheres refugiadas
Mulheres empreendedoras. Luciana Xarim, COO da Rede Mulher Empreendedora, diz que, no ano passado, a ONG fez o Projeto Empreenda e Renda, de capacitação de mulheres em situação de vulnerabilidade e de baixa renda na região Norte e Nordeste do país e atendeu refugiadas, principalmente da Venezuela.
O projeto durou um ano e capacitou 30 mil mulheres com cursos para ajudar as mulheres a empreender. Elas desenvolverem atividades socioemocionais, estratégias para tirar a ideia de negócio do papel para empreender, técnicas de vendas e financeiro. Também ofereceu mentoria para 150 mulheres e acelerou o negócio de 115 negócios. Desse total, 12% eram refugiadas e 4% indígenas.
O maior desafio para as refugiadas foi a barreira da língua, mas conseguimos avançar e ter um impacto positivo.
Luciana Xarim, COO da Rede Mulher Empreendedora
Luciana diz que a maior proposta do projeto, além de capacitar as mulheres para montar o seu negócio, é fazê-las acreditar que são capazes:
Nós damos um pilar de autoconfiança para a mulher se reconhecer como empreendedora porque muitas não percebem o seu potencial e do seu negócio no início, por acreditarem que o que estão fazendo é só uma forma para ganhar dinheiro. Nós mostramos o seu potencial e a desenvolvemos emocionalmente e com técnicas de empreendedorismo para começar o seu negócio.
Luciana Xarim, COO da Rede Mulher Empreendedora
Além desse projeto, a ONG oferece um café da manhã mensal com empreendedoras, realizado na maior parte dos estados do país, e mentoria individual. Para o ano que vem, a ONG quer iniciar o Projeto Amazônia, focado em levar capacitação e desenvolvimento de mulheres em situação de vulnerabilidade na região.
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