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Eleições 2018: por que especialistas veem 'onda conservadora' na América Latina após disputa no Brasil

Fernanda Odilla - Da BBC News Brasil em Londres

24/10/2018 09h49

A disputa entre forças políticas não é exatamente uma novidade na América Latina que, depois de uma onda de governos de esquerda, deu uma guinada mais à direita em países como Argentina, Colômbia, Paraguai e Peru. Mas a eleição no Brasil pode trazer um elemento novo à região: o fortalecimento de uma direita conservadora.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que a disputa presidencial brasileira, marcada pela polarização mais aguda e agressiva dos últimos 30 anos - que neste segundo turno contrapõe o petista Fernando Haddad ao militar reformado Jair Bolsonaro (PSL) -, pode ter um efeito cascata em diferentes países da região, em especial na América do Sul, dada a importância e influência do país junto aos vizinhos.

Além de aprofundar a divisão entre direita e esquerda, a expectativa é que estimule o aparecimento e a consolidação de grupos que defendem valores mais conservadores - especialmente caso a vitória de Bolsonaro apontada pelas pesquisas se confirme neste domingo -, além de abrir espaço para violência política, avaliam.

"A polarização é a mais alta desde a transição democrática e, dado o tamanho do Brasil e seu impacto na região, o efeito desta eleição é crucial em termos de legitimar a polarização que o resto da região também está experimentando cada vez mais", afirma Maria Victoria Morillo, professora de ciência política e assuntos internacionais na Universidade de Columbia, em Nova York (EUA).

Direita e esquerda na América Latina

Há cinco anos a esquerda vem perdendo força em eleições na região.

Em 2013, o Chile, sob o comando de Sebastián Piñera, era o único mais à direita dos 12 países da América do Sul. Em 2018, por sua vez, além do próprio Chile, Argentina, Peru, Colômbia e Paraguai são governados por presidentes classificados como de direita, que ajudaram a mudar a cor do mapa político da região.

Neste ano, Piñera voltou a assumir a Presidência. A Colômbia viu Iván Duque assumir, desbancando Gustavo Petro, afilhado político do ex-presidente e prêmio Nobel da Paz Juan Manuel Santos.

Em agosto, Mario Abdo Benítez, filho do secretário pessoal de Alfredo Stroessner, que comandou o governo militar paraguaio, tomou posse no Paraguai.

No Peru, Ollanta Humala foi substituído inicialmente pelo economista liberal Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou. Desde março, o país hoje é presidido por Martin Vizcarra, de direita.

A Argentina, antes comanda pelos Kirchner, viu o empresário Maurício Macri assumir o poder em dezembro de 2015.

E, no Equador, Lenín Moreno rompeu com o ex-presidente Rafael Correa, de quem foi vice e contou com o apoio na eleição, e passou a contar com apoio de partidos de direita.

O México, por sua vez, aparece como exceção na América Latina. Em julho, Andrés Manuel López Obrador foi eleito presidente da segunda maior economia da região. É a primeira vez que um líder social e declaradamente de esquerda foi eleito presidente do país.

E a esquerda continua no comando da Venezuela, Bolívia e Nicarágua.

Fator Brasil

Em nenhum desses países, contudo, foi observado o mesmo nível de polarização do Brasil - no Peru e no Paraguai, por exemplo, a disputa se deu entre dois candidatos de direita.

Aqui, ainda, as propostas de Bolsonaro se apresentam como mais conservadoras que a das demais campanhas e já encontram ressonância e apoio de uma parcela significativa do eleitorado, acrescentam os especialistas.

Por isso, o Brasil poderia servir de inspiração para o avanço do conservadorismo social e moral, com o fortalecimento de uma agenda contra, por exemplo, o aborto, legalização de drogas, união homoafetiva e imigração, além do apoio ao poder letal da polícia.

"Temos a demonstração de que o discurso da extrema-direita pode ganhar eleições presidenciais e se tornar mais 'mainstream', como nos EUA e em outros países europeus. Vai encorajar outros grupos de extrema-direita na região", diz a professora Maria Victoria Morillo.

Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute, da Universidade King's College London, na Inglaterra, diz que o tamanho e diversidade do Brasil fazem do país um laboratório perfeito para testar a força de certas ideias e propostas. Se elas ganham fôlego no Brasil, tendem a vingar no resto da região.

Além disso, o professor explica que quem ocupa a principal cadeira do Palácio do Planalto abre espaço para possíveis novos acordos e parcerias com outros governos com posições ideológicas parecidas, o que acaba ajudando certas forças políticas na região.

A vitória de Lula em 2003, por exemplo, deu fôlego às candidaturas de Evo Morales, eleito presidente da Bolívia em 2005, e do equatoriano Rafael Correa, que venceu a disputa em 2006, e de Cristina Kirchner na Argentina em 2007.

Apesar de o país estar com a imagem e a credibilidade arranhadas internacionalmente com os escândalos de corrupção em série, a turbulência econômica e uma política externa mais acanhada, o Brasil continua sendo um importante e influente ator para a região, lembram os especialistas.

"O Brasil é metade da América do Sul em termos de população, PIB e território. A tendência é de candidatos imitarem o estilo Bolsonaro em alguns aspectos do discurso que têm ressonância junto a uma parcela significativa do eleitorado brasileiro", observa Anthony Pereira.

