Em meio à guerra na Ucrânia, lobby das armas quer rótulo de setor 'verde'
Há apenas alguns meses, muitas pessoas ainda acreditavam que nunca testemunhariam uma guerra no continente europeu em sua vida.
Agora, cerca de 30 anos após o fim da Guerra Fria, a chance de a Rússia implantar armas nucleares na Ucrânia "não é zero", disse um estrategista nuclear ao New York Times este mês.
Mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia também está mudando a conversa em torno de armas convencionais. As empresas de defesa têm visto seus financiamentos diminuírem nos últimos anos, devido às controvérsias em torno da indústria de armamentos.
Tanto o varejo quanto os investidores institucionais têm preferido cada vez mais investimentos que levam em conta critérios ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG), juntamente com o retorno financeiro.
A Comissão Europeia quer apoiar esta tendência com sua taxonomia social, que integra o Pacto Ecológico Europeu, o "Green Deal".
Esta regulamentação, atualmente em desenvolvimento e provavelmente ainda a anos de sua implementação, definirá quais atividades econômicas são consideradas "verdes" e que receberão financiamento especial da UE (União Europeia).
Muitas estruturas ESG, embora não todas, utilizadas pelos fundos de investimento sustentável excluem empresas da indústria aeroespacial e de defesa, por causa de seu papel na produção de armas.
Mas a guerra na Ucrânia lançou uma nova luz sobre a indústria de armamentos. Como os governos procuram apoiar a Ucrânia sem se envolver diretamente com a Rússia, as armas de última geração tornaram-se uma das formas mais fortes de as potências militares sinalizarem este apoio.
Em uma mudança radical de política, o governo alemão prometeu enviar 1,5 mil mísseis antitanque e antiaéreos para a Ucrânia.
Braços abertos para fabricantes de armas
O conflito no continente também levou os governos europeus a repensarem as próprias forças de defesa.
Após anos de resistência à pressão americana, no mês passado a Alemanha disse que aumentaria seus gastos militares para 100 bilhões de euros em 2022, mais que o dobro do que gastou no ano passado.
"Temos que investir mais na segurança de nosso país para proteger nossa liberdade e democracia", disse o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, na ocasião.
O lobby do armamento e algumas instituições financeiras estão aproveitando o momento para argumentar que as empresas de defesa devem ser incluídas nas estruturas da ESG.
A contribuição dos fabricantes de armas para "defender os valores das democracias liberais e criar um dissuasor que preserve a paz e a estabilidade global" é um pré-requisito para tratar de outras questões sociais, argumentaram dois analistas do banco de investimento americano Citi em uma série de notas recentes.
O banco sueco SEB já ajustou uma política de sustentabilidade totalmente nova para permitir que seus fundos invistam no setor de defesa.
Mas o peixe graúdo que a indústria tem em vista é a taxonomia da UE, que a Comissão Europeia pretende que seja o "padrão ouro" que orienta o dinheiro público e privado para projetos sustentáveis.
"A invasão da Ucrânia mostra como é importante ter uma forte defesa nacional", disse à Bloomberg Hans Christoph Atzpodien, chefe do BDSV, um grupo de lobby da indústria de defesa alemã.
"Apelo à UE para que reconheça a indústria de defesa como uma contribuição positiva para a 'sustentabilidade social' sob a taxonomia da ESG", afirmou.
Mas muitas pessoas envolvidas com finanças sustentáveis recusam esse argumento.
O rol de críticas
"É absurdo dizer que as armas são sustentáveis", disse Christian Klein, professor de finanças sustentáveis na Universidade de Kassel, na Alemanha. "É como dizer que batatas fritas são sustentáveis porque são gostosas, afirma.
"As indústrias sustentáveis nos ajudam a nos tornar independentes de regimes totalitários", afirmou Andrew Murphy, diretor da Murphy&Spitz, uma empresa de gestão de ativos sustentáveis ativa na Alemanha desde os anos 1980.
Ele aponta para medidas como expandir o uso de energias renováveis e melhorar o transporte público.
"Isto é o que precisa ser promovido", afirma ele à DW. "Não a indústria de armas, não armas que matam pessoas inocentes, destroem moradias e ? nas mãos erradas ? permitem guerras de agressão por governantes famintos de poder", disse.
"Se a Europa tivesse considerado as questões sustentáveis de forma muito mais consistente, não teríamos acabado na terrível situação que enfrentamos hoje", acrescentou.
" O fracasso em se concentrar na forma de energia mais econômica e ecologicamente viável, a energia eólica e solar, foi o que em primeiro lugar permitiu a Putin travar guerras de agressão", finalizou.
Algo entre o verde e o marrom
Klein está aberto para discutir se as empresas de defesa caem em uma zona cinza sob o aspecto ético, semelhante a onde se encontram atualmente a energia nuclear e a indústria de combustíveis fósseis.
"As pessoas frequentemente acham que o que não é sustentável é o oposto de sustentável", disse Klein. "Significa que o que não é verde é marrom. Isso é errado".
É este mal-entendido que deixa empresas frustradas com a perspectiva de serem deixadas de fora da taxonomia da UE. "Isso porque não tem nada a ver com a mudança climática", explicou Klein à DW.
"No final das contas, a taxonomia trata de melhores condições de financiamento para atividades ou empresas sustentáveis", disse. "E eu realmente não entendo por que a indústria de armas deveria ter melhores condições de financiamento."
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