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ANÁLISE

O que morte de Marília Mendonça ensina sobre comunicação de tragédias

Renato Pezzotti

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/11/2021 15h32Atualizada em 08/11/2021 12h24

O acidente fatal com o avião de Marília Mendonça, ocorrido na sexta-feira (5), em Caratinga (MG), teve uma sequência de informações conflitantes sobre o que havia realmente acontecido com a cantora.

Pouco depois da queda da aeronave, a assessoria de imprensa dela informou que Marília Mendonça teria sobrevivido ao acidente. Horas depois, entretanto, comunicou que todos os ocupantes do voo haviam morrido na queda. Em tempos de ultravelocidade na disseminação de informações e notícias falsas, quais são as lições que ficam? Como lidar com más notícias? O quanto celebridades precisam se preocupar com estratégias de comunicação para evitar informações conflitantes em momentos de crise?

"Informações de um acidente como esse fazem parte de um compromisso muito sério com as famílias, com pessoas da equipe e com fãs. Por isso, até que se tenha uma informação completa, é melhor esperar. Quando não se tem essa informação completa, o ideal é que não se dê nenhuma", diz Patrícia Gil, professora de comunicação organizacional e corporativa da ESPM/SP.

Rapidez no compartilhamento de informações

Para a acadêmica, que possui 20 anos de experiência em cobertura jornalística, o compartilhamento de informações hoje é muito rápido e, por esse motivo, as equipes precisam esperar o momento em que os dados sobre tragédias podem ser passados de forma oficial.

"Não se pode responder correndo. Não cabe fazer conjectura das versões. Muitas empresas, por exemplo, entram em grandes crises de imagem porque as respostas são muito rápidas, sem serem as versões reais", declara Patrícia.

Para Alexandre Loures, sócio da FSB Comunicação e fundador da Loures Consultoria, o tempo de resposta é primordial em casos como este.

"Quanto mais tempo se demorar para responder, mais se abre espaço para o não-oficial, para boatos. Essa questão de timing é absolutamente importante, mesmo que seja apenas para dizer que as informações estão sendo apuradas", diz Loures.

Serenidade e calma fazem parte do plano de ação

"Em situações de morte de pessoas públicas, correm muitos boatos. O que aconteceu neste caso foi o compartilhamento errado de uma informação oficial. Esse foi o maior problema", diz Rodrigo Padrón, CEO da Brain, agência de comunicação de marcas como Puma e Giraffas.

"Ninguém quer ser portador de más notícias. Não somos culturalmente habilitados para lidar com esse tipo de situação. Mas, para fazer isso de maneira empática, precisamos de treinamento e, principalmente, saber quais medidas deverão ser tomadas. Primeiro, vem o choque; depois, a negação —e é nesse momento em que acontecem as falhas", afirma Padrón.

Rapidez para correção de informações erradas

Patrícia ainda reforça que todo tipo de celebridade precisa ter um plano pronto, mesmo que pequeno, para acionar em caso de acidentes (ou polêmicas).

"No caso de celebridades, como artistas, cantores ou atletas, eles precisam ter um suporte num momento de tensão. O ideal é que todos tenham contatos de uma agência de comunicação, de reputação e gestão de crises, que já trabalhe com isso. Essa equipe vai trazer serenidade e apontar caminhos, o que não faz mal para ninguém", diz Patrícia.

"Gestores de crises como essa precisam ter frieza. A emoção, num momento destes, não é boa conselheira", diz Loures.

E o que acontece quando há o compartilhamento de uma informação errada? Qual caminho tomar?

"O problema é demorar tempo demais para corrigir as informações. As equipes de comunicação precisam ter um esquema preparado e soluções rápidas, especialmente quando a primeira versão pode ter sido dada num ímpeto, na intenção de proteger a família ou amigos de envolvidos no caso", diz a professora da ESPM.

Acidente recente mostra caminho correto

Em setembro deste ano, Loures trabalhou diretamente na divulgação de informações sobre o acidente aéreo, ocorrido em Piracicaba (SP), que matou Celso Silveira Mello Filho, acionista da Cosan.

A queda de um bimotor também vitimou a mulher de Celso, Maria Luiza Meneghel, seus três filhos, Celso, Fernando e Camila, o piloto Celso Elias Carloni e o copiloto Giovani Gulo. A Loures é uma das agências de comunicação da Cosan.

"Nesse acidente, por exemplo, antes de qualquer coisa, fomos checar o modelo e prefixo do avião, quem realmente havia embarcado na aeronave e se havia sobreviventes. Não dá para assumir informações como verdade, mesmo que sejam as mais óbvias. Tudo precisa ser apurado e precisam ser realizadas checagens duplas", diz Loures.

Para o executivo, o importante é tentar responder a todos questionamentos feitos após o acidente.

"Não podemos deixar perguntas sem resposta. Isso faz com que nasçam boatos. Mesmo que a gente não saiba a resposta, temos que dar esclarecimentos, dizer que estamos atrás das informações", diz o sócio da FSB.

Para ele, também é importante fazer uma varredura nas redes sociais, em busca de versões conflitantes que estão ganhando espaço na internet. "Boatos assim precisam ser combatidos de maneira eficiente, porque isso se multiplica muito rápido", declara.

Assessoria afirma que recebeu informação errada

Nesta segunda-feira (8), a jornalista Silvia Colmenero, assessora de imprensa da cantora, respondeu à reportagem.

Em seu texto, ela afirma que recebeu a informação que todos estavam bem "de uma fonte extremamente séria" —e que todas as pessoas estavam sendo conduzidas ao hospital "somente para realizar procedimento padrão". Ainda diz que "passados menos de 20 minutos", a mesma pessoa os avisou sobre a morte dos ocupantes.

Ela ainda destaca que nem "o espetáculo que se torna um acontecimento como este", com diferentes transmissões em redes sociais, "nem mesmo a pressão dos colegas de imprensa", a faria mentir.

"Jamais eu mentiria. Tenho a ética como princípio básico. Eu seguraria a informação da morte, até ter a segurança de que todos os familiares tivessem sido avisados. Mentir jamais", afirma Silvia.