Por isso, segundo o professor, a eleição do Brasil pode ser o pontapé de uma nova aliança de direita na região.

"Bolsonaro (caso confirme as pesquisas e vença no domingo) pode entrar em contato com presidente do Chile e da Colômbia para tentar fortalecer a direita e formar uma nova direita, mais ideológica", observa o professor, salientando que seria um passo ousado.

"Essa nova direita seria diferente da direita tradicional do Brasil, que era mais fisiológica", observa o diretor do Brazil Institute.

A professora Tulia Falleti, diretora do programa de estudos sobre América Latina da Universidade da Pensilvânia, também destaca o poder de influência do Brasil na região e observa que a candidatura de Bolsonaro elevou a carga de intolerância entre os eleitores - parte teria passado a adotar um discurso que muitos classificam de misógino, homofóbico e preconceituoso.

Mas, ao contrário dos outros dois especialistas, a professora acha que esse tom mais agressivo é muito peculiar do Brasil e diz não conseguir imaginar o surgimento de uma figura "messiânica" como Bolsonaro em outro país da América Latina.

"Para mim, (o fortalecimento da direita) é uma reação a mudanças sociais que não aconteceram em outros países da América Latina na mesma extensão", diz Falleti, ponderando que grupos extremistas tendem ganhar força em países onde há problemas muito profundos na área de segurança.

"Esses grupos (mais radicais e violentos) são mais prováveis de surgir em países como Nicarágua e Venezuela, que já vivem uma degradação da segurança mais aguda", completa.

Direita com ligações religiosas

Em muitos países latino-americanos, a chamada "ultra" direita tem surgido com uma ligação forte com grupos religiosos e sempre em defesa da chamada "família tradicional".

São formados, normalmente, por segmentos da população que se sentem "esquecidos" ou não contemplados pelas políticas públicas implementadas nos últimos anos, e que dizem sofrer com um queda relativa na qualidade de vida e da segurança.

Enquanto nos EUA e Europa esses grupos mais radicais são motivados por temas como imigração e terrorismo, na América Latina essa direita ganha fôlego com a desaceleração do ciclo econômico, o fim do boom das commodities de exportação - que deixou os governos com menos dinheiro - e escândalos de corrupção em série, em especial os ligados à operação Lava Jato, que atingiram políticos não só no Brasil, mas em diferentes países da região.

O Juntos por México, por exemplo, é uma frente formada por mais de 80 associações conservadoras católicas que se opõem à união homoafetiva, o aborto, a eutanásia e a legalização da maconha. Segundo o jornal espanhol El País, junto com grupos chamados Red Familia, Con Familia e a União Nacional de Pais de Família, o Juntos por México ganham força em especial ao influenciar a tramitação de pautas mais progressistas no Congresso mexicano.

No Chile, o Movimento Social Patriota surgiu no ano passado e se coloca como uma terceira via, nem de esquerda nem de direita. Defende a proteção dos recursos naturais e da família formada por um pai e uma mãe orientada para a procriação. Muitos veem algumas das ideias defendidas pelo movimento como xenófobas, racistas, misóginas e homofóbicas.

No Twitter, eles ressaltam que vão continuar defendendo as pautas que consideram importantes. "Continuaremos a mostrar nosso descontentamento contra esse progressismo globalista e ninguém nos deterá."

https://twitter.com/movs_patriota/status/1022323870144122880

Impacto das eleições na Venezuela e na Argentina

Ainda que a disputa entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro repita uma tendência de polarização entre direita e esquerda já observada na América Latina e em outros países do mundo, ela pode fazer aprofundar essa migração de eleitores do centro para os extremos.

"Os eleitores estão divididos em todo lugar, mas no Brasil a retórica foi muito além à direita do que em qualquer outro lugar", observa, citando os embates recentes na Colômbia e no México.

Segundo a professora, é preciso observar outros tipos de impactos para além do fortalecimento da direita.

Ela diz que é muito difícil para qualquer líder atualmente apoiar o governo do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Mas, segundo ela, a depender de quem vença a eleição em 28 de outubro, a reação à imigração venezuelana pode ser completamente diferente, e até agravar a crise humanitária na região.

Já em relação à Argentina, o resultado do pleito deve provocar mais mudanças na economia do que na política argentina, dada a dependência que o país vizinho tem do Brasil.

"O eleitorado argentino até agora tem sido menos direitista que o eleitorado brasileiro em termos de preferências para as eleições, segundo pesquisas", diz Maria Victoria Morillo, da Universidade de Columbia.

A professora ressalta, no entanto, que uma eventual vitória de Fernando Haddad seria interpretada pelos seguidores de Kirchner como um retorno de uma onda mais à esquerda.

Morillo lembra ainda que o ministro das Relações Exteriores da Argentina qualificou Bolsonaro como um político de centro-direita. Tal postura de não enquadrar o candidato do PSL num extremo já é vista como um sinal para manter uma boa relação, uma vez que a Argentina enfrenta uma profunda crise econômica e tem o Brasil como um dos principais parceiros comerciais.

"A Argentina é altamente dependente do Brasil para comércio. Com Haddad é fácil antecipar que as coisas não vão mudar muito para a Argentina em termos de relações econômicas. Mas, com Bolsonaro alcançando o poder, como ele tem uma postura mais nacionalista, pode ser muito ruim para a Argentina", complementa Tulia Falleti.

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