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Por enquanto, três gigantes da América Latina escapam do caos

Daniel Cancel e Simone Iglesias

05/12/2019 11h17

(Bloomberg) -- A onda de súbitos e violentos protestos na América Latina deixou investidores nervosos e surpreendeu especialistas, mas nos três maiores países da região - Brasil, México e Argentina -, as ruas permanecem relativamente calmas.

Com 380 milhões de habitantes e economias que movimentam US$ 3,6 trilhões por ano, os três gigantes geralmente ditam a agenda. E não é que os motivos que causaram os protestos nos países afetados - Chile, Colômbia, Bolívia e Equador - não estejam presentes.

Esses países também enfrentam tensões sobre subsídios, crescimento estagnado, pensões insuficientes e falta de oportunidades, e as autoridades se mostram preocupadas com o contágio. A América Latina ainda mostra a maior desigualdade e menor crescimento entre as grandes regiões do mundo.

Desse modo, cabe a pergunta: a revolta dos eleitores poderia chegar a esses gigantes regionais?

Indignação nas urnas

Uma resposta é que já fez uma visita. Nos três países, as eleições no ano passado trouxeram promessas de mudanças radicais. Os eleitores do México, Brasil e Argentina expressaram indignação nas urnas e aguardam resultados. De outro modo, suas demandas também poderiam ser levadas às ruas em 2020.

Esses políticos "estão dizendo que vamos crescer 4%, e que não será tão desigual como antes", disse Shannon O'Neil, especialista do Conselho de Relações Exteriores de Nova York, em referência aos líderes recém-eleitos. "Algum dos três pode conseguir? A resposta mais simples é 'não', e teremos que ver quanto tempo terão o benefício da dúvida."

Os mercados financeiros argentinos já estão em crise. O peso caiu para mínimas históricas, e o governo está novamente à beira de um default. Sendo assim, qualquer conflito social teria maior impacto no Brasil e no México, provocando uma onda como a que ocorreu em muitos países da região.

O que se destaca nos protestos dos cidadãos é a variedade de ideologias que os motivam. A Bolívia serviu como refúgio da esquerda por 14 anos, e os protestos começaram, em grande parte, liderados pela direita. No Chile, a economia mais forte e com políticas pró-mercado da região da última geração, a fúria da multidão veio da esquerda. O denominador comum é que o status quo é uma fonte de traição.

Esse argumento pode ser aplicado aos três gigantes.

López Obrador

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, é um político de esquerda alçado ao poder após a desilusão dos eleitores com seu antecessor conservador. O presidente mexicano ainda é muito popular depois de um ano de mandato, apesar de a economia ter entrado em recessão e de não apresentar muitos sinais de crescimento ou de geração de empregos resultante de investimentos.

A probabilidade de que protestos convulsionem o país "são menores no México, porque López Obrador e seu triunfo eleitoral foram a válvula de escape para uma grande insatisfação pública", disse Alejandro Moreno, diretor de pesquisas de opinião do El Financiero, acrescentando que a aprovação não é necessariamente um indicador de desempenho.

Macri

Na Argentina, os eleitores tiveram muitos motivos para se rebelar nos últimos anos. As políticas de reformas do presidente Mauricio Macri para reinserir o país nos mercados globais não produziram os resultados desejados, o que levou a um aumento da pobreza, do desemprego e dos preços ao consumidor, além de mais recessão do que crescimento durante seu mandato de quatro anos.

Alberto Fernández, que desafiou muitas previsões e derrotou Macri, fez uma campanha defendendo o retorno ao peronismo, com a promessa de devolver o poder de compra da população, reduzir a inflação por meio de um pacto social com sindicatos e empresas e favorecer a indústria local.

Nos três países, os eleitores parecem dar uma chance aos novos líderes. Mas a perspectiva de turbulência está no ar.

No Brasil, monitoramentos feitos pelo governo não apontam para o surgimento de manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro. No entanto, ele desistiu de uma reforma administrativa que afetaria cargos e salários este ano para evitar que isso sirva de estopim para uma onda de protestos.

Polarização

"O Brasil passa por uma polarização muito forte", disse Mauricio Moura, pesquisador da Universidade George Washington e fundador da Ideia Big Data. "Há muito mais potencial de manifestações de apoio e de rejeição ao governo do que um grande protesto antissistema. O ano de 2013 foi o catalisador desse sentimento."

De acordo com Moura, o brasileiro ainda está em compasso de espera sobre o resultado das medidas econômicas do governo Bolsonaro e com expectativa de que sua vida vai melhorar. Agora, se isso não ocorrer, pode se tornar um estopim para um novo ciclo de protestos. "A economia no Brasil é o principal fator de estabilização social", disse.

Outros líderes regionais estão "muito preocupados diante da possibilidade de grandes protestos sociais", disse Cynthia Arnson, diretora do programa para a América Latina no Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington. "Mas também estão preocupados com seus recursos limitados para evitar isso."

Na Argentina, Fernández precisa chegar a um acordo com os credores, que incluem o Fundo Monetário Internacional, sobre uma dívida de mais de US$ 100 bilhões e terá que manter o déficit fiscal sob controle para evitar outra grande crise.

"O processo eleitoral ajudou a evitar essa onda de protestos na região", disse Juan Cruz Díaz, diretor da consultoria política Grupo Cefeidas, em Buenos Aires, acrescentando que os protestos de rua ocorreram com muita frequência no passado e poderiam facilmente retornar, "especialmente considerando o nível de estresse que estamos vendo na economia".

--Com a colaboração de Eric Martin e Patrick Gillespie.

Para contatar o editor responsável por esta notícia: Daniela Milanese, dmilanese@bloomberg.net

Repórteres da matéria original: Daniel Cancel em São Paulo, dcancel@bloomberg.net;Simone Iglesias em Brasilia, spiglesias@bloomberg.net