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O quão ricos são os super-ricos nos EUA (e por que é tão difícil medir sua riqueza)?

Prédio de alto padrão com vista para diferentes áreas de Nova York, como o Central Park - Divulgação
Prédio de alto padrão com vista para diferentes áreas de Nova York, como o Central Park Imagem: Divulgação

Gil B. Manzon Junior* - Da BBC Capital

31/03/2018 16h24

"Se as pessoas pobres soubessem o quão rico são as pessoas ricas, haveria rebeliões nas ruas".

O ator e comediante Chris Rock fez este astuto comentário durante uma entrevista em 2014 à revista New York em referência à crescente diferença entre ricos e pobres. Ao fazê-lo, esbarrou em um desafio-chave no estudo da desigualdade.

Qual é a melhor forma de medi-la?

A maioria dos estudos sobre desigualdade se focaram em renda - informações que estão amplamente disponíveis. No entanto, ser rico tem menos a ver com os rendimentos de um único ano do que com a acumulação de riqueza ao longo do tempo. No passado, quantificar isso foi complicado.

Estaria Chris Rock certo ao afirmar que os americanos não têm consciência dos níveis de desigualdade em sua sociedade?

Os ricos provavelmente prefeririam que fiquemos no escuro sobre o quão ricos são, presumivelmente para evitar as "rebeliões" mencionadas anteriormente. Pessoas como eu, porém, que estudam esse assunto, estão sempre em busca de mais dados e formas melhores e mais precisas de medir a desigualdade entre ricos e pobres.

E por mais que não queira promover a violência nas ruas, acredito ser importante que os cidadãos estejam completamente a par dos níveis de desigualdade em sua sociedade.

A forma mais reveladora de fazer isso, de acordo com a minha perspectiva, é olhar para a desigualdade de riqueza.

Quão grande é a diferença?

Há várias formas de medi-la. A mais popular é por renda, principalmente porque há mais dados e é muito mais fácil de medir. Mas essa medida é apenas uma foto instantânea.

A riqueza, por outro lado, é um agregado afetado não só pela renda atual mas por ganhos acumulados durante anos e por gerações anteriores. É estudando a desigualdade de riqueza que acadêmicos, legisladores e outros podem ter a medida mais profunda e ampla da diferença entre os ricos e o resto dos cidadãos.

A dimensão da riqueza de uma pessoa dá também uma ideia melhor sobre sua qualidade de vida e de suas oportunidades. Isso determina sua habilidade de investir em educação, ativos financeiros e o conforto e a segurança de sua aposentadoria. Riqueza também reduz preocupações com a variabilidade do salário ou gastos não previstos. Se você tem fundos, o custo imprevisível de ter de consertar um aquecedor de água ou de pagar por uma consulta médica não causa tanto estresse quanto causaria caso você fosse pobre.

Um abismo cada vez maior

Quando olhamos para os dados sobre desigualdade de riqueza nos EUA, vê-se que ela é tão contundente que faz com que as do resto do mundo desenvolvido pareçam pequenas.

O Instituto Hudson, um centro de estudos de tendência conservadora, relatou em 2017 que os 5% de lares americanos mais ricos detinham 62,5% de todos os ativos nos Estados Unidos em 2013 e mais de 54,1% nos 30 anos anteriores. Como consequência, a riqueza dos outros 95% da população caiu de 45,9% para 37,5%.

Como resultado, a renda média de famílias de classe alta (de US$ 639.400 ao ano, ou R$ 2,1 milhões) era quase sete vezes a da classe média (US$ 96.500, ou R$ 318 mil) em 2013, a maior diferença em pelo menos 30 anos.

Os estudiosos de desigualdade Emmanuel Saez e Gabriel Zucman descobriram que os 0,01% mais ricos controlavam 22% de toda a riqueza em 2012, quando em 1979 possuíam apenas 7%.

Se você olhar apenas para dados sobre desigualdade de renda, porém, você verá uma situação diferente. Em 2013, por exemplo, os 5% mais ricos ficaram com apenas 30% de toda a renda recebida nos EUA (em comparação ao dado de possuírem quase 63% de toda a riqueza).

Por mais que os EUA não sejam o único país desenvolvido a registrar um aumento da desigualdade nas últimas três décadas, é um caso à parte. As 5% de famílias mais ricas do país têm quase 91 vezes mais riqueza que a família americana média, a maior diferença entre 18 dos países mais desenvolvidos do mundo. O segundo da lista é a Holanda, com menos da metade dessa proporção (Nota do Editor: o Brasil é o décimo país mais desigual do mundo, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, elaborado pelas Nações Unidas e publicado em 2017).

A legislação tributária aprovada recentemente nos EUA deve piorar ainda mais a situação. Ela duplica a dedução padrão de contribuintes individuais, reduz temporariamente a taxa aplicável aos mais ricos - de 39,6% para 37% -, reduz significativamente o número de famílias sujeitas a imposto sobre propriedade e corta a taxa de impostos corporativos de 35% para 21%.

O principal impacto, porém, é o benefício que traz aos ricos. Por exemplo, os 20% dos lares menos favorecidos terão uma redução nos impostos de U$ 40 (R$ 142) em média, comparados com U$ 5.420 (R$ 17.886) de redução nos impostos para os 20% dos mais ricos.

Enquanto isso, os 0,1% mais ricos pouparão U$ 61.920 (R$ 204.342). Em 2025, os mais ricos estarão poupando em média U$ 152.200 (R$ 502.275), enquanto todo o resto não verá muita diferença. Todos os cortes individuais devem expirar em 2026.

Os contribuintes mais ricos também lucrarão com outras características da legislação. Pesquisas mostram que a maioria dos cortes de impostos para negócios beneficiam os ricos, e a redução no número de famílias sujeitas a imposto sobre heranças significa mais acumulação de riqueza através de gerações.

Os defensores da nova legislação tributária dizem que ela não aumentará os níveis de desigualdade porque o dinheiro que os ricos pouparão será "redistribuído" a outras famílias aumentando a renda destas.

Estudos empíricos realizados nos EUA, porém, sugerem o contrário. Dar mais dinheiro aos ricos através do corte de impostos não aumenta o crescimento econômico, piora oportunidades educacionais para os americanos mais pobres e até reduz sua expectativa de vida, que piorou pelo segundo ano consecutivo em 2017.

Conscientização

Estaria então Chris Rock certo sobre a ignorância dos americanos a respeito da desigualdade no país?

Pesquisas indicam que sim. Participantes de uma pesquisa nacional em 2011, por exemplo, "subestimaram imensamente" os níveis de desigualdade nos EUA.

Essa e outras pesquisas também confirmam em parte a outra metade da frase de Rock ("...haveria rebelião nas ruas") ao revelar que a maioria dos americanos se importam com a desigualdade de renda e gostariam que ela diminuísse.

Se a desigualdade atual dos EUA é social ou moralmente sustentável - ou se levará aos tumultos sugeridos pelo comediante -, isso é uma pergunta em aberto.

Seja o que acontecer, precisamos saber e entender o quão ruim é a desigualdade de renda no mundo. E então podemos decidir o que fazer a respeito.

*Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation e é publicado aqui com uma licença de livre publicação. O autor, Gil B. Manzon Junior, é professor de finanças da Faculdade de Boston.