As mulheres que dão as cartas em Davos: 'Eu sou a executiva, ele é meu marido'
Quando o marido de Ann Cairns foi apresentado a Joe Biden no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, o ex-vice-presidente dos EUA supôs que iria se reunir com ele. Mas a vice-presidente da Mastercard é Cairns, e não seu marido, que é professor de geografia aposentado.
A executiva ri ao se lembrar do episódio e gesticula apontando para si mesma dizendo: "[Eu só pensava]: 'Sou eu, eu que vou me reunir com você'".
O ano pode ser 2019, mas pouco mais de um ano depois da campanha #MeToo --movimento contra assédio sexual que se transformou em uma iniciativa mais ampla, destacando a desigualdade de gênero-- pouco parece ter mudado.
Mulheres que ocupam altos cargos executivos em grandes empresas, como Cairns, ainda são raras. Neste ano, 22% dos participantes em Davos são do sexo feminino, em comparação a 20% há dois anos.
O progresso é lento, apesar de haver um sistema de cotas para grandes empresas, que precisam levar ao menos uma mulher para cada quatro homens que participam do evento.
Medidas práticas
O desequilíbrio de gênero no encontro reflete a situação no mundo corporativo e político como um todo. No ritmo atual, serão necessários 108 anos para reduzir a diferença de gênero e 202 anos para alcançar a paridade na força de trabalho, de acordo com o último relatório global do Fórum Econômico Mundial.
A Mastercard, por exemplo, tentou mudar essa percepção padronizando a licença-maternidade e paternidade globalmente. Introduzido há dois anos, o esquema prevê que os homens tenham direito a dois meses de licença com pagamento integral, e as mulheres, a quatro meses.
Dados de 2017, primeiro ano da implementação da medida, mostram que os homens usaram 70% da licença disponível.
Desta forma, questionamentos sobre até que ponto um executivo deve se ausentar para cuidar do filho agora se aplicam a homens e mulheres. "Todo mundo está no mesmo barco", diz Cairns.
A executiva começou no mundo dos negócios como a primeira engenheira a trabalhar em plataformas offshore de petróleo e gás no Reino Unido. Apesar do avanço lento, ela diz que as empresas estão lidando com a desigualdade de forma mais eficiente do que no passado.
Essencialmente, em vez de as mulheres "choverem no molhado" em eventos exclusivamente femininos, os homens estão sendo envolvidos com mais frequência na discussão. E ela acredita que isso realmente vai ajudar a impulsionar uma mudança.
Disparidade salarial 'em todos os lugares'
Há cinco anos, Marc Benioff, diretor-executivo da Salesforce, gigante de computação em nuvem, questionou por que havia tão poucas mulheres nas reuniões gerenciais.
Na sequência, ele insistiu que um terço da sua equipe deveria ser do sexo feminino. A mudança permitiu que Cindy Robbins, que trabalhava no departamento de RH, se reunisse com Benioff e sugerisse uma auditoria para checar a igualdade salarial, algo que não é obrigatório nos EUA.
Quando Benioff perguntou se eles tinham algum problema, ela disse que não sabia. No entanto, a primeira auditoria, realizada há três anos, revelou que a disparidade salarial entre homens e mulheres estava "em todos os lugares".
"Estava na empresa toda, em todos os departamentos, em todas as divisões, em todos os locais", afirmou, em entrevista à CBS.
O acerto de contas saiu caro. Até agora, a empresa pagou cerca de US$ 9 milhões para compensar a diferença salarial entre seus 33 mil trabalhadores. Desde então, a Salesforce já repetiu a auditoria três vezes --e, no ano passado, também incluiu a questão de raça e etnia.
"Estamos tentando melhorar a cada ano. A menos que você possa dizer que seus processos são perfeitos, isso nunca vai ser completamente resolvido", diz Robbins, que foi promovida a diretora de Recursos Humanos da empresa.
Conhecer a verdade
Enquanto a maioria das pessoas acredita que não é tendenciosa e toma decisões justas, ela diz que apresentar dados concretos tem sido uma motivação poderosa para mudanças. Além da auditoria anual dos salários, a empresa agora coleta dados sobre a divisão de gênero em promoções e novas contratações.
No entanto, como acontece na maioria das empresas de tecnologia, a Salesforce continua sendo dominada por homens. No fim do ano passado, menos de um terço de sua equipe era do sexo feminino, apesar de ter contratado 4.000 mulheres.
Barri Rafferty, diretora-executiva da empresa global de relações públicas Ketchum, diz estar surpresa que batalhas que ela achava que terminariam na geração de sua mãe continuem até hoje.
Como Cairns, ela também foi tratada --várias vezes-- como acompanhante do marido em Davos, em vez de ser identificada como participante do encontro. Mas acredita que a crescente conscientização vai tornar equívocos deste tipo menos prováveis.
Ela afirma que descobrir a verdade sobre a empresa, em vez de se basear no que você acha que é a verdade, é importante. "Toda organização precisa parar e dar uma olhada em sua cultura e não subestimar quaisquer preocupações", diz ela.
A própria Ketchum criou um conselho consultivo externo para trazer novas ideias e insights sobre a cultura da empresa. Também aplica questionários com regularidade, perguntando aos funcionários como se sentem em relação a oportunidades de promoção, remuneração e a empresa em geral.
A importância da diversidade
A diversidade não significa apenas fazer a coisa certa, também faz sentido comercialmente. Um relatório da consultoria McKinsey, que avaliou 366 empresas públicas em vários países e setores, mostrou que aquelas que tinham uma diversidade étnica e de gênero maior apresentavam desempenho significativamente superior ao das outras.
"Todos nós sabemos disso intuitivamente", diz Sheila Penrose, presidente da companhia imobiliária Jones Lang LaSalle (JLL) e colaboradora da agenda do fórum. "Mas quando você consegue medir e articular isso dentro da organização, se torna um argumento mais convincente."
Em Davos, ela diz que a igualdade de gênero foi incorporada a temas mais amplos em torno da educação e do futuro do mercado de trabalho, uma mudança de abordagem que ela acredita ser mais construtiva em relação ao rompante da campanha #MeToo.
"As mulheres tendem a ser superorientadas e subpromovidas", diz ela. Em outras palavras, elas tendem a receber conselhos e não oportunidades.
Apesar de tantas estatísticas pessimistas, uma delas sugere que o futuro pode não ser tão sombrio. Neste ano em Davos, mais da metade dos chamados "jovens líderes globais" --100 pessoas com menos de 40 anos que são convidadas para o fórum a cada ano-- são mulheres.
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