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A mudança contábil que pode tornar a dívida da Petrobras trilionária até 2019

03/02/2016 10h29

SÃO PAULO - Em junho de 2013, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro ganhou destaque no noticiário ao afirmar que uma dívida "estratosférica" poderia quebrar a Petrobras (PETR3;PETR4) e gerar caos no mercado de ações. Ele se referia a uma dívida de R$ 7,3 bilhões, relacionada ao não recolhimento de Imposto de Renda Retido na Fonte sobre remessas para o exterior em pagamento de plataformas petrolíferas móveis, no período de 1999 a 2002 e foi esclarecida na época pela companhia. 

Em meio a tantos desdobramentos nestes últimos dois anos e meio - queda do petróleo, aumento do custo da dívida, alta do dólar e turbulências com a Operação Lava Jato - este valor parece ser uma "gota do oceano" em relação ao meio trilhão de dívida empresarial da companhia (mais precisamente R$ 506,5 bilhões) registrados no terceiro trimestre de 2015. Mas não há nada que está tão ruim não possa piorar...

Uma reportagem do jornal Valor Econômico informou que o órgão que edita as normas contábeis IFRS, adotadas no Brasil, publicou um pronunciamento que vai obrigar que as empresas registrem como dívida em seus balanços em contratos de leasing operacional, hoje divulgados apenas em notas explicativas. Atualmente, há R$ 2,2 trilhões em leasings "escondidos" nas notas explicativas dos balanços das empresas brasileiras. Desse montante, R$ 417 bilhões corresponde à Petrobras.

  A nova norma só se tornará obrigatória a partir de 2019, mas a preocupação já começa hoje principalmente pela perspectiva da estatal para os próximos anos não ser nada favorável, sobretudo quando o assunto é redução do endividamento.Somando a dívida bruta, de R$ 506 bilhões contabilizadas no terceiro trimestre, com a dívida de R$ 417 bilhões, os números chegam a uma dívida total (e quase trilionária) de R$ 923 bilhões. Tal número pode ser ainda mais agravado com a desvalorização do real, que aumenta a dívida da estatal).

"A companhia não deixa claro, contudo, se todo esse valor é 'não cancelável' - já que é apenas essa parcela que passará a ser tratado como passivo quando a nova regra estiver em vigor - e nem calcula o valor presente desses compromissos, sendo que, desse total, R$ 232 bilhões são obrigações que vencem de 2020 em diante", ressalta o jornal. Porém, já é possível fazer estimativas sobre o que poderia acontecer se o leasing fosse contado como dívida a partir dos números já bastante alarmantes para a companhia. 

Duplicando as métricas de dívida
Segundo o estrategista-chefe da XP Investimentos, Celson Plácido, se hoje a relação entre a d ívida líquida e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) está em 5,23 vezes, algo já visto como já alarmante, com uma dívida líquida de R$ 402 bilhões somado ao passivo com a mudança contábil, haveria uma dívida líquida total de R$ 819 bilhões.

Com um Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 76 bilhões, caso o leasing fosse reconhecido hoje como dívida, a relação entre dívida líquida e o Ebitda seria de 10,6 vezes, ressalta o estrategista. O indicador, que deveria estar abaixo de 2,5 vezes, vem superando constantemente os limites desejados pela estatal e as estimativas é de que retornaria a patamares considerados aceitáveis no final da década. Contudo, estas mudanças no IFRS podem dificultar ainda mais o já nebuloso cenário para a companhia. 

Cabe lembrar que, segundo estudo da Economática de novembro com base nos números do terceiro trimestre, a Petrobras é a segunda empresa de capital aberto mais endividada da América Latina e Estados Unidos. Em dólar, o endividamento da Petrobras somou US$ 127,5 bilhões no final de setembro, o que a colocou atrás somente da General Eletric, que fechou com dívida bruta de US$ 226,5 bilhões. Ao se levar em conta  o endividamento líquido, a Petrobras é a 3ª empresa de capital aberto mais endididada do mundo, com um despesa financeira contratada de US$ 101,1 bilhões, sendo superada apenas por At&T e Verizon. Desta forma, a companhia pode subir ainda mais nos rankings com a mudança contábil.

