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Filhos de mães solteiras se tornam classe baixa no Japão

Yoshiaki Nohara

25/06/2018 12h43

(Bloomberg) -- O espancamento de um menino de 4 anos na véspera de Natal durou a noite inteira. Coberto de hematomas e tendo sofrido uma hemorragia interna catastrófica, ele foi declarado morto em um hospital. Logo depois, a mãe dele e os dois namorados dela foram presos.

A notícia da morte da criança provocou indignação e horror na imprensa do Japão, mas Orie Ikeda, mãe solteira de dois filhos, diz que consegue entender como um ataque tão brutal ocorreu em Minoh, a rica cidade-dormitório perto de onde ela mora.

"Poderia ter sido eu", ela disse baixinho. "Eu só não maltratei meus filhos porque tive sorte."

Ikeda participou de um curso de treinamento do governo que a ajudou a conseguir um dos empregos mais mal remunerados do Japão: cuidar de idosos, grupo populacional crescente no país.

A maioria das mães solteiras no Japão sobrevive com menos da metade da mediana da renda nacional, a linha de pobreza, de acordo com a definição da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Seus filhos são, em média, mais pobres, menos instruídos e têm menos perspectivas - uma classe baixa em um país rico e envelhecido que não pode se dar ao luxo de perder uma parte significativa de sua futura força de trabalho. Uma em cada sete crianças no Japão vive na pobreza.

Não resolver isso custará ao Japão 2,9 trilhões de ienes (US$ 26,3 bilhões) em renda perdida e 1,1 trilhão de ienes em impostos perdidos e pagamentos de previdência social para cada ano das crianças na escola, segundo a Nippon Foundation em Tóquio. A estimativa calcula o impacto sobre a vida útil futura de jovens de 15 anos.

É também uma oportunidade perdida para um país que precisa desesperadamente do máximo possível de trabalhadores jovens e altamente qualificados.

Mesmo após décadas de estagnação à sombra da ascensão econômica da China, o Japão continua entre os 10 países mais ricos com mais de 10 milhões de pessoas em termos de PIB per capita.

Mas quase nada dessa riqueza vai para as mães solteiras do Japão. Menos da metade delas recebe pensão alimentícia e, mesmo que consigam um emprego, as probabilidades estão contra elas. As mulheres ganham cerca de 30 por cento menos do que os homens por um trabalho semelhante no Japão, e cerca de 60 por cento das mulheres que trabalham têm empregos temporários, por contrato ou de meio período, em que o salário é menor e os benefícios podem ser inexistentes.

No entanto, embora a população geral do Japão esteja em declínio, o número de famílias de mães solteiras no país aumentou cerca de 50 por cento entre 1992 e 2016, para 712.000, de acordo com o Ministério do Trabalho. A taxa de pobreza infantil para famílias de mãe solteira que trabalha no Japão foi de 56 por cento, a mais alta entre os países da OCDE, em comparação com 32 por cento nos EUA.

As razões pelas quais as mães solteiras do Japão e seus filhos foram negligenciadas não são apenas financeiras.

Muito tem a ver com a combinação de dois tabus: ser uma mãe divorciada e ser pobre. Além disso, os gastos públicos favoreceram os idosos - uma proporção crescente do eleitorado. As perspectivas de trabalho para as mães solteiras também diminuíram - anos de estagnação econômica esvaziaram a classe média assalariada, antigamente onipresente no Japão, e muitos cargos foram substituídos por empregos de baixa remuneração, de meio expediente ou por contratos.

Dos 1.447 casos de maltrato infantil no período de 12 meses terminado em março de 2004, 32 por cento ocorreram em famílias monoparentais e 31 por cento ocorreram em domicílios com dificuldades econômicas, de acordo com um relatório do Governo Metropolitano de Tóquio.