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Finança global está tão vulnerável quanto em 2008, diz ex-presidente do BCE

04/09/2018 08h40

Paris, 4 Set 2018 (AFP) - Um débito excessivo tornou o sistema financeiro mundial tão vulnerável quanto há dez anos - advertiu o ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) Jean-Claude Trichet, em entrevista à AFP, olhando a crise em retrospecto.

"Existe agora uma concordância de que o nível de débito excessivo nas economias avançadas foi um fator-chave no gatilho da crise financeira global em 2007 e 2008", disse Trichet, que presidiu o BCE de 2003 a 2011.

"O crescimento no débito, especialmente débito privado, nos países avançados se desacelerou, mas essa desaceleração foi contrabalançada por uma aceleração do débito nos países emergentes", afirmou Trichet que, antes de presidir o BCE, esteve à frente do Banco da França.

"Isso torna todo o sistema financeiro global pelo menos tão vulnerável quanto em 2008, se não mais", insistiu.

Trichet foi o segundo presidente do BCE, instituição com pouco menos de uma década quando o banco americano Lehman Brothers entrou em colapso em setembro de 2008, uma data vista como o gatilho da crise global.

- 'Sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial' -Trichet afirmou, porém, que o banco detectou grandes problemas bem antes.

"Eu testemunhei o começo real da crise financeira que estava para varrer o mundo na manhã de 9 de agosto de 2007, quando nos confrontamos com a interrupção completa do mercado monetário da zona do euro", lembrou.

Depois das primeiras falências no setor bancário americano no verão de 2007, a incipiente crise rapidamente fez as bolsas mundiais estremecerem também.

O contágio atingiu a Europa quando o banco alemão IKB divulgou um alerta de lucro, levando o governo alemão a estender para a instituição um socorro de mais de 3 bilhões de euros.

Em 9 de agosto, o gigante francês do setor BNP Paribas congelou três de seus fundos nos Estados Unidos especializados em hipotecas securitizadas, cujo valor despencou em mais de 400 milhões de euros em poucos dias.

O pânico se espalhou pelas instituições financeiras, levando o mercado, onde os bancos dão liquidez de curto prazo um ao outro, a secar de repente.

"Isso foi sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial", disse Trichet.

"Não havia nenhuma das transações usuais, nenhuma transação entre bancos, nenhuma taxa de juros de mercado", completou.

Trichet e o BCE responderam com pesada artilharia monetária.

"Decidi com meus colegas fornecer toda a liquidez que os bancos estavam pedindo, sem limite", contou.

No final, cerca de 50 bancos da eurozona buscaram um total de 95 bilhões de euros em liquidez - uma quantia excedida na história recente apenas pelos quase 110 bilhões que o BCE injetou depois dos ataques de 11 de Setembro nos Estados Unidos em 2001.

- 'Extremamente ousado' -Trichet estava em sua casa de veraneio francesa naquele dia, longe da sede do BCE em Frankfurt, e "em constante contato eletrônico com o BCE e com os membros do conselho. Depois de duas horas e meia decidimos dar os 95 bilhões aos bancos".

O movimento foi um divisor de águas, porque "mostrou que o BCE era capaz de tomar decisões extremamente ousadas muito rapidamente".

Havia duas visões concorrentes sobre o que estava acontecendo, lembra Trichet.

"Havia os que pensavam que a crise dos 'subprime' era o prenúncio de algo maior e mais perigoso, e os que achavam que era uma simples correção de mercado, saudável e sem nenhuma importância sistêmica. Eu aderi à primeira visão", afirmou.

Nos meses seguintes, a situação financeira continuou a piorar, até que a quebra do Lehman Brothers deflagrou a crise propriamente dita.

O Lehman pode ter sido o menor banco de investimentos em Wall Street, mas "foi o detonador da pior crise financeira desde a Segunda Guerra Mundial", apontou Trichet.

Na época em que o Lehman começou a colapsar, Trichet disse que ele e seus colegas dos demais bancos centrais, incluindo o então presidente do Fed (o Banco Central americano), Ben Bernanke, "estavam muito cientes de que estávamos olhando para uma grande crise global completamente sistêmica".

"Dissemos que a falência do Lehman teria consequências catastróficas, mas eu me dei conta de que o governo americano não iria salvar o Lehman, se o setor privado falhasse em achar uma solução", completou.

"Eu entendi que o governo americano, na época, não tinha a margem de manobra política para intervir com dinheiro público. Então, me preparei para a catástrofe", acrescentou Trichet.

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