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Angolanos usam criatividade para driblar escassez de dólares

Henrique Almeida e Paul Wallace

14/09/2017 12h20

(Bloomberg) -- Desesperados por moeda forte, os angolanos estão buscando novas formas de converter seus kwanzas em dólares e euros.

Filipe Afonso cansou de esperar na fila do banco para trocar seus kwanzas por dólares. Por isso, comprou duas motos BMW de segunda mão, enviou-as a Portugal, onde as vendeu em troca de euros para pagar as despesas da família em seu país.

"Faço o que for preciso para conseguir moeda forte", disse Afonso, que administra uma concessionária de caminhões nos arredores de Luanda, a capital da antiga colônia portuguesa. Outros viajam centenas de quilômetros para vender fraldas, televisores de tela plana ou cerveja na vizinha República Democrática do Congo, onde há moeda estrangeira mais prontamente disponível. Imóveis e objetos de arte são usados para proteger-se do que muitos preveem que será uma queda abrupta do kwanza.

Angola, segunda maior produtora de petróleo da África e membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), foi uma das economias de mais rápido crescimento no mundo por cerca de uma década após o fim da guerra civil, em 2002. Com os cofres cheios de petrodólares, o governo investiu bilhões na construção de rodovias, estradas de ferro e outros tipos de infraestrutura em meio à construção de arranha-céus em Luanda. Mas com a queda acentuada dos preços do petróleo a partir de 2014 o crescimento econômico caiu para zero no ano passado e as moedas estrangeiras pararam de entrar.

As autoridades vivem um dilema: é necessário desvalorizar o kwanza para atrair investimentos e estimular as exportações, mas isso também alimentaria a inflação, que subiu 40 por cento neste ano, em um país que importa quase todos os seus bens de consumo. A defesa da moeda está esgotando as reservas internacionais do país, que despencaram nos últimos quatro anos.

"Continua havendo rumores e boatos nas ruas sobre uma possível desvalorização do kwanza, mas acho que isso só aconteceria no fim do ano", disse Tiago Dionísio, analista da Eaglestone Advisory em Lisboa. "A desvalorização aumentaria a pressão sobre os preços ao consumidor. Penso que as autoridades locais continuarão defendendo o kwanza à custa das reservas internacionais."

O kwanza é negociado a 395 por dólar no mercado negro, quase 60 por cento mais fraco do que a cotação oficial de 166, à qual está fixado desde abril de 2016. Apesar de o banco central ter deixado a moeda depreciar mais de 40 por cento desde meados de 2014, transformando-a em uma das petromoedas de pior desempenho do período, os analistas afirmam que ela ainda está muito forte. A Renaissance Capital afirmou em julho que o valor justo era de 314.

"A moeda continua fortemente valorizada", disse David Earnshaw, analista da BMI Research, da Fitch Group, em nota de 12 de setembro. Ele estima que o banco central adotará um regime mais flexível em 2018 e desvalorizará o kwanza em mais de 20 por cento, para 210 por dólar.

As reservas internacionais de Angola caíram quase pela metade desde 2013, para US$ 17,5 bilhões, menor nível em seis anos e meio, um sinal de que o acesso aos dólares provavelmente continuará limitado no futuro próximo. O governo iniciou negociações com bancos internacionais para captação de US$ 2 bilhões por meio de Eurobond, o que pode permitir que o país mantenha a cotação do kwanza por mais tempo.

--Com a colaboração de Candido Mendes