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Bolsonaro: multar empresas por discriminação salarial pode piorar situação de mulheres

Em live, Bolsonaro lança "enquete" virtual para seus seguidores, sobre projeto de lei que amplia multa contra empresas que praticam discriminação salarial contra mulheres - Reprodução/Facebook
Em live, Bolsonaro lança "enquete" virtual para seus seguidores, sobre projeto de lei que amplia multa contra empresas que praticam discriminação salarial contra mulheres Imagem: Reprodução/Facebook

Idiana Tomazelli e Emilly Behnke

22/04/2021 21h59

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sugeriu que arranjar emprego pode se tornar "quase impossível" para as mulheres, caso ele sancione um projeto de lei que amplia a multa contra empresas que praticam discriminação salarial contra trabalhadoras. A proposta prevê o pagamento de indenização à empregada prejudicada, no valor de até cinco vezes a diferença de remuneração em relação ao homem que ocupa a mesma função.

"Pode ser que o pessoal não contrate, ou contrate menos mulheres, vai ter mais dificuldade ainda", disse ele em sua live semanal, sem apresentar dados ou estudos que corroborem essa visão.

Ao final de sua fala, Bolsonaro lançou uma "enquete" virtual para seus seguidores e pediu respostas até segunda-feira (26), quando termina o prazo para sanção ou veto do projeto.

O texto foi aprovado pelo Senado no fim de março, após a bancada feminina na Casa ter articulado a votação em defesa da igualdade salarial. Trata-se de uma mudança em relação à regra atual, vigente desde 1999, que condena explicitamente a discriminação por gênero, raça, idade ou situação familiar nas contratações e políticas de remuneração, formação e oportunidades de ascensão profissional, mas prevê punições brandas, entre R$ 547,45 e R$ 805,07. Além disso, o pagamento é devido ao governo, não à trabalhadora lesada pela prática da empresa.

Defensores da igualdade salarial argumentam que a aprovação do projeto é um passo importante para melhorar a representatividade das mulheres no mercado de trabalho. Na pandemia, a taxa de participação das trabalhadoras, que já era inferior à dos homens, caiu a 45,8%. Isso significa que menos da metade das mulheres estão em atividade, seja trabalhando, seja buscando emprego.

Bolsonaro evitou antecipar sua decisão sobre vetar ou sancionar o projeto e pediu que seus espectadores na internet comentassem sobre o que ele deveria fazer. O presidente ressaltou o custo que a iniciativa pode gerar aos empresários se for sancionada e insinuou que as trabalhadoras podem exigir pagamento igual em situações em que "supostamente é a mesma atividade". Por outro lado, ele também disse que pode virar alvo de uma "campanha das mulheres" contra ele e ser "massacrado" caso decida pelo veto.

O presidente ainda lançou o argumento de que "tem lugar em que mulher ganha mais do que homem", apesar de estudos mostrarem que a situação contrária - homens ganhando mais do que mulheres na mesma função - ser comprovadamente mais comum.

Pesquisa mostra que mulheres ganham menos

Uma pesquisa publicada no ano passado pelos economistas Beatriz Caroline Ribeiro, Bruno Kawaoka Komatsu e Naercio Menezes Filho, do Insper, comparou a remuneração de trabalhadores segundo gênero, raça, escolaridade e tipo de instituição de ensino frequentada (público ou privada). Um homem branco que concluiu o ensino superior em instituição pública teve média salarial de R$ 7.891,78 entre 2016 e 2019, contra R$ 4.739,64 no caso de mulheres brancas na mesma situação, R$ 4.750,58 de homens pretos e pardos e R$ 3.047,01 de mulheres pretas e pardas.

Em uma análise por ocupação, a equipe do Insper detectou que médicos brancos ganhavam mais que o dobro de médicas brancas. O padrão se repetiu, com diferentes proporções, em outras áreas, como engenharia e arquitetura, professores, administração e ciências sociais. Em geral, a situação da mulher negra é ainda pior em termos de remuneração.

Se eu veto o projeto, imagina como é que vai ser a campanha das mulheres contra mim. 'Ah machista, eu sabia, ele é contra a mulher, quer que mulher ganhe menos', etecetera, etecetera, etecetera... Se eu sanciono, os empresários vão falar o seguinte: Poxa, pode o que eu estou pagando aqui ser questionado judicialmente, na justiça trabalhista dificilmente o patrão ganha, quase sempre o empregado ou a empregada, no caso, ganha, então... Eu acho que é função diferente, a justiça do trabalho achou que não, é igual. Posso ter uma multa de R$ 200 (mil), R$ 300 (mil), R$ 400 (mil), R$ 1 milhão. Vai quebrar a empresa".
Presidente Jair Bolsonaro, durante sua live semanal

Na avaliação do presidente, a sanção do projeto que assegura igualdade salarial pode piorar a condição das mulheres no mercado de trabalho.

"É difícil para a mulher arranjar emprego? Sim, é difícil para todo mundo, para a mulher é um pouco mais difícil. Se o emprego (para a mulher) vai ser quase impossível ou não, ou você vai dizer o patrão tem que tomar vergonha na cara e pagar o salário justo... Pode ser que o pessoal não contrate, ou contrate menos mulheres, vai ter mais dificuldade ainda", afirmou.

Uma das principais articuladoras da proposta no Congresso, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina, reagiu às declarações do presidente e disse ter convicção de que a sociedade brasileira apoia a iniciativa. "Fico muito tranquila. Tenho convicção de que a maioria mais que absoluta da população brasileira, inclusive dos homens, reconhece a importância, inclusive econômica, da mulher. É mais do que justo, mas também economicamente eficiente, você igualar salários de homens e mulheres que ocupem as mesmas funções na iniciativa privada", afirmou.

A senadora, porém, cobrou que a "enquete" do presidente seja feita "apenas com cidadãos brasileiros de carne e osso", em uma indireta ao séquito de robôs mantido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais. "Se a enquete for correta, justa, não temos medo nenhum do resultado. Agora, não podemos aceitar trocar a legitimidade do Congresso Nacional por robôs que aceitam dizer o que a pessoa que provocou a enquete quer ouvir", afirmou.

A maior igualdade entre homens e mulheres faz parte inclusive do conjunto de boas práticas internacionais reunidas sob o selo ESG, sigla em inglês para ambiente, social e governança. Recentemente, o Tesouro Nacional tornou público seus planos de fazer emissões soberanas com o selo ESG, atraindo dinheiro mais barato de investidores estrangeiros para o País. Entre os indicadores-chave para essa pauta estão participação das mulheres no parlamento (no qual o Brasil tem desempenho pior do que a média de países) e razão entre mulheres e homens na força de trabalho (em que o País se sai melhor, mas ainda abaixo das nações avançadas).