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Por que o ethereum 'só' subiu 70% em 2023?

Para investidores do mercado financeiro tradicional, pode soar estranho, mas a alta de mais de 70% no preço do token do ethereum (ETH) em 2023 é considerada por muitos investidores de cripto um retorno decepcionante. O bitcoin, entendido como benchmark para os ativos digitais, registrou uma valorização superior a 110% no mesmo período. Enquanto o SOL, o token da rede Solana, principal rival do ethereum entre as blockchains focadas em contratos inteligentes, decolou no segundo semestre e agora acumula uma alta de mais de 450% no ano.

The Merge

Para interpretar a dinâmica de preço decepcionante do ETH, é preciso voltar para setembro de 2022, uma data que representa um divisor de águas para a rede Ethereum. No dia quinze daquele mês, os desenvolvedores dessa blockchain transfiguraram com sucesso o mecanismo de consenso que sustenta a sincronia da mais antiga rede de contratos inteligentes.

O ethereum, que nasceu como uma blockchain proof-of-work (PoW, prova de trabalho), passou a ser impulsionado por uma tecnologia distinta chamada proof-of-stake (PoS, prova de participação). Essa transição tão esperada foi rotulada como a "The Merge" (A Fusão), em referência à junção entre a corrente principal e a rede de testes que já rodava o novo mecanismo.

Na época, desenvolvedores e investidores celebraram com grande entusiasmo a produção do primeiro bloco validado pelo novo mecanismo. O feito foi comparado à troca do motor de um carro em movimento, ocorrendo de forma ininterrupta e sem qualquer imprevisto relevante.

Desfecho decepcionante

Esperava-se que o sucesso da transição provocasse um rally para o ETH. Isso porque, além de ter colocado no retrovisor o risco de uma paralisação generalizada na hora H, a implementação do novo mecanismo prometia:

  1. Reduzir o consumo energético da rede em pelo menos 95%
  2. Reforçar a segurança da rede
  3. Aumentar a sua capacidade de processamento (ou, ao menos, preparar o terreno para futuras melhorias nesse sentido)
  4. Reduzir a expansão monetária do seu token (diminuir a taxa de inflação), entre vários outros benefícios.

No entanto, a reação do mercado não refletiu o sucesso dos desenvolvedores ou a promessa de tais melhorias. Longe disso, o ETH fechou setembro com uma queda de preço de pouco mais de 23%. A derrocada pode ter sido função da estratégia sell on the news (compre o rumor e venda a notícia) — onde o investidor antecipa a precificação de futuros gatilhos positivos e realiza lucro quando o evento se concretiza. A alta precipitosa que antecedeu a transição para a PoS e a subsequente logo após a sua implementação apontam nessa direção.

Não obstante, o ativo digital continuou a gerar retornos decepcionantes desde então (pelo menos comparado aos outros grandes nomes da classe de ativos). Usando o Bitcoin como base, o ETH acumula uma queda de quase 14% desde a Merge.

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Os investidores que apostaram que a transição para a PoS levaria o ETH a usurpar a coroa do BTC como o criptoativo com maior market cap (valor de mercado) não viram suas expectativas confirmadas

Solana e a saturação das L2s

Talvez ainda mais preocupante seja a trajetória meteórica do SOL no mesmo período. Enquanto o bitcoin respaldado por uma tese distinta do ETH, focada em reserva de valor, o Solana é um competidor direto, disputando espaço na mesma subcategoria que o ethereum.

Juntas, a performance superior do BTC e do SOL — um ativo menos volátil (BTC) e um ativo que se encontra mais afastado do centro da curva de risco (SOL) — sugerem que a relativa lentidão na recuperação do ETH não é resultado de fatores cíclicos ou macroeconômicos.

Em defesa do ethereum, a alta do SOL se explica em grande parte pelo desconto no qual o token se encontrava na virada do ano. A rede sofreu uma série de quedas em 2022 que interromperam seu funcionamento e reduziram seu percentual de uptime (tempo de pleno funcionamento).

Paralelamente, o rápido desenvolvimento das soluções de escalabilidade do ethereum (um grupo de blockchains conhecidas como Layer-2s, Camadas 2) em 2022 levou à percepção de que os principais diferenciais da rede Solana (transações rápidas e baratas) já não eram tão relevantes.

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Ao retornarmos ao momento atual, parece que o jogo virou. O entusiasmo em torno das L2s (Optimism, Polygon, Arbitrum, etc.) começou a se transformar em fadiga. À medida que o ambiente Ethereum se fragmenta, com novas L2s anunciadas todo mês, investidores começam a questionar se esses desenvolvimentos representam avanços que fortalecem sua camada base (o Ethereum) ou redundâncias que segregam o capital que escoa por esse ecossistema. Em direto contraste, a estratégia horizontaliza da rede Solana independe de soluções de escalabilidade.

Ainda é cedo para arriscar um palpite a respeito de qual modelo prevalecerá (provavelmente existe demanda o suficiente para que as duas redes prosperem), mas o avanço mais acelerado do preço do SOL em relação ao Ethereum demonstra um fortalecimento do modelo integrado implementado pela rede Solana.

O consenso atual — se é que existe um consenso — vem se concretizando como um nítido contraste ao que imperava no final de 2022, momento em que só existia entusiasmo em relação aos desenvolvimentos das L2s e a sinergia que seria criada com o Ethereum.

Colaboração ou competição

Nesse sentido, um debate tangencial vem aos poucos surgindo em relação à natureza da "simbiose" entre o Ethereum e suas redes paralelas. Seriam esses produtos complementares ou substitutos? Para aqueles que não prestaram atenção à introdução à microeconomia: no caso de produtos complementares, a demanda por um produto (serviço) realça a demanda pelo outro, enquanto, no caso dos substitutos, maior demanda de um reduz a do outro.

Por ora, o volume coletivo de taxas que assentam nas L2s representa apenas 23.5% do total das taxas cobradas pelo ecossistema Ethereum como um todo. Entretanto, esse montante pode e deve crescer, e as L2s, possivelmente, mudarão de uma ferramenta que alavanca a demanda por espaço de bloco no Ethereum para um contorno que ceifa a receita dos validadores da rede sedimentar.

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Futuro promissor

Nem tudo está perdido para o ethereum. Sua performance decepcionante pós-Merge é difícil de relativizar, mas ainda existem muitas razões para ser otimista em relação ao futuro da moeda. A rede ainda conta com a maior e mais engajada comunidade de desenvolvedores, o ecossistema de finanças descentralizadas e tokens não fungíveis mais robustos e desenvolvidos, além de ser o principal e primeiro destino dos aplicativos decentralizados mais inovadores, entre vários outros quesitos de liderança.

Além disso, a promessa de uma taxa de emissão reduzida continua se concretizando. Desde fevereiro, o balanço entre tokens criados e queimados (retirados de circulação) vem aos poucos se afastando da neutralidade e se aprofundando em terreno deflacionário.

Ademais, o ethereum está logo atrás do bitcoin na fila para receber permissão regulatória nos EUA para o lançamento de um — na verdade, vários — ETF (fundo negociável na Bolsa) à vista, fato que pode gerar grande demanda pelos seus tokens à medida que o ativo entra no radar de uma nova leva de investidores.

Os últimos quatorze meses de performance do ETH podem ter decepcionado em comparação com outros criptoativos, mas as perspectivas em torno do ethereum e da rentabilidade do seu token continuam bastante promissoras em momento que o mercado de ativos digitais sinaliza o recomeço de um bull market.

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