Brasil foca em soja e milho para exportação, e arroz e feijão perdem espaço
Nos últimos 20 anos, as culturas agrícolas voltadas para exportação, como soja e milho, cresceram exponencialmente, enquanto as plantações de itens da cesta básica, como arroz e feijão, tiveram expressivas reduções de área. Essa mudança no perfil da agricultura brasileira ajuda a explicar as recentes altas no preço dos alimentos, de acordo com especialistas.
Nos anos 2000, o arroz ocupava 3,2 milhões hectares de área plantada no Brasil; a estimativa para a safra atual é de 1,6 milhão de hectares, metade do que era plantado. Já a soja, que ocupava 13,9 milhões de hectares há duas décadas, atingiu 36,9 milhões de hectares neste ano, expansão de 165%. O mesmo acontece nas culturas do feijão (redução de 76,5%) e do milho (alta de 143%), segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Expansão das exportações agrícolas
"A partir de 2000, as exportações de soja e milho começaram a deslanchar", observa o pesquisador da Embrapa Elisio Contini.
Para o coordenador do índice de preços da FGV, André Braz, a atratividade do mercado externo provoca uma mudança no comportamento do produtor brasileiro, que acaba dando preferência às commodities.
O incentivo para produzir arroz e feijão não é grande. O espaço para exportação de milho e soja é maior, remunera mais e, com a desvalorização do real, acaba sendo ainda mais vantajoso. No momento em que outras culturas pagam menos, é natural que o uso da terra seja voltado às commodities.
André Braz, coordenador do índice de preços da FGV
O especialista não vê risco de desabastecimento, mas considera que a alta de preços de produtos da cesta básica é uma tendência que deve continuar. Isto somado à situação econômica do país é preocupante, segundo Braz.
O maior risco, numa recessão, é a falta de emprego. Ainda que o preço dos produtos suba, se você tem renda, consegue driblar o aumento. Se não tem renda, a qualquer nível de preço, o produto fica caro.
André Braz, coordenador do índice de preços da FGV
Produtor do RS trocou arroz por soja
Na região da Campanha Gaúcha, o produtor Paulo Lederes plantava 1.500 hectares de arroz há quinze anos. Quando iniciou a produção de soja, foi deixando paulatinamente a rizicultura. Em 2005, passou a produzir mais soja que arroz e, nesta safra, está plantando 900 hectares de soja e um décimo (150 hectares) do que plantava de arroz.
Em razão dos altos custos de produção, baixos preços das safras e problemas de crédito, migramos para a soja.
Paulo Lederes, produtor agrícola de São Gabriel (RS)
"A soja não tem volta, cada ano cresce de dez a quinze hectares na região", diz o produtor de São Gabriel (RS).
O município está plantando 21 mil hectares de arroz (30% a menos do que no ano passado) e 140 mil hectares de soja neste ano, seguindo uma tendência que tem sido averiguada nos últimos anos, de crescimento de uma cultura sobre a outra.
Soja oferece vantagens financeiras ao produtor
Lederes lembra que, nos últimos anos, sete indústrias de soja chegaram à região, financiando a cultura.
A soja tem a venda garantida através de preços fixados no mercado futuro (Bolsa de Chicago), além da troca de parte da produção pelos insumos necessários ao plantio (sementes, fertilizantes e defensivos).
No caso do arroz, os produtores conseguem, no máximo, um empréstimo das indústrias, com preço negociado entre ambos, mas sem poder usufruir da garantia do preço futuro de uma Bolsa de commodities para a época da colheita.
O arroz não tem garantia de preço, vale bem menos a pena.
Paulo Lederes, produtor agrícola de São Gabriel (RS)
Mais de 60% da soja e 30% do milho produzidos no Brasil são exportados, principalmente para a China, puxando as vendas internacionais do agronegócio brasileiro. Desde janeiro do ano passado, 60 novos mercados foram abertos para os produtos agrícolas brasileiros.
"A rentabilidade da soja aumentou muito com as exportações para a China. As indústrias passaram a remunerar melhor o produtor", comenta Lederes.
Menos feijão no Paraná
À frente da produção de sementes de feijão feita por vinte cooperados no Oeste do Paraná, o produtor Airton Cittolin, de Cascavel (PR), observa que os 28 municípios paranaenses devem produzir 30% a menos do grão nesta safra.
A produção vai diminuir porque o preço da soja e do milho subiu muito. O feijão é uma cultura que oscila muito de preço, então o pessoal opta pelas culturas mais seguras.
