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Grupos pró-intervenção militar tentam influenciar rumo de greve dos caminhoneiros

Ricardo Senra

Da BBC Brasil em Londres

24/05/2018 15h10

"Oi, galera. Sou caminhoneiro, estamos juntos aí na greve e estamos fazendo adesivos para colar nos nossos carros, nos dos colegas e nos de todo mundo que apoiar essa greve. Intervenção militar já. Se a gente não tirar eses corruptos do poder, a gente não vai para frente, não."

No vídeo, que se espalha por grupos de caminhoneiros no WhatsApp, o homem manda o recado em frente a uma impressora industrial que mostra centenas de adesivos prontos para serem colados nos vidros dos veículos.

Em outro vídeo caseiro gravado em São Paulo, em meio a uma sequência de caminhões que bloqueavam uma rodovia, um motorista grita: "Representando o caminhoneiro brasileiro, o transportador de carga. Aqui tem brio, aqui tem sangue. (Estamos) parando São Paulo, parando o Brasil e indo para Brasilia destituir os três poderes corruptos. Intervenção militar já. O povo está cansado de sustentar estes corruptos. Aqui é patriota."

Chegando ao quarto dia, com reflexos em abastecimento e transportes de pelo menos 15 estados, mais o Distrito Federal, a greve organizada por caminhoneiros extrapolou sua pauta inicial, concentrada na exigência da redução nos preços dos combustíveis, e vem ganhando pleitos difusos - incluindo o discurso anti-corrupção, que inclui vozes em apoio à intervenção militar, vindo tanto de dentro quanto de fora do grupo.

A BBC Brasil entrou em cinco grupos fechados criados em redes sociais por caminhoneiros para difundir informações sobre a greve. Em todos eles, frases de apoio a militares começaram a ganhar força nos últimos dias.

"As reações à greve dos caminhoneiros, amplamente apoiada pela população, demonstram que o brasileiro está sem paciência alguma com as 'autoridades'. As condições são ideais para uma verdadeira revolução que refunde o Brasil. Mas onde está a liderança desse processo? Escrevam no para-brisa dos caminhões e carros. Intervenção militar!", diz uma das mais replicadas.

Em tradicionais grupos militaristas do Facebook, como um chamado "Eu apoio o general Mourão", uma transmissão ao vivo feita em Minas Gerais, na última quarta-feira, mostra um caminhão coberto por uma faixa verde amarela com a frase "Intervenção Já". "Nós vamos derrubar este governo do crime", diz um dos narradores.

Outro, gravado no Rio Grande do Sul, mostra uma faixa de 60 metros aberta em frente a uma sequência de caminhões estacionados. Eles também pediam o fim do atual sistema democrático no Brasil.

'Liberdade de expressão'

Junto às manifestações políticas radicais e militaristas, grupos ligados aos grevistas também expõem uma escalada de violência nos acampamentos em beiras de estrada.

Em um dos vídeos que circulam nos aplicativos de mensagem, visto pela reportagem no grupo "Família Estradeira", um homem que se apresenta como de Leopoldina (MG) mostra uma pessoa sendo linchada com chutes na cabeça e na barriga após supostamente tentar roubar carga dos caminhões aglomerados em um posto de gasolina.

Um dos motoristas tenta intervir: "Cem homens batendo em um só. Isso é judiar", mas é interrompido. "Ele caiu no chão só, não bagunce o nosso coreto", responde outro.

A BBC Brasil conversou com porta-vozes da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) sobre os discursos pró-intervenção militar em grupos e acampamentos ligados à greve.

"Acredito que a intervenção militar seja uma bandeira levantada por alguns caminhoneiros porque essa pode ser a alternativa que eles veem para sanar esses constantes casos de corrupção no país. Mas não posso dizer que a Abcam apoia a intervenção", avalia Carolina Rangel, porta-voz da associação.

"Se o caminhoneiro X, Y ou Z acredita que a intervenção é o melhor caminho, a gente aceita. A gente não tolhe o direito de manifestação política de ninguém, é liberdade de expressão."

Rangel afirma que é "consenso entre as lideranças da Abcam uma insatisfação em relação ao governo, não só este como o anterior".

