Como a 'terapia financeira' pode mudar nossa relação com o dinheiro
Quando Anna Davies fez 30 anos, após virar mãe, percebeu uma mudança em sua relação com o dinheiro.
"Nos meus 20 anos, eu conseguia bancar tudo com meu salário", diz a americana de Nova Jersey, nos Estados Unidos.
"Quando tive filho, precisei começar levar em consideração tanto as despesas com o bebê quanto a necessidade de poupar para o futuro."
Davies sabia que o estresse financeiro de ser mãe solteira era grande, especialmente por trabalhar como freelancer escrevendo sobre de finanças pessoais.
Justamente por entender de economia e investimentos, contudo, se sentiu envergonhada ao ver a realidade tão distante das metas financeiras que ela tinha proposto a si mesma.
"Eu compreendia aquilo a partir de uma perspectiva intelectual, era capaz de dizer exatamente como você deve economizar seu dinheiro e investir, mas não conseguia fazer isso por mim mesma."
A jovem se deparou então com o campo em expansão da terapia financeira, que trata tanto das finanças pessoais quanto da saúde mental.
Os terapeutas financeiros usam seu treinamento como psicólogos para ajudar os pacientes a resolver sua relação com o dinheiro, tratando especificamente a raiz emocional do estresse financeiro, em vez do comportamento em si, como fazem alguns métodos existentes.
Ela ficou apavorada durante sua primeira sessão: "É mais fácil falar sobre sexo e relacionamentos amorosos do que sobre dinheiro".
"Mesmo dentro dos limites de uma sala de terapia, acho que ser capaz de [dizer]: 'Ok, aqui está meu extrato bancário, aqui está quanto dinheiro eu realmente tenho' — é assustador."
Questões relacionadas a dinheiro são — e sempre foram — estressantes.
Para algumas pessoas, a apreensão e angústia pode se manifestar inclusive como uma espécie de fobia.
Para ajudar a lidar com essas questões, um número crescente de pessoas, como Davies, está recorrendo a terapeutas financeiros em busca de ajuda.
Mas será que esse tratamento hiperdirecionado pode ajudar a resolver relacionamentos conturbados com dinheiro?
Uma fobia real
As decisões financeiras estão profundamente ligadas às emoções. E as pesquisas confirmam isso.
Em 2000, Daniel Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia ao aplicar insights de psicologia à teoria econômica, especialmente nas áreas de julgamento e tomada de decisão em condições de incerteza.
Seu trabalho foi a confirmação de que as decisões financeiras são emocionais.
De acordo com um levantamento de 2019 da plataforma de experiência do funcionário Perk Box, o dinheiro é a maior causa de estresse no Reino Unido, com 61% dos 1.139 entrevistados afirmando que o dinheiro causava a eles mais estresse do que seu trabalho (51%) e sua família (24%).
Brendan Burchell, professor de ciências sociais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que pesquisa o estresse relacionado ao dinheiro, diz que a fobia financeira é um fenômeno real.
Embora não haja muitas pesquisas sobre o fenômeno especificamente, sabemos que ele pode se manifestar de maneira distinta em cada pessoa — por exemplo, algumas podem evitar se envolver com questões relacionadas ao dinheiro, enquanto outras podem gastar excessivamente em resposta à ansiedade.
Independentemente do comportamento, fatores de estresse emocional ligados à vida financeira podem ser um problema significativo.
"Realmente parece se assemelhar a uma fobia, em vários aspectos", diz Burchell, no sentido de que temos uma resposta profundamente emocional ao dinheiro.
De certa forma, ele acrescenta, a fobia de, digamos, conferir nossos extratos bancários não é muito diferente de um medo extremo de aranhas ou palhaços.
Por esse motivo, Burchell não acredita que a terapia convencional seria de muita ajuda no tratamento das fobias financeiras.
"Da mesma forma que, por exemplo, ter alguém que é um bom ouvinte não ajuda você em particular. Você pode explicar infinitamente por que não gosta de aranhas, [mas] a fobia não vai embora."
Burchell acredita que profissionais especializados no tratamento de fobias são uma abordagem promissora para acabar com a fobia financeira.
"É importante obter a terapia certa", diz ele.
"Se [a fobia financeira] for genuína, como todo o nosso [trabalho] em laboratório e alguns de nossos outros estudos sugerem, então algo como a TCC parece funcionar bem."
