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Novos critérios de Guedes vão diminuir a realização de concursos públicos?

Felipe Oliveira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

02/07/2020 04h00

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, decidiu mudar os requisitos para a autorização de concursos públicos, conforme instrução normativa publicada no Diário Oficial da União. A principal mudança é com relação à necessidade de um estudo de impacto de longo prazo de despesa de pessoal. Mas o que muda com a medida?

Na prática, os concursos públicos no âmbito da administração pública federal, autarquias (INSS, por exemplo) e fundações (IBGE, por exemplo) passarão por uma análise mais criteriosa pelo Ministério da Economia antes de serem autorizados.

Já havia obrigação de ter dinheiro

Uma norma publicada em agosto de 2019 já exigia que, para abrir um concurso público, existisse dinheiro para cobrir os custos de novos funcionários. Essa verba deveria estar prevista como despesa no Orçamento público.

A partir de agora, é obrigatório também haver um estudo antes de o Ministério da Economia aprovar a realização do concurso.

"Será preciso instruir o processo de abertura com um estudo de impacto de longo prazo da despesa de pessoal. Contudo, não está especificado qual seria esse prazo, mas esse 'longo prazo' há de significar alguns exercícios financeiros, e não apenas aquele em que vai ser onerada a verba com o provimento de cargos vagos", afirma Márcio Cammarosano, professor de direito administrativo da PUC e presidente do Centro de Estudos de Direito e Desenvolvimento do Estado.

Um funcionário estável gera custo por 70 anos

Isso significa que para a abertura de concursos públicos não será preciso olhar apenas para a existência de vagas e a dotação orçamentária, mas também fazer um levantamento do impacto da admissão dos servidores aprovados. Quando os concursos são realizados, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias já preveem um impacto orçamentário-financeiro nos primeiros três anos após a contratação do servidor.

Contudo, a admissão de novos servidores gera aumento na despesa obrigatória de caráter continuado na administração pública federal, já que o servidor ganha estabilidade após o estágio probatório.

Agora, essa análise vai levar em conta o tempo médio que o servidor público permanece na ativa. Segundo levantamento divulgado pelo governo federal, o comprometimento da União com funcionário público é de 69,8 anos, sendo, na média, 34,2 anos na ativa, 24,6 anos na inatividade e mais 11 anos de remuneração dos pensionistas dos servidores depois de sua morte.

Definir se precisa mesmo do concurso

Para Armando Luiz Rovai, doutor em direito e professor de direito empresarial e administrativo do Mackenzie, a alteração faz com que os concursos ocorram de forma mais criteriosa.

Os concursos vão ocorrer de maneiras mais precisa, de acordo com as necessidades apresentadas. Esse é o intuito. Que não se abram concursos sem que efetivamente se verifiquem as necessidades tecnológicas, econômicas e sociais apresentadas no momento
Armando Luiz Rovai

Para o ex-procurador do Ministério Público e presidente da Associação de Apoio aos Concursos Públicos e Exames (Aconexa), Renato Saraiva, o que vai ocorrer a partir dessa mudança é aumentar o trabalho de planejamento do órgão que deseja realizar um concurso público.

O que estamos vendo é uma ampliação de regras para a real comprovação da necessidade de realização de um concurso. Não acho que seria necessário editar uma normativa para isso. O atual governo federal, desde o início da gestão, vem demonstrando um maior rigor na contenção de gastos, e isto tem impacto na liberação de novos concursos.
Renato Saraiva

Frequência de concursos será menor?

Os especialistas ouvidos pelo UOL, contudo, divergem quando questionados se os concursos serão menos recorrentes por causa da nova medida.

Márcio Cammarosano prevê que não sejam feitos com a mesma frequência e que o governo deve puxar o freio de mão.

Renato Saraiva afirma que a instrução normativa não prejudicará a realização dos concursos, principalmente pelo que classifica como "déficit de pessoal".

A reforma da previdência trouxe uma certa insegurança ao funcionalismo, e muito servidor correu para se aposentar e garantir direitos. Tudo isso eleva a necessidade de realização de novos concursos.
Renato Saraiva

Novo perfil de candidatos

Os especialistas afirmam que os dispositivos da instrução normativa não trarão impacto aos novos servidores. Para Armando Luiz Rovai, a norma pode alterar o perfil dos candidatos aos concursos públicos.

Vai entrar no serviço público quem é vocacionado. Porque realmente existem pessoas vocacionadas para um cargo público: juiz, promotor, fiscal. A pessoa que vai para o funcionalismo porque quer se aposentar, pensando na aposentadoria com vinte e poucos anos de trabalho, esquece. Conheci vários que queriam um cargo público porque estavam pensando na aposentadoria.
Armando Luiz Rovai

Para Renato Saraiva, é preciso que a análise sobre a necessidade de servidores públicos leve em conta a demanda, principalmente no que diz respeito aos serviços essenciais, para que a população não seja prejudicada.

Entendo a necessidade de cortar gastos, mas não aceito essa teoria de 'demonizar' o servidor público como se ele fosse o culpado pela desordem econômica da nação. Culpar o servidor é uma grande injustiça. Em termos de impactos na prestação de serviços, é muito danoso à população que já sofre bastante quando precisa do atendimento estatal. Vejamos o exemplo do INSS, onde facilmente encontramos casos de pessoas idosas ou doentes que esperam meses para a aprovação de um benefício.
Renato Saraiva

Guedes já comparou servidores a parasitas

No início deste ano, Paulo Guedes comparou funcionários públicos a "parasitas" ao comentar as reformas administrativas pretendidas pelo governo. Guedes afirmou. "O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa, tem tudo. O hospedeiro está morrendo. O cara (funcionário público) virou um parasita e o dinheiro não está chegando no povo".

Após a repercussão negativa da fala, o ministro disse reconhecer a qualidade do servidor. No mesmo período, Guedes disse esperar que o Congresso derrube a estabilidade dos servidores públicos com a reforma administrativa.

Com a pandemia do coronavírus, o ministro disse que o servidor "não vai ficar em casa trancado com a geladeira cheia assistindo à crise enquanto milhões de brasileiros estão perdendo empregos".