Fluxo de caixa negativo?
Em relatório, o analista Pedro Medeiros, do Citi, ressalta que a  nova metodologia  contábil pode impactar também o fluxo de caixa da  companhia, "se a dedução de impostos de financiamento operacional de plataformas de  produção para cada campo de produção for alterada". As mudanças poderiam impactar o fluxo de caixa em US$ 600 milhões até US$ 1 bilhão. Inclusive, como não está claro se a mudança contábil poderia impactar o imposto pago sobre a produção, o fluxo de caixa pode se tornar negativo.

"Nós acreditamos que não terá impacto, pois o método de registro brasileiro é atualmente diferente das diretrizes do IASB", explica Medeiros.  A principal diferença entre a atual metodologia e a nova é que o financiamento operacional será registrado como empréstimo após a elevação em propriedades, fábricas e equipamentos.

O impacto nos índices de alavancagem são altos, afirma. "Como resultado, a dívida líquida da  Petrobras pode potencialmente crescer dos US$ 104 bilhões projetados para US$ 160 bilhões se os  financiamentos operacionais se mantiverem. A mudança elevaria nossa atual  projeção para a dívida líquida de 2,8 vezes para 4,5 vezes", afirma. 

Emissões comprometidas?
Com essa mudança, Celson, da XP, afirma que a situação da estatal ficaria ainda mais agravada e poderia ainda mais a captação da Petrobras em recursos no exterior. 

Vale ressaltar que, em meados do ano passado, a estatal emitiu US$ 2,5 bilhões em um raro título com vencimento de cem anos, pagando um rendimento de 8,45% ao ano, na primeira investida da companhia no mercado internacional de capitais desde o estouro da Operação Lava Jato. O novo carrega um cupom de 6,85% e foi vendido a 81,07% do valor de face. O título saiu com um spread de 549,3 pontos básicos acima dos títulos de referência do Tesouro dos Estados Unidos.  Essa rara emissão de 100 anos chamou a atenção do mercado, que questionou se a a empresa, que ficou fora do mercado de capitais por mais de um ano, não estava sendo muito ambiciosa ao optar por um vencimento tão longo. A Petrobras, contudo, buscou dar uma forte indicação sobre a sua capacidade de crédito, fazendo um movimento ousado. Porém, pouco menos de um ano antes dessa emissão, a Petrobras vinha captando com taxas que eram praticamente metade disso. 

Até mesmo por isso, no final do ano passado, o Deutsche Bank e o Barclays passaram a recomendar os títulos da companhia e/ou de sua subsidiária, por conta dos yields atrativos. O Deutsche recomendou a estratégia de comprar seus US$ 3,35 bilhões em notas com vencimento em 2017 - cujos yields mais que triplicaram, para cerca de 8,7%. Mas fora isso, os yields ainda não são altos o suficiente para compensar os riscos ligados ao refinanciamento, à queda do petróleo e à desvalorização do real, escreveu Eduardo Vieira, do banco alemão. 

Quem também montou posição em títulos da Petrobras no segundo semestre do ano passado foi a equipe de um dos gestores mais aclamados do Brasil, a Verde Asset,  por notar uma “situação de prêmio de risco exagerado”, segundo relatório de gestão referente ao mês de outubro da gestora comandada por Luis Stuhlberger. 

Contudo, deixou o alerta: "a inda assim, a empresa continua inspirando preocupação, especialmente pela alavancagem excessiva de seu balanço. As saídas para tal problema não são simples nem fáceis, e nos parece que não há a devida urgência para buscar as soluções”. 

Desta forma, com essa mudança à vista no balanço, as incertezas para estatal, que já eram grandes, devem aumentar ainda mais.