A cultura britânica de beber no trabalho - e por que alguns veem isso como 'parte da profissão'
É hora do almoço em uma terça-feira ensolarada no mercado de Leadenhall, um ponto de encontro famoso entre colegas de trabalho na City, o distrito financeiro de Londres. Uma multidão de homens de terno se aglomera, virando copos de cerveja sob a sombra da icônica sede do banco Lloyds.
Segundo pesquisas recentes, funcionários que bebem na hora do almoço seriam uma espécie em extinção. Em fevereiro, o Lloyds proibiu alguns de seus funcionários de beber durante o expediente.
Alguns disseram que a proibição marcava o fim da cultura britânica de negócios movida a álcool, ainda que o cenário do almoço sugerisse algo diferente.
E, como muitos admitiram, ainda há pressão para beber em muitos ramos.
Quais são os hábitos alcoólicos desses funcionários de colarinho branco?
Pergunto isso a um grupo de bebedores de Leadenhall que trabalham no mercado imobiliário e que estão na City para uma reunião. Eles pedem para não serem identificados - assim como muitos dos que falam comigo para esta reportagem.
Beber faz parte da profissão, mas em uma época de políticas de saúde e bem-estar, eles não querem admitir isso publicamente.
A proibição do Lloyds "afeta apenas os funcionários administrativos, que trabalham das 9h às 17h", diz um homem.
"Corretores de seguro, por exemplo, bebem tanto quanto antes - é assim que se faz negócios", confessa.
Pressão
O governo do Reino Unido estimou em 2012 que doenças relacionadas ao consumo de álcool tenham causado de 7% a 11% das faltas ao trabalho devido a saúde.
De acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas, o IBGE britânico, uma em cada cinco pessoas que ganham muito (acima de 40 mil libras ou R$ 167 mil por ano) bebem álcool ao menos cinco dias por semana, comparado a apenas uma em cada 12 entre as pessoas que ganham pouco (menos de 10 mil libras ou R$ 40 mil).
Anne Payne, cofundadora do Validium, uma empresa que se responsabiliza pelo bem-estar de funcionários, disse que a pressão para beber é uma ansiedade comum, "especialmente em ramos como medicina, seguros, finanças e negócios".
"Você ainda hoje escuta pessoas falando 'se quer entrar nesse ramo, é o que você precisa fazer'", afirma.
"É uma enorme pressão para as pessoas."
Hannah (que não quis se identificar por medo que isso afete seu emprego atual), uma ex-analista financeira, pediu demissão no ano passado porque beber estava afetando sua saúde, diz ela.
"Tínhamos que fazer relatórios, muitas vezes com prazos muito curtos - no fim do dia alguém dizia 'vamos beber uma' e nós sempre ríamos porque nunca era apenas uma", diz Hannah. "Nós saíamos na segunda, na terça, em qualquer dia."
Dizer "não" era difícil - especialmente para as pessoas que paravam diante de sua mesa e a pressionavam para juntar-se a eles.
"Eu achava que tinha que agradar a equipe. Eu estava com 30 e poucos anos, mas bebia mais do que nos meus 20". Agora, longe dessa cultura, ela raramente bebe.
Crescimento
O mundo jurídico é outro que mantém uma cultura da bebedeira, diz Payne.
"É muito difícil crescer na carreira, há uma competição enorme, e as pessoas fazem de tudo para progredir e fazer alianças", afirma. "Isso muitas vezes inclui beber."
É uma descrição que Patrick (nome trocado para proteger sua identidade), um advogado de Londres com 30 e muitos anos, reconhece.
"Em todas as firmas em que trabalhei havia uma cultura da bebedeira", diz ele. Boa parte de seu emprego é "desenvolvimento de negócios", conhecido popularmente pela sigla "BD" (business development, em inglês).
"A base do BD é manter relacionamentos com clientes que você já tem e tentar conseguir novos clientes. No BD, beber é um lubrificante social, deixa as pessoas mais abertas para se soltar e descobrir afinidades", explica. "Se você não for bom no BD, é possível que você jamais vire sócio da sua empresa. Então o consumo de álcool é uma necessidade velada se você quer progredir."
Já que muito do trabalho e do networking (criação de rede de contatos) é feito no bar, a progressão na carreira é mais difícil para aqueles que não bebem por motivos religiosos, diz ele.
Laura Morrison, que trabalhou no ramo de Tecnologia da Informação (TI) no começo dos anos 2000, diz que era esperado que as pessoas bebessem para avançar na carreira. "Uma vez, um assistente pessoal percebeu que eu não bebia muito nos encontros de trabalho, me puxou para o lado e disse 'olha, você precisa participar, esperam isso de você'", lembra Morrison.
Agora ela trabalha na Salutem Health, uma consultoria de saúde no trabalho, para ajudar as empresas a melhorar o comportamento dos funcionários no trabalho.
Impacto
A cultura da empresa em que ela trabalhava mudou de lá para cá, acredita ela, em parte por causa da influência das gerações mais novas entrando na força de trabalho.
"Os jovens agora são muito mais focados na carreira, não têm muito dinheiro para gastar em bares", diz Morrison. A maioria deles têm muitos empréstimos universitários para pagar, diz ela. O custo de vida é mais alto, e os salários deles não acompanharam esse aumento de custos.
"As pessoas mais jovens que eu conheço consideram a bebida um desperdício de sua produtividade e de seu tempo", afirma.
Os dados do Escritório Nacional de Estatísticas apontam para a mesma direção: menos da metade (48%) dos jovens entre 16 e 24 anos dizem ter bebido álcool na semana anterior, comparado com 66% dos que têm entre 45 e 64 anos.
Na cena de start-ups de Manchester, Josh Turner, o jovem de 26 anos que fundou uma empresa de meias chamada Stand4 Socks, com sete funcionários, diz que "refrigerantes estão entrando na moda, e eu não acho isso ruim".
"O elemento social que é importante, não importa se for cerveja, limonada ou água", afirma. Sua equipe frequentemente bebe cerveja na sexta-feira, mas também socializa com bebidas mais saudáveis, como água de coco.
Se a nova geração realmente é menos obcecada por bebida do que sua antecessora - os millennials, nascidos entre 1980 e 1999, devem somar 75% da força de trabalho até 2025 - então talvez a cultura da bebedeira possa ocupar um papel ainda menor na vida profissional.
Um porta-voz do banco Lloyds em Londres diz que é muito cedo para falar sobre o impacto da proibição de beber no expediente internamente.
Enquanto "uma ou duas pessoas" não gostaram da mudança de regra, "isso não impacta tanto a maioria das pessoas aqui porque já é a forma como eles trabalham", afirma, acrescentando que os jovens entrando no mercado já esperam esse tipo de política.
No entanto, mesmo que almoços ébrios estejam se tornando menos frequentes, isso não significa que a cultura de bebedeira já tenha desaparecido do mundo dos negócios. Ela apenas mudou. Ao fim de um longo dia de trabalho, diz Payne, "em algumas profissões, em algumas equipes, existe a expectativa de que você apareça no bar".
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