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Crossfit perde patrocinador e enfrenta crise após tuíte considerado racista

Greg Glassman, criador do Crossfit, postou tuíte considerado racista - Divulgação/Crossfit
Greg Glassman, criador do Crossfit, postou tuíte considerado racista Imagem: Divulgação/Crossfit

Renato Pezzotti

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/06/2020 17h52

Um comentário considerado racista pode colocar o Crossfit, modalidade e marca esportiva com crescimento meteórico, numa crise sem precedentes. Desde o episódio, a empresa já perdeu mais de 1.000 academias afiliadas e vem perdendo patrocinadores e apoiadores.

Em um comentário no Twitter, Greg Glassman, fundador da marca, relacionou à pandemia de coronavírus os protestos antirracistas que ocorrem nos Estados Unidos após a morte brutal de um negro, George Floyd, por policiais brancos.

Em resposta a uma mensagem de uma entidade de saúde local, que havia qualificado o racismo e a violência da polícia dos EUA como problema de saúde pública, Glassman escreveu "é Floyd-19", em um trocadilho com o nome da doença causada pelo coronavírus, covid-19.

Com o post, Glassman deu a entender que os protestos seriam responsáveis por espalhar ainda mais o coronavírus no país.

A marca CrossFit publicou um pedido de desculpas em nome de Glassman, afirmando que o post não havia sido racista, mas apenas "um erro". As empresas patrocinadoras da modalidade, entretanto, não entenderam assim.

Reebok encerrou parceria

A Reebok, que apoia o esporte há dez anos, anunciou que não renovará o acordo de patrocínio com a marca, que termina no final deste ano. "Recentemente, discutimos sobre um novo acordo. No entanto, diante de eventos recentes, tomamos a decisão de encerrar nossa parceria com Crossfit", disse a empresa.

Outra companhia que anunciou o afastamento da modalidade foi a Rogue Fitness, fornecedora de equipamentos para eventos da marca na última década.

CEO anunciou aposentadoria

O pedido de desculpas da marca não apagou outros erros de Glassman. A uma academia que comunicou sua desfiliação da marca, o executivo havia respondido que a quarentena havia "afetado negativamente a saúde mental" da afiliada. "Tenho vergonha de você", disse Glassman.

Em outro episódio, afirmou que "não estava de luto por George Floyd" e que acreditava que "nenhum membro da equipe estava", de acordo com conversa revelada pelo Buzzfeed News.

Após o vazamento da conversa, Glassman anunciou que ia deixar o cargo de CEO da empresa que fundou e "se aposentar". No comunicado sobre a saída do executivo, a empresa reafirmou que a publicação no Twitter foi "acidental" e disse que não poderia "deixar o comportamento atrapalhar as missões" da companhia.

"Um erro como esse não tem como ser reparado"

Para Carolina Campos, sócia do Estúdio Nina, criado para aproximar marcas ao público negro, é um sintoma do racismo classificar como "acidente" episódios como esse. "Atitudes como essas mostram o quanto nós, brancos, temos dificuldades em assumir o racismo. Essa dificuldade não é acidental. Ela é parte do sistema que faz com que o racismo continue existindo", afirmou.

Por mais que a marca peça desculpas e o executivo se afaste, as consequências são irreversíveis, segundo ela. Por outro lado, Carolina disse que muitas pessoas vão continuar tolerando declarações como a de Glassman.

"A partir do momento em que é escancarado, um erro como esse não tem como ser reparado. Mas vivemos numa sociedade racista e este tipo de declaração, por enquanto, não será um problema para muitas pessoas".

Nome de fundador é quase sinônimo da marca

Para o especialista em branding José Sarkis Arakelian, Greg Glassman não entendeu que seu nome era sinônimo da marca e o quanto tais atitudes seriam prejudiciais à empresa.

