Como o Brasil ajuda a puxar para baixo resultado da economia global
O FMI (Fundo Monetário Internacional) revisou suas previsões sobre a economia global e pintou um cenário ainda mais tenebroso para o Brasil, segundo relatório divulgado na manhã desta terça (19).
Além disso, o órgão faz um elo entre as duas coisas: aponta a piora na situação brasileira como um dos motivos para um menor otimismo quanto aos resultados mundiais, somando-se a fatores como a desaceleração chinesa - segunda maior economia do mundo - e a baixa nos preços das commodities.
Nos cálculos do FMI, a economia do Brasil deve encolher 3,5% neste ano - a estimativa anterior, de outubro, apontava recuo de 1%. Além disso, o relatório empurrou para 2018 a expectativa de recuperação do crescimento: em 2017, quando havia um prognóstico de avanço de 2,3%, agora espera-se estagnação.
Na revisão dos números globais para a economia mundial, o Fundo previa uma expansão de 3,6% em 2016, mas agora vê um horizonte pouco inferior, de 3,4%. Para 2017, projeta 3,6% de avanço, também 0,2 ponto percentual menor que a análise anterior.
A BBC Brasil procurou especialistas para entender como as perspectivas ruins para o Brasil impactam, de alguma forma, o desempenho mundial.
A resposta está em uma maior interdependência entre as maiores economias do planeta, mas também em características específicas de cada economia.
Interdependência
Ao ligar a crise brasileira a uma previsão menor de expansão mundial, o Fundo Monetário Internacional expõe a cada vez maior interdependência entre as maiores economias do mundo.
Como o Brasil tem uma baixíssima capacidade de poupança, é altamente dependente do capital estrangeiro, explica o economista Otto Nogami, professor do Insper. Nos últimos anos, o país esteve entre os principais destinos globais de investimentos.
Ou seja: se o país entra em recessão, menos recursos obtidos por lucros e juros são enviados de volta ao exterior. Multinacionais, que têm uma gigante participação no bolo brasileiro, faturam menos e mandam menos dinheiro para suas matrizes - na maioria das vezes situadas em países desenvolvidos.
Além disso, como a base de produção não é forte, o Brasil depende bastante da importação de matéria-prima, manufaturados e até produtos finais, o que também acaba diminuindo em um cenário recessivo e afetando diretamente as economias de alguns países, principalmente no mercado regional.
"O Brasil ajudou muito mais o mundo que o mundo ajudou o Brasil nos últimos anos", afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, ao lembrar que o país foi um dos principais pagadores de juros do período.
"Nós demos dinamismo para a economia global 'exportando' renda para nossos parceiros", acrescenta. "Com o câmbio no lugar, é a nossa vez de forçar renda para dentro do país e isso é nitidamente ruim para o conjunto dos países."
Papel dos emergentes
Em seu relatório, o FMI cita algumas ameaças ao crescimento da economia global, entre elas:
- Crescimento menor da China, refletindo um reequilíbrio das forças que movem a economia do gigante emergente
- Efeitos da queda no preço do petróleo no Oriente Médio, região altamente dependente da extração dessa matéria-prima
- Recessão no Brasil, em sua visão causada pelas incertezas políticas e pelo prolongamento do escândalo da Petrobras
- O aperto na política monetária dos Estados Unidos
Desses quatro itens, três são relacionados a economias emergentes, de países em desenvolvimento, e expõem a importância delas no desempenho mundial.
"No início do século, a população dos países desenvolvidos havia atingido o ápice em sua demanda de consumo. Logo, o consumo se estabilizou. Assim, suas empresas tiveram de buscar lucros nos mercados consumidores dos países emergentes", explica Nogami.
Trata-se de um exemplo de como um crescimento menor ou recessão nessas economias afeta também as nações mais ricas, cujas empresas obtêm importante parte de seus lucros produzindo e/ou vendendo seus produtos e serviços no mundo em desenvolvimento.
Também nesta terça-feira, a China informou que seu PIB cresceu 6,9% em 2015 - crescimento mais baixo desde 1990, ainda que dentro das expectativas de Pequim.
Impacto das commodities
Segundo o FMI, a previsão agora é de que a região da América Latina e Caribe retraia 0,3% neste ano, ante a previsão anterior de expansão de 0,8%.
O Brasil, é claro, tem um importante peso nisso, mas o dado também reflete a dependência, por parte das economias emergentes e as menores, do preço das commodities.
As estimativas para o Oriente Médio também mostram isso: embora a perspectiva seja de crescimento na região - relatório espera 3,6% de avanço em 2016 e 2017 no grupo que reúne a área, o norte da África, o Afeganistão e o Paquistão -, o fundo revisou para baixo sua expectativa para ambos os anos (em 0,3 e 0,5 ponto percentual, respectivamente) por causa da queda nos preços do petróleo.
Nogami cita Chile e Equador para expor o que, na sua visão, foi a falha brasileira nesse cenário - não ter feito um ajuste fiscal na economia enquanto as commodities ainda estavam em alta no mercado internacional.
Pressão sobre o Brasil
O relatório do FMI foi tornado público na mesma semana em que o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central se reúne para decidir se aumenta mais uma vez a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 14,25% anuais.
Em nota, o presidente do BC, Alexandre Tombini, classificou as revisões do FMI "significativas" e ressaltou que o fundo atribui a visão negativa em relação ao Brasil "a fatores não econômicos".
O fundo atribui a piora no cenário de recessão às incertezas políticas em meio à investigação sobre a Petrobras, que "está se mostrando mais profunda e prolongada que o esperado anteriormente".
Vagamente, Tombini disse que "todas as informações econômicas relevantes" serão levadas à mesa do colegiado.
Para Nogami, "à medida que a preocupação internacional aumenta", cresce a pressão sobre o Brasil.
O relatório do fundo internacional reforça as dúvidas naquele que é o impasse do momento: aumentar ou não os juros? Ou seja: se o país vai priorizar o combate à inflação ou a retomada do crescimento.
Por outro lado, uma alta nos juros é prejudicial e pode ampliar ainda mais a recessão. Mas, segundo o especialista do Insper, pode ser o único remédio diante da "inanição da economia" para frear o avanço da inflação.
Perfeito, por sua vez, é contrário a um aumento dos juros e acredita ser difícil que a inflação caia agora, mesmo com uma alta na Selic, principalmente por causa do reajuste das passagens de transporte público e de pressão sobre o preços dos alimentos.
(Colaborou Ruth Costas, da BBC Brasil em São Paulo).
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