Estrangeiros detêm um Rio de Janeiro em terras no País
Na prática, na verdade, a venda de terras para estrangeiros está praticamente estagnada desde 2010, por conta das duras regras vigentes sobre esse tema. A flexibilização dessas regras é, até, uma demanda do próprio agronegócio que apoia Bolsonaro: os produtores querem abrir a porteira para entrada de investidores internacionais, o que não ocorre hoje.
Existem hoje no País 28.323 propriedades de terra em nome de estrangeiros. Juntas, essas áreas somam 3,617 milhões de hectares. Seria o mesmo que dizer que, atualmente, uma área do território nacional quase equivalente à do Estado do Rio de Janeiro está nas mãos de estrangeiros.
Desse total, 1,293 milhão de hectares está em nome de pessoas físicas, enquanto os demais 2,324 milhões de hectares aparecem em nome de empresas. A presença internacional é notada em 3.205 municípios, ou seja, o investidor estrangeiro já está presente em 60% dos municípios do Brasil.
Os números vêm de um cruzamento de informações feito pelo jornal O Estado de S. Paulo a partir do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), banco de dados administrado pelo Incra, órgão responsável pelo controle da aquisição e do arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil.
Foram obtidas informações sobre as áreas compradas ou arrendadas, localização, quem são os donos internacionais dessa terra e para que a utilizam. O balanço foi validado e enviado à reportagem pela Divisão de Fiscalização e de Controle das Aquisições por Estrangeiros do Incra.
Não é a China, mas sim o Japão, por exemplo, um dos grandes compradores internacionais de terras brasileiras. Entre as mais de 28 mil áreas declaradas por donos estrangeiros, 6.912 estão em nome de japoneses. Ou seja, de cada 5 áreas, uma está em nome dos japoneses. Em termos da área ocupada total, porém, essa participação japonesa é menor, com 368.873 hectares, 10% do total.
Países como Portugal, Espanha, Alemanha, Holanda, EUA, Argentina e Líbano lideram o mapa das terras de estrangeiros. Os chineses surgem no balanço com apenas 664 propriedades no País, somando 10.126 hectares.
Os dados do Incra guardam algumas imprecisões, uma vez que, até 2015, os registros de terras limitavam-se a ser um ato declaratório do dono. Alguns registros mais antigos não apontam o país de origem do investidor ou a área total da posse, por exemplo. Isso indica que a área ocupada por estrangeiros tende a ser maior. Nos últimos anos, o Incra tem pressionado os proprietários para atualizarem suas informações.
Avaliação
As conclusões do mapeamento não surpreendem especialistas. "O chinês nunca foi um comprador ativo de terras no Brasil. O foco do investidor chinês está em energia elétrica, em concessões de infraestrutura, mas não vemos muita ação em aquisição de terra", diz Márcio Perin, coordenador da área de terras da consultoria Informa Economics IEG/FNP, especializada no agronegócio.
Para o analista da consultoria em commodities agrícolas ARC Mercosul, Tarso Veloso, baseada em Chicago (EUA), o investidor estrangeiro, em especial o americano, teria interesse em investir em terras no Brasil, mas tem enfrentado dificuldades. "A falta de uma legislação mais aberta evita que muitos deles optem por ter um parceiro brasileiro, o que reduz os aportes."
A entrada de chineses ou não nas terras brasileiras está travada por conta de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2010, ano em que a empresa Chongqing Grain Group, da China, chegou a anunciar planos para aplicar US$ 300 milhões na compra de 100 mil hectares no oeste da Bahia, para produzir soja.
Para evitar a "invasão estrangeira" no País, a AGU decidiu restabelecer restrições de compra e arrendamento, proibindo que grupos internacionais obtenham o controle de propriedades agrícolas no País.
No ano passado, o governo de Michel Temer tentou avançar com uma proposta de liberação das terras para estrangeiros. O projeto de lei previa que o investidor estrangeiro poderia comprar até 100 mil hectares de terra para produção, podendo ainda arrendar outros 100 mil hectares. Esse projeto, no entanto, está parado no Congresso.
O tema é polêmico e divide opiniões. Até 1998, uma lei de 1971 permitia que empresas estrangeiras com sede no Brasil comprassem terras no País. Naquele ano, a AGU interpretou que empresas nacionais e estrangeiras não poderiam ser tratadas de maneira diferente e, por isso, liberou a compra. Em 2010, a AGU mudou de posicionamento, restabelecendo o entendimento original. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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