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Os profissionais de mais de 60 anos que buscam a vida como freelancers

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Imagem: Getty Images

Alice Robb

BBC Capital

08/12/2018 17h12

Quando a londrina Sylvia Haller, 66, foi demitida em fevereiro, não apenas sua renda foi abalada mas também sua autoestima.

"Tive esta sensação de que 'estou velha demais'", lembra Haller. "Ninguém vai querer me empregar". Ela se orgulhava de seu emprego no qual fazia melhorias nas residências de idosos e pessoas com deficiência no bairro de Hackney, em Londres. Perdê-lo foi "muito traumático".

Mas a aposentadoria de Haller era pequena, e ela sequer estava pronta para se aposentar. Decidiu se recompôr e vasculhar os classificados online, mas percebeu que não se sentia "confiante o suficiente para aplicar para nenhuma vaga".

Ela ficou, então, intrigada quando um amigo lhe contou sobre o TaskRabbit, um aplicativo que permite a venda de todos os tipos de serviços: desde trabalhos práticos, como montar móveis, a tarefas mais simples, como esperar na fila do café da manhã para outra pessoa. Ela abriu uma conta no app --admite que demorou um pouco para pegar o jeito da plataforma-- e conseguiu clientes para uma variedade de atividades.

Entrando no app

A "gig economy" (termo para o grupo de trabalhos freelancers, temporários e de contratos flexíveis) explodiu nos últimos anos. Empresas como a Delivery Hero, de Berlim (Alemanha), que contrata motoristas para entregar comida na Europa, Ásia e América Latina; Didi Chuxing, um aplicativos de carona tão poderoso na China que freou a expansão do Uber na região; e o próprio TaskRabbit, estão mudando drasticamente a rotina de trabalho e a relação entre funcionários e empregadores.

Um relatório da consultoria Deloitte afirma que 77 milhões de pessoas na Europa, na Índia e nos Estados Unidos se identificam formalmente como freelancers. Só nos Estados Unidos, 3,7 milhões de americanos trabalharam sob demanda em 2016.

A cifra americana deve chegar a 9,2 milhões em 2021, segundo estimativa da empresa de pesquisa Intuit e Emergent Research. A "gig economy" também vem crescendo na região do Pacífico Asiático, onde 84% dos gerentes dizem empregar esses trabalhadores, de acordo com uma pesquisa realizada pela consultora de investimentos Kelly Outsourcing & Consulting Group.

Para a maioria deles, ser freelancer é uma escolha. Apenas 11% dos mais de 6.000 profissionais participantes do estudo da Intuit afirmaram não terem conseguido encontrar empregos formais. Eles optaram pela "gig economy" na esperança de exercer mais controle sobre suas carreiras, além de diversificar suas fontes de renda, já que estão diante de uma economia imprevisível e em constante mudança.

Buscando sentido

Essa forma de trabalho é frequentemente retratada como uma escolha de jovens -geralmente de millennials indecisos que não conseguem se comprometer com uma carreira "real" ou que se formaram durante o período de recessão e nunca conseguiram um emprego em tempo integral. Isso porque o trabalho sob demanda parece exigir um grau de energia e conhecimento tecnológico tipicamente associado à juventude.

Mas 31% dos americanos que trabalham exclusivamente na "gig economy" são os "baby boomers", nascidos entre 1946 e 1965. E essa distribuição não é exclusiva dos EUA (embora não tenha sido amplamente estudada em todo o mundo). Pesquisadores do Instituto Global McKinsey, em um relatório que incluiu Espanha, Alemanha, França, Suécia, Reino Unido e EUA, descobriram que mais de três quartos da força de trabalho independente têm 25 anos ou mais. Isso porque muitos profissionais mais experientes estão se dando conta de que não têm economias suficientes para simplesmente parar de trabalhar.