Airton Cittolin, produtor agrícola de Cascavel (PR)
Embora as sacas de feijão preto e carioca estejam valendo R$ 250 e R$ 280, enquanto a da soja seja vendida a R$ 120, a garantia de venda da soja ainda compensa mais o produtor do que o feijão.
A soja tem liquidez na hora, muitos lugares que recebem --é dólar na mão. Já o feijão tem pouco comprador, depende muito da qualidade e só paga em 30 dias.
Airton Cittolin, produtor agrícola de Cascavel (PR)
O economista Marcelo Garrido, do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura do Paraná, informa que, em dez anos, a área plantada de feijão encolheu 92% no Paraná. No mesmo período, a soja cresceu 26,7%, para 5,55 milhões de hectares: "Para o Paraná, é uma expansão considerável porque não temos terra nova para plantio — a área agrícola está esgotada".
Garrido observa que o movimento se repete em boa parte do país. "Nos últimos anos, a soja tem ganhado muita área em cima das culturas menores, em função de preço e liquidez. A soja é a cultura com mais rentabilidade, não depende do mercado interno. O feijão depende do mercado interno e é muito sensível ao clima", compara.
Área caiu, mas produtividade aumentou
"Existe, de fato, uma substituição de culturas no Brasil. O Rio Grande do Sul perdeu muita área de arroz e foi para a soja, entre outras culturas. No arroz, em específico, a área decresceu 41% em dez anos, mas a produtividade aumentou 38%, compensando a queda. O consumo de arroz caiu 6%, enquanto a produção cresceu 5% nos últimos cinco anos", pondera o superintendente de gestão de oferta da Conab, Alan dos Santos.
O especialista observa um movimento parecido com o feijão, que teve queda de 27% na área plantada nos últimos dez anos, mas crescimento de 18% na produtividade —queda de 13% na produção. Em uma década, o consumo do grão caiu de 3,6 milhões para 3,2 milhões de toneladas no Brasil. "São produtos básicos da alimentação brasileira, complementares, e seguiram tendências parecidas", observa Santos.
Falta política pública para segurança alimentar?
Os especialistas afirmam que não existe risco para a segurança alimentar —uma responsabilidade da Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura (Mapa), que não se manifestou até a publicação da reportagem.
O maior desastre seria faltar produto. Mas isso, a meu ver, não vai acontecer.
Elisio Contini, pesquisador da Embrapa
Segundo ele, o governo trabalha com estoques estratégicos, taxas de importação menores, incentivos à produção e oferta de crédito para garantir o abastecimento interno.
A política agrícola estimula a oferta de bens básicos, como o arroz e feijão. Isso tem garantido a oferta nacional. Houve crises de preço em 2011 e 2018, e a política de preço mínimo garantiu a permanência de produtores na cultura --para evitar a substituição de culturas e dependência externa.
Alan dos Santos, superintendente de gestão de oferta da Conab
Há 30 anos no setor privado, o analista Carlos Cogo, que já trabalhou na Conab, discorda dos colegas do setor público.
O Brasil não tem política agrícola. O Brasil tem bombeiro que vai lá e apaga fogo quando tem um problema grave, como aconteceu agora no caso do arroz.
Carlos Cogo, ex-Conab e diretor da Carlos Cogo Consultoria Agroeconômica
Ele lembra que o governo decidiu zerar as tarifas de importação do arroz quando os preços da saca já haviam batido R$ 40 nos supermercados.
Cogo lembra que há muito tempo a política de estoques públicos, empregada quando falta produto ou os preços estão muito baixos, vem sendo abandonada pelo governo. "A Conab não tem mais estoque público já faz um tempo, só tem estoque residual de milho. Não tem mais nada de trigo e arroz. Por isso não houve intervenção com leilões de estoques no caso do arroz", observa.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc/Senar-SC), José Zeferino Pedrozo, lembra que, apesar da alta no preço do arroz neste ano, a cultura vem causando prejuízos há muitas safras para os produtores, agravados pela ausência de instrumentos de política agrícola.
É justo assinalar que os arrozeiros amargaram muitos anos de prejuízos e que os ganhos deste ano não repõem as perdas do passado.
Zeferino Pedrozo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina
"Aqui em Santa Catarina se fala em manter os dois mercados, nacional e internacional", relativiza o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias de Santa Catarina (Fecoagro-SC), Ivan Ramos, à frente de dez cooperativas e o frigorífico Aurora. "Houve uma diminuição na área plantada de arroz, nos últimos anos, em função de preço. O pessoal está migrando bastante para fruticultura", comenta o representante.
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