"A marca surge de uma construção social. Ela é formada a partir de significados e atributos, que são renovados de acordo com a sociedade. Neste caso, o executivo deixou de ser uma pessoa física e passou a ser identificado como sinônimo do esporte. Se todo mundo se posiciona contra a marca original, ela passa a não representar mais os valores e a marca entra em crise", disse.

Sarkis compara a crise com a que culminou na saída de Travis Kalanick, fundador do Uber, após diversas polêmicas. "Existem duas grandes diferenças entre as marcas. O Crossfit não tem um investidor externo para tentar resolver a situação. Além disso, as academias e os atletas vivem sem o 'selo Crossfit'. Os motoristas, por sua vez, não conseguiriam atuar sem a plataforma que o Uber oferece", disse o especialista.

Mais de 1.000 ginásios anunciaram desfiliação

Até o fim dessa semana, mais de 1.000 ginásios já haviam anunciado que iriam se desfiliar da marca. Cada um paga cerca de US$ 3.000 mil (R$ 15 mil) por ano à Crossfit Inc., dona da marca.

Com 2.000 ginásios, o Brasil é o segundo país com mais locais autorizados da marca no mundo. Quase cem deles já anunciaram que não vão renovar a filiação.

O movimento de desfiliação das academias já havia começado há algum tempo, e ganhou força após as polêmicas.

"A única ação concreta que os donos das academias no Brasil podem tomar contra o racismo é parar de pagar os royalties. Posts nas redes sociais e notas de repúdio não adiantam. As ações valem mais do que os discursos", declarou Carolina, do Estúdio Nina.

O "Vila Madá", na zona oeste de São Paulo, é um dos anunciaram que não vão renovar sua filiação. Fundado em 2015, o local de treinamento tinha cerca de 180 alunos antes pandemia.

"Essa decisão já era algo que conversávamos há algum tempo. Não tínhamos nenhum envolvimento com a sede e já não víamos vantagem estrutural de ter a marca Crossfit. Tomamos essa decisão a partir de uma posição política e empresarial. Agora, também existe essa divergência ideológica, com princípios que norteiam nosso negócio", declarou Lucas Zapparoli, um dos sócios.

Em um vídeo no YouTube, a atleta e influenciadora Naty Graciano disse que é a hora de o esporte se reorganizar. "O Crossfit é mais do que uma marca. É um esporte. Agora é o momento de pegarmos pessoas boas, líderes de verdade, para organizar isso", afirmou.

Atletas do Crossfit criticam marca

Alguns dos principais atletas do Crossfit pelo mundo se posicionaram contra as atitudes do executivo. A islandesa Katrin Davidsdottir, que possui mais de 1,5 milhão de seguidores no Instagram, publicou que o esporte "precisa de uma liderança para ser conduzido com integridade e moral, impulsionado pela inclusão".

O norte-americano Rich Froning, outro destaque da modalidade, afirmou que "não poderia mais ser parte disso" e que "no mundo em que vivemos, não podemos mais ter comentários ou pessoas que nos dividam".

Kristi Eramo, Chandler Smith e Noah Ohlsen, outros atletas de destaque, anunciaram que não irão participar este ano do torneio mundial, organizado pela empresa, "até que mudanças sejam feitas".

Marca ou esporte?

O Crossfit é uma marca registrada internacionalmente pela norte-americana CrossFit Incorporation. É também um esporte, criado por Glassman no começo dos anos 2000, que pode ser definido como um mix de treinamento com exercícios de ginástica olímpica, levantamento de peso olímpico e atividades de condicionamento físico, como ciclismo, remo e corrida.

Mas não é qualquer um que pode abrir uma academia (ou box) de crossfit. Apenas os locais que pagam royalties à CrossFit Inc. podem utilizar o nome do treinamento. Os investimentos para abertura de um box podem chegar a R$ 800 mil. Só nos EUA, são mais de 13 mil locais que pagam a anuidade.

No Brasil, quem quer treinar nos boxes paga mensalidades de R$ 250 a R$ 400.