De acordo com o relatório da Intuit e Emergent, cerca de metade dos "baby boomers" americanos têm menos de US$ 100 mil (R$ 375 mil) em fundos de aposentadoria, um valor que não é suficiente para bancá-los por muitos anos.

As motivações, porém, vão além da questão monetária. Nessa pesquisa, os profissionais "baby boomers" se mostraram mais propensos a dizer que gostavam do trabalho e menos propensos a ter restrições financeiras dos que as gerações millennial e X. Entre os que têm 55 anos ou mais, 32% afirmaram terem tomado a decisão, pelo menos em parte, pelo desejo de estar perto de "pessoas interessantes", em comparação com apenas 15% dos trabalhadores em geral.

"Não saber o tipo de cliente que você vai conhecer é bem animador", diz a freelancer londrina Sylvia Haller. Ela conta ter montado uma cama para um estudante de moda, cujo apartamento fica "num lugar escondido" no leste de Londres, acessível apenas por "ruas estreitas de paralelepípedos" e "escadas de ferro preto", e que estava repleto de "máquinas de costura, tecidos e roupas por todos os cantos".

Haller e seus colegas estão totalmente envolvidos com a nova situação. De acordo com Sigmund Freud, um trabalho com propósito é um dos dois pré-requisitos de uma vida feliz --o outro é o amor.

O trabalho pode nos ajudar a nos conectar com nossas comunidades, a sentirmos satisfação e até mesmo a prolongar nossas vidas. Alguns pesquisadores sugerem, por exemplo, uma relação entre aposentadoria precoce e morte prematura.

Novo fôlego

Para os "baby boomers" que atuaram em setores com forte demanda física, o trabalho na economia digital pode ser um alívio.

Jerry Nelson, que vive na Argentina, adorava ser fotojornalista. Mas, aos 62 anos, ele diz que está "velho demais para se esconder em árvores de carvalho e lidar com cartéis de drogas... Meus ossos não são mais tão fortes". Por isso, ele agora escreve posts e peças de marketing para clientes que encontra na Fiverr, uma plataforma com base em Tel Aviv que conecta trabalhadores freelancers a clientes em todo o mundo.

"Tem sido um ano fenomenal", diz Nelson. "Eu não tenho que manter um site. Eu não tenho que correr atrás de clientes".

O horário flexível proporcionado pelo trabalho é o principal atrativo para os "baby boomers" com compromissos familiares. Ao usar o TaskRabbit, Haller conseguiu manter sua renda estável, mesmo que passe menos tempo trabalhando. Em vez de ter uma jornada das 8h às 17h, ela faz "duas horas aqui, três lá e trabalha em alguns sábados". Com isso, diz ela, "tem muito mais tempo" para estar em casa e se dedicar aos dois filhos adolescentes.

Para outros "boomers", o trabalho freelancer é uma maneira de finalmente buscar suas paixões. O americano Dan Hays, 68, passou a maior parte de sua carreira no setor de petróleo e gás. Em 2015, durante uma conversa telefônica, um cliente elogiou sua voz --um suave barítono com um sutil sotaque texano-- e sugeriu que Hays trabalhasse com dublagens.

Hays se inscreveu, então, no Fiverr e conseguiu seu primeiro trabalho como dublador.

Eu era bom no que fazia em petróleo e gás, mas isso não alimentava meu espírito. Era muito competitivo, muito estressante. A certa altura, pensei: 'quero tentar algo diferente'
Dan Hays

Ele, desde então, já expandiu suas ofertas no Fiverr para serviços de texto e roteiro como freelancer. "Sou escritor desde criança", diz.

Agora, ele trabalha apenas de 10 a 15 horas por semana. Quando sente que chegou a um bom momento de parar, ele faz o que lhe convier. Durante a entrevista, em uma tarde de quinta-feira, ele contou: "Logo mais vou ao parque brincar com os cachorros e depois vou assistir a um jogo de futebol".

Talvez todos nós queremos a mesma coisa, afinal de contas.

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