A TCC, sigla para terapia cognitivo-comportamental, é uma forma de psicoterapia que se concentra em fazer mudanças analisando questões subjacentes — e é um dos métodos estruturados que os terapeutas financeiros usam para ajudar os pacientes.
Carrie Rattle, ex-executiva de Wall Street que virou terapeuta financeira, concorda que a TCC é uma abordagem prática para desemaranhar as emoções das pessoas em relação ao dinheiro.
Durante sua carreira anterior, Rattle conta que percebeu que "dizer às pessoas logicamente o que elas 'deveriam' fazer não estava dando certo, embora existam centenas de organizações de educação financeira por aí e milhares de livros sobre orçamento".
Essa lacuna entre alfabetização financeira e emoção levou Rattle à sua segunda carreira, como terapeuta financeira.
Lindsay Bryan-Podvin, terapeuta financeira licenciada e assistente social em Michigan, nos EUA, aborda os problemas financeiros de seus pacientes com um "trabalho baseado em valores", um aspecto da TCC que envolve reavaliar o que é importante para o indivíduo e reestruturar decisões baseadas nesses valores.
Isso significa que, em vez de oferecer aos pacientes orientações genéricas como "pare de gastar dinheiro comendo na rua", Bryan-Podvin os incentiva a pensar sobre que tipo de gasto gera mais valor para eles.
"Para alguns, jantar fora oferece um momento livre de estresse para se reconectar com pessoas queridas, satisfazendo um valor pessoal de conexão", diz ela.
"Outros podem valorizar os gastos com a reforma ou decoração da casa, vinculados a um valor de proteção e segurança."
Bryan-Podvin acredita que quando os hábitos de consumo das pessoas estão alinhados com seus valores — e as pessoas gastam no que mais valorizam e economizam no que menos valorizam —, elas obtêm um melhor retorno emocional sobre seus gastos.
Rattle, que trabalha para ajudar compradores compulsivos a se livrar das dívidas, utiliza ferramentas da TCC, incluindo psicodinâmica e diálogo sobre dinheiro, além de identificar padrões de comportamento.
"Identificar gatilhos emocionais é essencial para a autogestão", diz Rattle.
"Quando há um gatilho, você precisa estar preparado para fazer uma pausa durante a emoção para poder reformular a reação a partir de um lugar mais calmo."
Este "lugar de calma" é especialmente importante para casais que enfrentam problemas com as finanças, uma vez que dados mostram que o estresse financeiro é um fator significativo para o divórcio.
É o caso até mesmo de casais que não têm dificuldade de pagar as contas.
Não é uma 'cura'
A terapia financeira ainda é um campo relativamente novo e sua prática ainda é bastante limitada nos Estados Unidos.
Ainda há muito a aprender sobre o que a terapia financeira pode — e não pode — fazer.
O benefício potencial é grande, mas alguns especialistas acreditam que abordar adequadamente o estresse em relação ao dinheiro pode ir mais a fundo do que uma terapia financeira hiperdirecionada.
Embora Burchell acredite no tratamento das fobias financeiras, ele não apoia necessariamente tratar as finanças como uma questão isolada. Muitas vezes, diz ele, elas estão entremeadas com outras questões psicológicas que precisam ser abordadas.
"[Talvez] a 'terapia de compras' seja uma das coisas que a pessoa usa para [permanecer no] controle", ele sugere como exemplo.
"A ideia de encontrar uma solução simples [em que] você faz um pequeno número de sessões e está 'curado' não vai funcionar."
Burchell destaca que simplesmente não estamos em um estágio em que sabemos como essas abordagens funcionam no longo prazo, devido ao pouco que sabemos sobre como nossas finanças e emoções estão relacionadas.
E por mais interessante que seja a ideia de terapia financeira, alguns podem não considerá-la fácil de abraçar — pelo menos não de cara. Esse foi, sem dúvida, o caso de Davies.
Independentemente disso, uma vez que Davies se abriu, ela achou a busca benéfica.
A partir de sua própria experiência, ela diz que foi útil reconhecer os padrões da infância e como eles se transformaram e mudaram quando ela virou mãe.
"[Estou] mais atenta a como gasto meu dinheiro e como falo sobre dinheiro com minha filha", diz ela.
"Quero que ela se sinta no controle do seu dinheiro, não se sinta oprimida à medida que envelhece — espero poder criar as bases de uma boa habilidade financeira para ela."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Work Life.
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