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Brasil não sabe a cor de 93% dos servidores públicos, e isso afeta inclusão

Filipe Andretta

Do UOL, em São Paulo

03/10/2020 04h00

Uma vez por ano, o governo federal cobra de órgãos públicos e de empresas informações detalhadas sobre seus empregados, para fins estatísticos e de fiscalização. Um desses dados é a raça/cor, que admite cinco alternativas (indígena, branca, preta, amarela, parda) além da opção "não informada", na qual se encontram 92,7% dos servidores públicos.

A omissão de dados na administração pública é bem maior do que a média do mercado de trabalho formal (27,7%). A cada 3 empregados dentro da classificação indefinida no Brasil, 2 são servidores públicos. Para especialistas, esse desconhecimento prejudica as políticas públicas de inclusão racial.

O levantamento foi pelo Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) a partir de microdados da Rais 2018 (Relação Anual de Informações Sociais). Informações mais recentes com as declarações de 2019 devem ser divulgadas ainda este ano pelo Ministério da Economia.

Depois da administração pública, os setores com maiores índices de trabalhadores sem informação de cor/raça na Rais são a advocacia (14%) e petróleo e gás (12,9%). Os melhores indicadores estão no setor bancário (0,7%) e de empresas aéreas (1,3%).

Existem outros sistemas e pesquisas que coletam dados do mercado de trabalho brasileiro, mas a Rais é a ferramenta mais completa. O resultado da relação anual é considerado uma das principais referências para o desenvolvimento de políticas públicas de emprego e desenvolvimento social.

Marca ruim é puxada por estados e municípios

A falta de dados sobre raça/cor na administração pública é um problema maior nos estados e municípios. O governo federal tem informações mais detalhadas e recentes.

Dados do Siape (Sistema Integrado de Administração de Pessoal) atualizados até agosto de 2020 mostram que apenas 5,6% dos servidores federais no Poder Executivo não têm raça/cor informada

Os números apontam para uma desproporção na ocupação de cargos no serviço público federal, já que 60,1% dos trabalhadores com raça/cor informada são brancos. Segundo o IBGE, os brancos representam 42,7% da população —46,8% se autodeclaram pardos, 9,4% pretos e 1,1% amarelos ou indígenas.

Ausência de dados é obstáculo a políticas públicas

Daniel Teixeira, diretor de projetos do Ceert, afirma que a falta de informações sobre raça/cor é especialmente preocupante na administração pública, pois o governo deveria liderar as ações para promover a igualdade social e racial no mercado de trabalho.

Discutir desigualdade no Brasil sem passar pelos dados é não discuti-la. Não é um mero debate estatístico, demográfico: é uma discussão sobre que país a gente quer.
Daniel Teixeira, diretor de projetos Ceert

Teixeira lembra que o Brasil assinou a Convenção 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) —incorporada à legislação nacional em 1966. Com isso, o Brasil se comprometeu a promover a igualdade de oportunidades com o objetivo de eliminar a discriminação no mercado de trabalho. Essa também é uma diretriz prevista no Estatuto da Igualdade Racial, de 2010.

"Não é possível traçar uma meta se você não tem informação para saber como está a situação", afirmou.

Falta de metodologia para coletar os dados

Daniel Teixeira critica a falta de sistematização e de responsabilidade na apuração dos dados em todo o mercado de trabalho.

Segundo o diretor do Ceert, o ideal seria que os empregados informassem a cor/raça para o preenchimento dos formulários —a chamada autodeclaração. Esse método deveria ser estimulado por meio de censos internos nas empresas, por exemplo.

No entanto, o que se observa na prática são vários formulários preenchidos pelo setor de recursos humanos ou pelo próprio dono da empresa, sem compromisso com a realidade, apenas para cumprir a obrigação de entregar a declaração obrigatória.

Por isso há tantos dados incompletos, diz Teixeira. "Muitas vezes o empregado informou, ou informaria, mas houve desinteresse ou falta de conscientização".

Segundo o Ministério da Economia, o servidor que entra hoje na administração pública federal preenche um formulário online ou impresso, onde autodeclara a cor. Além disso, quando o servidor acessa seu perfil no sistema de gestão do governo, recebe uma notificação para preencher o dado, com a opção de assinalar a alternativa "não informado".