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No universo alternativo da Rússia, imigrantes são desejados

Leonid Ragozin

14/03/2017 12h18

(Bloomberg) -- Em um dia cruel de inverno em fevereiro nos arredores de Moscou, centenas de trabalhadores do Uzbequistão enfrentavam neve e lama em uma construção de edifícios residenciais dedicados a militares russos.

A obra está parada porque os homens não são pagos há semanas. Sem ter para onde ir, eles fumam e conversam no local do projeto conhecido como Samolyot (avião, em russo), por lembrar um monumento aos pilotos da Segunda Guerra Mundial. De noite, eles se abrigam em uma favela formada por cabines de aço corrugado. Não há chuveiros, pias ou vasos sanitários, apenas uma fileira de banheiros químicos. De manhã, eles cozinham uma papa de cenoura na fogueira e derretem água de um riacho para beber. A maioria não tem roupas adequadas para o frio de 12 graus negativos. Um dos trabalhadores tinha somente meias de lã e chinelos nos pés.

Locais de trabalho com imigrantes não chamam atenção em países desenvolvidos e na Rússia não é diferente. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 11 milhões de estrangeiros residem no país, a maioria sem visto e oriunda de países muçulmanos e da Ásia Central. Enquanto a crise de refugiados na Europa alimenta o isolacionismo e a xenofobia globalmente, a Rússia ? terceiro principal destino de imigrantes no mundo ? lida com a situação de outro modo.

Lá, a economia de imigrantes é parte do processo de recuperação da recessão prolongada. E o governo sabe disso.

"A Rússia enfrenta um enorme déficit de força de trabalho", explicou Andrey Movchan, diretor do programa de política econômica do Carnegie Center em Moscou. "Precisamos desesperadamente de mão de obra barata que não pode ser encontrada dentro do país." Os imigrantes limpam as ruas, mantêm enormes complexos residenciais, trabalham em fábricas, no varejo e na prestação de serviços. Nos restaurantes, gente do Quirguistão, Tajiquistão e Geórgia passa anos trabalhando nas cozinhas e envia dinheiro para a família no exterior.

"Os migrantes representam 15 por cento da força de trabalho na Rússia e seria impossível substituí-los", disse Movchan, acrescentando que os salários maiores necessários para atrair nativos para essas funções aumentariam a inflação e prejudicariam a retomada da economia.

A imigração recuou após a queda acentuada da cotação do petróleo e as sanções do Ocidente diante da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2014. O número de uzbeques que cruzaram a fronteira diminuiu 21 por cento. O recuo foi de 11 por cento no caso dos tadjiques e 5 por cento para os quirguizes. Mas, desde então, a imigração recuperou o fôlego. O número de estrangeiros que vieram em 2015 e ficaram chegou a 161.000. Em 2016, o total aumentou para 196.000, segundo a Academia Russa de Comércio Exterior e o Instituto Gaidar.

As políticas restritivas de imigração na Europa e nos EUA envolvem não somente temores de deslocamento econômico, mas também de terrorismo. Na Rússia, as preocupações são parecidas, mas não recebem tanta atenção. O presidente Vladimir Putin disse no mês passado que até 5.000 pessoas nascidas em repúblicas que compunham a União Soviética se juntaram ao Estado Islâmico na Síria. Em 2016, agentes de segurança prenderam pelo menos dois grupos suspeitos de planejar ataques em solo russo.

Porém, em fevereiro, o governo anunciou que 200.000 tadjiques que haviam sido deportados teriam permissão para voltar à Rússia.

Putin não fala muito sobre extremismo islâmico. Calcula-se que 9,4 milhões de muçulmanos vivam na Rússia, o equivalente a 6,5 por cento da população.