"Não temos ligação com nenhum partido político, nem com o MST, nem os pró-Lula, nem os Fora Temer. Não temos nenhuma ligação ou envolvimento político dessa natureza. A nossa insatisfação reflete a da população como um todo. Apesar de grande parte dos brasileiros não abastecerem seus carros com diesel, que é o nosso pleito específico, todo mundo está sendo onerado com o aumento dos combustiveis e com a inflação em geral", diz a porta-voz à BBC Brasil.

Alta no Google

Na manhã desta quinta-feira, "intervenção militar" era a segunda pesquisa mais feita por brasileiros no Google.

Publicações sobre o tema feitas por páginas militaristas chegavam a mais de 20 mil compartilhamentos no Facebook.

Uma delas mostrava um sindicalista ligado a CUT (Central Única dos Trabalhadores) sendo expulso de um acampamento de caminhoneiros em Brasília, enquanto era chamado de oportunista.

"É até bom saber que os caminhoneiros que estão na ponta estão levando a politica da Abcam de não ter vínculo com partido politico, ou com a CUT, ou o movimento dos sem-terra. Não levantamos nenhuma bandeira, a não ser a do transportador autônomo, que é reduzir impostos e preço do combustível", disse a porta-voz da associação.

Em um dos grupos no Facebook - o "Caminhões Top (Só Elite)" -, um motorista publicou um brasão do Exército e convocou os colegas.

"Temos uma grande chance em nossas mãos de aproveitar esta greve para pedir intervenção militar, nova constituinte, e novas eleições sem os comunistas, e junto com esta intervenção a caçada a todos estes ladrões que estão no governo (...) O exército entraria em ação em uma semana, vejam, podemos estar a uma semana do fim desta roubalheira toda, está em nossas mãos, quem apoia compartilha e curte."

A reação de apoio impressiona: " A situação que o Brasil está hoje era para o exército já ter tomado de conta dos poderes", dizia um. "A nossa bandeira jamais será vermelha."

De outro lado, alguns dos usuários tentavam demover os militaristas: "Militar no poder nunca mais", "Eles são só come e dorme, não vão resolver nada, não se iludam", reagiram alguns - logo classificados como comunistas e com palavrões pelos demais.

Na página "Adeptos da INTERVENÇÃO CONSTITUCIONAL DAS FFAA", criada há pelo menos 2 anos para apoiar militares, a greve dos caminhoneiros se transformou no principal assunto desde o início da semana.

"Os caminhoneiros podem mudar o rumo do país. Eles são a nossa voz, a voz dos intervencionistas", diz um dos membros.

Governo em alerta

A força da mobilização dos caminhoneiros em quase todo o país pareceu surpreender ao próprio governo federal.

Após declararem que os efeitos da greve não seriam tão profundos, ministros como Eliseu Padilha (Casa Civil), Carlos Marun (Secretaria de Governo) e Valter Casimiro (Transportes) receberam organizações ligadas à categoria.

Antes do encontro, o próprio presidente Michel Temer discutiu o assunto com Padilha e com o ministro da Fazenda, Eduardo La Guardia, além do secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e os instruiu a pedir uma trégua de três dias aos caminhoneiros para que pudesse ser encontrada uma solução.

Os comentários de Temer repercutiram mal nos grupos de caminhoneiros. "Não tem trégua. Ladrão!".

Não há uma organização que possa ser apontada como líder da paralisação.

A proposta de greve começou a circular de forma espontânea em redes sociais e grupos de Facebook e WhatsApp de caminhoneiros, como os acessados pela reportagem.

Além da Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam), uma das principais entidades envolvidas é a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), que congrega a maioria dos sindicatos de motoristas autônomos, e a União Nacional dos Caminhoneiros do Brasil (Unicam).

O movimento acabou engrossado pelos caminhoneiros de frota também - isto é, por aqueles que são contratados, com carteira assinada, por transportadoras.

"Começou com os autônomos. Mas como a situação está ruim para todos, as empresas (e os motoristas contratados por elas) também aderiram. E aí surgem várias associações, várias pessoas querendo representar. Tem também alguns que são pré-candidatos (às eleições de 2018)", diz o caminhoneiro Ivar Schmidt, um dos principais líderes dos protestos de caminhoneiros de 2015, que afirma não estar à frente das movimentações atuais.