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'Um governo liderado por Lula não nos assusta', diz Mark Mobius, megainvestidor 'guru dos emergentes'

Em entrevista, megainvestidor alemão-americano diz que se populismo de ex-presidente "resultar em um surto de crescimento, tanto melhor" - Mobius Capital Partners
Em entrevista, megainvestidor alemão-americano diz que se populismo de ex-presidente "resultar em um surto de crescimento, tanto melhor" Imagem: Mobius Capital Partners

Luis Barrucho

Da BBC News Brasil, em Londres (Reino Unido)

11/03/2021 12h53Atualizada em 11/03/2021 15h19

O megainvestidor alemão-americano Mark Mobius foi na contramão de muitos de seus pares ao decretar, em entrevista recente, que um eventual retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, caso concorra e vença o pleito do ano que vem, não seria "necessariamente ruim para os mercados".

Agora, falando à BBC News Brasil, ele vai além: "Um governo liderado por Lula não nos assusta e se seu populismo resultar em um surto de crescimento, tanto melhor".

Na segunda (8/3), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin decidiu anular todas as condenações judiciais de Lula no âmbito da Operação Lava Jato, abrindo caminho para que o petista concorra à Presidência caso não sofra novamente condenações em segunda instância. Em pronunciamento na quarta-feira, Lula disse que a candidatura da esquerda ainda não está definida.

Mobius, que em maio de 2018 lançou sua própria gestora de investimentos, a Mobius Capital Partners LLP, antes trabalhou na Franklin Templeton Investments por mais de 30 anos, mais recentemente como CEO do Templeton Emerging Markets Group.

Durante seu comando, o grupo expandiu os ativos sob gestão de US$ 100 milhões para mais de US$ 50 bilhões.

Considerado um "guru dos mercados emergentes", por ter colocado as nações em desenvolvimento no radar dos investidores globais, Mobius concedeu, por e-mail, a seguinte entrevista à BBC News Brasil.

BBC News Brasil: Em entrevista à agência de notícias financeira Bloomberg, o sr. disse que a volta de Lula "não é necessariamente ruim para os mercados". Por quê?

Mark Mobius: A principal preocupação em relação a Lula era a corrupção. Se ele voltar, as preocupações com a corrupção não serão tão prevalentes simplesmente porque os escândalos da Lavo Jato resultaram em uma vigilância muito maior e preocupação com algo assim acontecendo novamente.

Mais importante, seu programa Bolsa Família para promover a educação de crianças em famílias de baixa renda foi um passo importante para o país e esperamos que seu retorno resulte em mais iniciativas desse tipo.

Finalmente, sua imensa popularidade poderia resultar em um movimento para uma maior participação do governo pelas massas.

BBC News Brasil: A notícia do retorno de Lula fez com que a bolsa e o real brasileiro caíssem. Por que o sr. acha que isso aconteceu? Quão arriscado o sr. acha que Lula é para o Brasil?

Mobius: A impressão agora é que o atual governo é favorável aos negócios, mas é duvidoso que um retorno de Lula resultaria em um governo marcadamente hostil aos negócios.

BBC News Brasil: O Lula de hoje será o mesmo Lula de 2002, com uma mensagem "de paz e amor amigável ao mercado"?

Mobius: Lula certamente aprendeu muitas lições nos últimos anos. Mais importante ainda, muitas condenações e sentenças foram proferidas, então a corrupção no Brasil será muito diferente no futuro.

BBC News Brasil: Há quem diga que, se Lula puder concorrer novamente, a agenda de reformas provavelmente estaria fora da mesa e as perspectivas de disciplina fiscal se deteriorariam. Mas outros falam que as preocupações com a reeleição em meio à covid-19 já minaram o apoio de Bolsonaro à prudência fiscal e à reforma, e há uma perspectiva de que ele poderia implementar medidas mais populistas. Qual lado está certo?

Mobius: Certamente Lula representa populismo, mas isso não significa necessariamente irresponsabilidade fiscal, uma vez que existem mecanismos no Brasil que jogam contra a falta de prudência fiscal.

No entanto, podemos esperar que, como no passado, ele se envolverá em grandes repasses do governo aos pobres e em grandes projetos de infraestrutura agora que os preços das commodities estão se recuperando. Isso poderia dar um grande impulso à economia. Neste mundo, como vemos no programa de gastos de Biden (Joe Biden, presidente dos EUA), grandes gastos do governo estão em voga, então Lula não será culpado por isso.

Isso, é claro, levará a um crescimento que será bom para os negócios em geral. Alguns dirão que também levará à inflação e à desvalorização da moeda.

Como aponto em meu livro "The Inflation Myth and the Wonderful World of Deflation" ("O Mito da Inflação e o Mundo Maravilhoso da Deflação", em tradução livre para o português), a revolução tecnológica que o mundo está passando agora está resultando em preços de produtos e serviços mais baixos e melhores em relação ao poder de renda das pessoas.

Isso certamente está ocorrendo no Brasil como em outros países. Com relação à reforma, algumas delas já foram realizadas, mas nunca temos muitas esperanças de uma mudança dramática no contencioso ambiente democrático do Brasil.

BBC News Brasil: Quem representa uma ameaça maior à economia do Brasil? Lula ou Bolsonaro?

Mobius: Nenhum dos dois. Não acho que nenhum deles pode representar uma ameaça para a economia.

BBC News Brasil: Melhor investir no Brasil com Lula ou Bolsonaro (ou não investir de jeito nenhum)?

Mobius: Eu investiria no Brasil com qualquer um deles. Já estamos investidos no Brasil e estamos satisfeitos com nossos investimentos com bons resultados enquanto Bolsonaro estiver na Presidência.

Porém, um regime liderado por Lula não nos assusta e se seu populismo resultar em um surto de crescimento, tanto melhor.

Provavelmente, a coisa mais legal que você pode dizer sobre Lula é que ele é "um homem do povo" - uma representação dos segmentos de renda média e baixa da sociedade mais do que Bolsonaro.

Essa popularidade entre os grupos de renda média e baixa pode resultar no aproveitamento de mais crescimento por meio de políticas que os favoreçam.