Plano do governo corta juro, mas dificulta casa para pobre, diz professora
O governo anunciou mudanças no programa Minha Casa, Minha Vida, que passará a se chamar Casa Verde e Amarela e terá a redução de algumas taxas de juros cobradas nos financiamentos, além de oferecer regularização fundiária e reformas para imóveis precários.
A professora Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), diz que essas mudanças são positivas. Por outro lado, o acesso à casa própria das famílias mais pobres, com renda de até R$ 1.800, deverá ficar mais difícil, algo que também é criticado por movimentos sociais de luta por moradia.
Acesso restrito aos mais pobres
Ana Maria Castelo afirma que a proposta do Casa Verde e Amarela ainda precisa ser mais bem detalhada, mas, com as mudanças anunciadas, o governo acaba com a faixa 1 do programa, que atendia famílias com até R$ 1.800 de renda e previa a possibilidade de que até 90% do valor dos imóveis fosse subsidiado com recursos do Orçamento Geral da União.
Ela diz que há alguns anos já não havia contratações nessa faixa, mas agora o fim foi oficializado. "Elas vão ser atendidas pela regularização e melhoria dos imóveis, ou por financiamento mesmo, com recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) a taxas (de juros) mais baixas."
Para a coordenadora do FGV Ibre, a redução das taxas de juros para algumas faixas do programa é importante, mas o fim da faixa com subsídio amplo dificulta o acesso dessas famílias de renda mais baixa à moradia, e uma parte delas não conseguirá o financiamento nos moldes propostos.
"Sem dúvida, dificulta (o acesso). Você está falando de uma parcela da população que muitas vezes tem mais dificuldade para conseguir comprovar renda, porque está na informalidade", afirma. "Uma vez comprovada a renda, a redução da taxa de juros é importante. Ela reduz a prestação e insere mais famílias no mercado, em comparação a uma taxa mais elevada. Isso é um fato. Mas você tem que juntar isso com a outra questão. De fato, você tem um grupo com mais dificuldade de comprovação de renda"
Movimentos pedem volta do subsídio
Para Carla Eduarda Celestino Luz, dirigente nacional do MNLM (Movimento Nacional de Luta pela Moradia) em Pernambuco, a proposta do governo não contempla os mais pobres, por acabar com a faixa 1. "Essas pessoas vão ter acesso mais difícil ao programa."
"Essas famílias vão ter que financiar (os imóveis) com os critérios mercadológicos", diz a dirigente. "A gente sabe que essas pessoas têm dificuldade em acessar o mercado por conta de (falta de) renda, muitas são desempregadas. Essas pessoas não vão ter acesso à moradia, ao financiamento."
Paulo André de Araújo, também dirigente nacional do MNLM, diz que o programa Minha Casa, Minha Vida poderia ser aprimorado, e que a redução na taxa de juros para algumas faixas, como proposta pelo governo, é importante. Ainda assim, as famílias com renda mais baixa ficarão de fora.
"O governo está tirando o subsídio da camada ande reside o maior número do déficit habitacional, que é o das pessoas que recebem até R$ 1.800", afirma. "O subsídio garantia que as pessoas pagassem uma parcela hoje de R$ 80, R$ 100."
Regularização e melhoria
O professor Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da FGV, vê pontos positivos no programa.
"Eles (governo) abriram um pouco o leque. Entenderam, ou pelo menos estão dizendo que estão entendendo, que o problema do déficit habitacional é um pouco mais do que habitação em si. Eles estão falando de regularização fundiária e de reforma. Isso é bom"
Atualmente, o déficit habitacional do país é de 7,8 milhões de moradias, segundo ele. Mas isso "não quer dizer que tem quase 8 milhões de famílias morando na rua", afirma.
Ele diz que, desse total, 40% são moradias coabitadas, ou seja, onde há mais do que uma família morando. Outros 40% são de famílias que têm mais do que 30% da renda comprometida com o pagamento de aluguel, e os 20% restantes são de imóveis em más condições ou com problemas estruturais.
Por isso, a proposta de que o programa também preveja regularização e reformas é positiva, de acordo com ele. "Déficit habitacional não necessariamente quer dizer que eu preciso construir 8 milhões de casas já."
Ana Maria Castelo elogia a possibilidade de regularização e reformas, algo que faltava no Minha Casa, Minha Vida, segundo ela. Ainda assim, a professora faz a ressalva de que nem toda moradia poderá ser regularizada ou reformada.
"Nem toda a habitação precária é passível de regularização. Essa é uma questão. Como ficam essas famílias que estão em áreas de risco, de proteção ambiental, que não podem ser regularizadas e que não tem condições de acessar o mercado de crédito formal?", questiona.
Governo quer sair correndo, diz professor
A previsão do governo é disponibilizar, até o fim do ano, mais R$ 25 bilhões do FGTS e R$ 500 milhões do Fundo de Desenvolvimento Social para o programa.
Alberto Ajzental questiona, porém, como o governo irá operacionalizar esse financiamento.
Ele diz que, desde a criação do programa, em 2009, o valor investido pelo governo foi crescendo, até chegar a R$ 25 bilhões em 2015. No ano seguinte, caiu para R$ 9 bilhões. Em 2017, foi de R$ 3,9 bilhões; em 2018, R$ 4,8 bilhões. Até que, no ano passado, foi de R$ 4,7 bilhões.
"De janeiro a junho deste ano, o governo colocou R$ 1 bilhão só. Aí chega quase em setembro e eles falam que até o final do ano vão investir R$ 25 bilhões. Eles nem têm como operacionalizar isso", diz. "É bom que querem gastar, mas não faz sentido não ter feito nada antes, não ter mexido nisso antes, até em caráter emergencial, e agora muda o nome (do programa) e querem sair correndo."
O professor afirma que o investimento em habitação tem um retorno muito bom para a economia, que movimenta várias indústrias e setores, mas essa variação grande no volume investido pelo governo é ruim. "Não devia ter tanta volatilidade nesse tipo de investimento, principalmente porque é um ciclo de longo prazo", afirma.
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