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Combate à crise tem de passar pela área fiscal, dizem economistas

18.mar.2020 - O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante coletiva - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
18.mar.2020 - O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante coletiva Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Luciana Dyniewicz

São Paulo

22/03/2020 07h25

O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) demorou para agir diante da crise do novo coronavírus e ainda tomou medidas tímidas demais dada a situação de calamidade global, segundo economistas ouvidos pela reportagem. Os especialistas pedem, principalmente, medidas mais profundas na área fiscal, a exemplo do que já foi feito em países desenvolvidos.

O Reino Unido, por exemplo, anunciou na sexta-feira passada que vai pagar até 80% dos salários dos trabalhadores nos próximos meses, enquanto o governo dos Estados Unidos articula com o Congresso um pacote emergencial que pode chegar a US$ 1 trilhão - ante -R$ 184,6 bilhões no Brasil.

Para o economista Paulo Leme, professor de Finanças na Universidade de Miami, o governo precisa injetar muito mais recursos na economia do que foi anunciado e, neste momento, seria melhor pecar pelo excesso. Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos, afirma que a situação é de guerra e que, para bancar um aumento de gastos, o governo poderia se financiar através de instituições financeiras domésticas.

Teto de gastos. Se os especialistas são unânimes ao defender um aumento dos gastos neste ano, eles divergem em relação à manutenção do teto dos gastos (emenda constitucional que limita o aumento dos gastos à inflação). Segundo Monica, a regra deve ser temporariamente suspensa, já que a realidade é dramática.

Ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, no entanto, afirma que é possível aumentar os gastos abrindo um crédito extraordinário para despesas de calamidade pública, que não seria contabilizado no teto. A economista Zeina Latif também apoia a manutenção do teto. "Tem de haver um esforço para manter o teto. Tenho medo do precedente que se abre ao suspendê-lo. Grupos de interesse sempre tentam abocanhar partes crescentes do Orçamento."

Além de criticarem o alcance das medidas anunciadas, os economistas também apontam problemas políticos que têm atrapalhado o combate à pandemia e à crise econômica. Leme destaca que o governo precisa retomar a capacidade de informar a população de forma clara. "O presidente tem de apoiar a equipe de Saúde. O País tem de remar na mesma direção."

Zeina ataca a falta de articulação do governo e a demora do governo para reconhecer a gravidade da situação. "O governo subestimou o problema, agora será mais difícil lidar com essa crise. Não é que ela fosse inevitável, mas queimamos algumas etapas, como a da comunicação."

PONTO DE VISTA

Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute

'Plano de Guedes não basta. Tem de ser maior'

A economista Monica de Bolle, que há algumas semanas vem defendendo a suspensão temporária do teto dos gastos durante a crise, afirma que o pacote de medidas do governo é tímido demais para a recessão que virá - ela estima uma queda do PIB de até 6% no Brasil neste ano. "Esse plano do Paulo Guedes não basta. Tem de ser algo muito maior. Tem de ser: o governo vai pagar os trabalhadores. O Reino Unido anunciou isso nesta semana." Ela propõe que o governo repasse R$ 50 bilhões ao Sistema Único de Saúde (o governo destinou R$ 11,8 bilhões ao combate da pandemia, sendo R$ 4,5 bilhões para o SUS) e outros R$ 30 bilhões para empresas mais afetadas pela crise. Monica sugere ainda, entre outras medidas, o repasse de R$ 500 mensais por um ano aos 36 milhões do Cadastro Único que não recebem o Bolsa Família. Todo o pacote elevaria a dívida brasileira em 4% do PIB, calcula. "4% não é nada. Alguém acha que o Brasil acaba se a dívida aumentar isso?"

Paulo Leme, professor de Finanças na Universidade de Miami

'É melhor errar por fazer demais'

"Esquece o teto dos gastos, agora é preciso cuidar dos doentes", diz o economista Paulo Leme, que já comandou o Goldman Sachs no Brasil. Para ele, dada a gravidade da situação, cumprir uma meta fiscal deixou de ter prioridade e a resposta para a emergência econômica é política fiscal. "Reconheço que o pacote fiscal apresentado pelo governo é significativo, são 2,3% do PIB. Mas acho melhor errar por fazer demais, porque temo que ainda possa ser insuficiente." O economista afirma que os R$ 11,8 bilhões que o governo destinou para a Saúde, é pouco. "Duplicaria, triplicaria esse valor para, por exemplo, a construção de hospitais." Leme afirma ainda que o governo deveria ampliar linhas de crédito tanto para pequenas e médias empresas, como para algumas maiores, como as aéreas, e usar o BNDES para comprar debêntures de companhias. Do lado do consumidor, outra rodada de liberação de recursos do FGTS deveria ser providenciada. "O jogo é ser gigantesco e rápido."

Zeina latif, consultora e doutora em Economia pela USP

'Desarticulação do governo agrava situação'

Para Zeina Latif, o plano do governo de conceder R$ 200 por mês, durante três meses, aos trabalhadores informais não apenas é insuficiente para essa população como também é um projeto de difícil execução. Ela destaca que o governo se preparou mal para a crise e subestimou o problema, o que torna tudo mais complexo agora. Segundo Zeina, quando o Ministério da Saúde colocou o alerta em nível um, ainda em janeiro, era preciso ter começado a traçar um plano emergencial. "O governo é desarticulado. Isso agrava a situação. As medidas anunciadas ainda estão na borda do problema. Como executar medidas para ter capilaridade e para que recursos cheguem aonde é preciso rapidamente?", questiona. Para Zeina, deve-se aumentar os gastos agora - "não fazer isso é um equívoco" -, mas o teto de gastos precisa ser respeitado. "Acho que tem de fazer um esforço para manter o teto. "A questão é reduzir o sofrimento e tentar fazer com que a crise não seja tão forte."

Maílson de Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

'Governo tardou em agir na área econômica'

O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega avalia que o governo Bolsonaro errou ao insistir que acelerar as reformas estruturais solucionaria a crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus. "O governo tardou em agir na área econômica. Quando a situação começou a se agravar, insistia no discurso equivocado de que era preciso fazer reformas. Se aprovadas, elas terão impactos daqui a anos. A crise precisa de algo emergencial." O economista destaca que é preciso aumentar o orçamento da Saúde para evitar mortes e providenciar um alívio de caixa para empresas e famílias. Ele sugere ainda que a contribuição previdenciária seja dispensada temporariamente. "É preciso colocar dinheiro no bolso das pessoas." Maílson admite que o déficit primário do Brasil vai aumentar neste ano, mas defende que o teto dos gastos não seja eliminado. "O governo pode propor a abertura de um crédito extraordinário para cobrir despesas de calamidade pública, que não é contabilizado no teto."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.