Entregador da Rappi deve ter carteira assinada, dizem fiscais do trabalho
Uma fiscalização de auditores fiscais do trabalho, que durou oito meses, concluiu que entregadores do aplicativo Rappi não têm autonomia, atuam como funcionários e a empresa deve assinar suas carteiras, garantindo seus direitos trabalhistas. A empresa colombiana de entregas opera no Brasil desde 2017.
Os auditores fiscais do trabalho Rafael Brisque Neiva e Rafael Augusto Vido da Silva, que investigaram a situação, dizem que há uma relação de trabalho subordinado.
Inquérito apura situação dos trabalhadores
O auto de infração de 220 páginas, ao qual a Repórter Brasil teve acesso, foi encaminhado para o Ministério Público do Trabalho e será adicionado a um inquérito que já está em andamento, segundo Ruy Fernando Gomes Leme Cavalheiro, procurador do Trabalho na cidade de São Paulo, que apura as relações de trabalho entre empresa e entregadores.
Esse auto será mais um elemento para o inquérito. Não há definição de prazo nem do que pode acontecer na prática. Teoricamente é possível ser aberto um processo contra a empresa ou pode ser feito um acordo extrajudicial.
A fiscalização não prevê multa à Rappi porque, segundo os auditores, a empresa não forneceu a informação sobre o número de entregadores —mesmo depois de ter sido notificada. Uma multa ainda pode ser aplicada futuramente se os dados forem obtidos, dizem os auditores.
Lei determina multa de R$ 3.000 por trabalhador
A legislação atual prevê multa de R$ 3.000 por trabalhador não registrado, mas a Rappi tenta se blindar disso ao não passar a relação de entregadores para a auditoria, explica o fiscal do trabalho.
Os auditores destacam que os entregadores não são autônomos, já que os motociclistas e ciclistas que concluem os pedidos da plataforma dependem do aplicativo para trabalhar e recebem um "salário" com valor determinado pela empresa.
Além disso, dependem do aplicativo para conseguir os serviços e não possuem autonomia para definir o valor do trabalho. "É uma fraude antiga com roupas novas", afirmou Rafael Vido, que faz parte do grupo de combate à informalidade e fraude nas relações de trabalho.
Rappi não comenta a situação
Procurada, a Rappi não quis comentar e não respondeu aos questionamentos da Repórter Brasil.
Apesar de não ter respondido os questionamentos da Repórter Brasil, a empresa afirmou aos auditores que é uma simples "intermediadora" entre entregador e consumidor e que se isenta de qualquer relação com quem trabalha fazendo as entregas.
"Entregador algum jamais prestou serviços para a Rappi", foi a resposta da empresa aos auditores, segundo consta no relatório da fiscalização.
Associação de empresas pede debate
Após a publicação da reportagem, a Associação Brasileira Online to Offline - que também representa a Rappi - afirmou, em nota, que "as pessoas que buscam seus ganhos por meio das plataformas não podem depender de uma fórmula engessada, que traga de volta uma regulação, a partir de mais impostos e regras, que prejudique o trabalho, a liberdade de escolha e a oportunidade de auferir renda".
A associação do setor, que representa 120 plataformas digitais, destaca ainda que o tema deve ser alvo de um debate profundo, que envolva comerciantes e entregadores, e que "não será com decisões céleres que teremos a segurança jurídica necessária para operar e continuar gerando oportunidades para o maior número de pessoas." Leia aqui a nota na íntegra.
Entregadores podem ser punidos se recusarem serviço
A "autonomia" dos entregadores se resumiria, em tese, a aceitar ou não uma entrega, mas, ainda assim, não é tão simples. "Podemos recusar corridas, mas, na verdade, não podemos. Aí arriscamos sofrer os castigos do aplicativo", afirmou um entregador entrevistado pela Repórter Brasil.
Migrante do Haiti, o trabalhador —que preferiu não se identificar por medo de perder sua única fonte de renda—, esperava a notificação do aplicativo para subir em sua bicicleta e completar mais uma corrida.
No regime de trabalho informal da Rappi, os entregadores não têm acesso a direitos trabalhistas, como Previdência Social, depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (dever do empregador) ou mesmo horas extras e controle de jornada de trabalho. Isso não é exclusividade da Rappi. A falta de garantias e seguridade social é replicada em outras plataformas de entrega.
Empresa não passa informações
A fiscalização começou em abril de 2020 e durou oito meses. Desde então, a Rappi ainda não divulgou o número de entregadores, quantidade de entregas, remunerações ou jornadas de trabalho, mesmo depois de ter sido formalmente notificada pelos auditores.
"A sonegação dessas informações é uma estratégia deliberada para dificultar nosso trabalho. Sabemos que eles [Rappi] têm até salas com todos esses números constantemente exibidos nas telas de controle", afirmou Neiva
A empresa alega em sua página e no "contrato" para se inscrever no aplicativo —assinado com um clique na tela do celular— que seus entregadores são trabalhadores autônomos.
A Rappi é registrada no Brasil no Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) como uma empresa de "agenciamento e intermediação de serviços e negócios em geral". "Até aí tentam se distanciar dos trabalhadores e disfarçar seu papel de empregador", afirmou Neiva.
Salário tem desconto de tarifas
Os auditores apontam ainda outra ilegalidade cometida pela empresa colombiana que atua em nove países: a venda casada.
Para receber pelos serviços, o entregador é obrigado a criar uma conta em outro aplicativo, o SmartMEI. Não é permitido pelo app receber a cada frete. Esse dinheiro não pode ser sacado e só pode ser transferido para uma conta bancária uma vez ao mês de forma gratuita.
"A Rappi transfere todos os riscos para o entregador e ainda impõe um desconto no salário dos trabalhadores com essa terceirização da remuneração", disse Neiva.
Há somente duas opções de remuneração para o entregador autônomo da Rappi. Receber apenas uma vez ao mês, na primeira quarta-feira do mês seguinte a uma entrega, ou receber semanalmente pagando uma taxa de 1,99% do total mais R$ 7 pela transferência eletrônica disponível.
"A gente não sabe o dia de amanhã", disse um entregador sobre o porquê de optar pelo pagamento semanal [taxado] para a Repórter Brasil. "No mês passado, tive um acidente. Minha moto foi para oficina e eu fui para ambulância. A gente tem de ter algum dinheiro no bolso", afirmou o entregador, que não quis se identificar.
A SmartMEI e seus advogados foram procurados, mas não houve resposta.
Trabalhadores são suspensos sem saber motivo
Rafael Neiva e seu colega Rafael Augusto Vido entrevistaram mais de cem entregadores com o propósito de entender a relação trabalhista que está em jogo. Preocupados com represálias do aplicativo, apenas 21 deles concordaram em se identificar.
Os entregadores explicaram que frequentemente recebem o que chamam de "gancho" (supensão): punições variadas feitas pela Rappi. Na maioria das vezes, nem sabem o motivo quando não conseguem acessar o app por horas ou dias —sem nenhum aviso prévio de quanto tempo o "gancho" irá impedi-los de trabalhar.
"Não paramos: viramos o dia. No mínimo dez horas diárias para ganhar alguma coisa", disse um entregador à reportagem.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.