Após afetar pobres, inflação alta corrói poder de compra da classe média
As famílias de renda média-baixa e média foram as que mais sentiram a disparada geral dos preços em 2021, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Enquanto a inflação oficial fechou o ano em 10,06%, o índice para esses grupos ficou em 10,4% e 10,26%, respectivamente —acima até da inflação das famílias de renda muito baixa (10,08%). Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, os números são resultado de um "espalhamento" da alta dos preços, que, depois de afetar os mais pobres, agora corrói o poder de compra da classe média.
A chamada classe C, cuja renda familiar total vai de quatro a dez salários mínimos (de R$ 4.848 a R$ 12.120, em 2022), sente o impacto dos preços de forma generalizada. Se em 2020 o problema era a alta dos alimentos, agora o Brasil enfrenta também a escalada da energia elétrica e dos combustíveis, que pesam muito na inflação. Só no ano passado, a conta de luz subiu mais de 21%, a gasolina, 47,49%, e o etanol, 62,23%, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"Teve crise hídrica, com as contas de luz decolando, o preço da gasolina explodindo. A gente começou a ver uma 'democratização' da inflação. Alimentos subiram, mas itens que pertencem à cesta dos mais ricos também ficaram mais caros. Houve aumento nos serviços, em salões de beleza, nas refeições fora de casa, tudo subiu. A classe média também sentiu", explica André Braz, coordenador do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
A inflação se espalhou. Antes estava muito concentrada [nos mais pobres], e agora está em todas as classes. A diferença é que as classes baixa e média sentem mais essa alta.
André Braz, da FGV
Salários mais baixos e desemprego
A inflação alta, porém, é apenas um dos fatores que explicam a recente perda do poder de compra da classe média. O aumento do desemprego e a consequente estagnação do mercado de trabalho também reduziram a capacidade de barganha dos trabalhadores.
Ou seja: mesmo quem está empregado não consegue negociar aumentos salariais que acompanhem a alta generalizada dos preços, diz Rafael Saulo Marques Ribeiro, professor de Economia na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
"O mercado de trabalho já vem estagnado há um bom tempo, e o desempenho dos salários tem muito a ver com o aquecimento desse mercado", afirma, reforçando que a crise é anterior à pandemia de covid-19, mas se agravou com ela. "Muitos trabalhadores que perderam os empregos demoram a se recolocar e, quando conseguem, normalmente assumem posições inferiores, com salários mais baixos. Essas pessoas muitas vezes só conseguem vaga no mercado informal, onde o trabalho é mais precarizado."
A taxa de desemprego no Brasil chegou a 11,2% no trimestre encerrado em janeiro deste ano, atingindo 12 milhões de pessoas, segundo últimos dados divulgados pelo IBGE.
O número de trabalhadores informais está em 38,5 milhões —equivalente a 40,4% da população ocupada. Ainda há 4,8 milhões de desalentados, aqueles que desistiram de procurar trabalho.
Os trabalhadores, quando se recolocam, têm salários mais baixos ou vão para o mercado informal. O trabalhador perdeu muito o poder de barganha nesse meio tempo. Mesmo com a inflação subindo, ele não tem condições de negociar salários mais altos.
Rafael Saulo Marques Ribeiro, da UFMG
Perspectivas ainda incertas
Os dois especialistas ouvidos pelo UOL dizem ser difícil fazer previsões, uma vez que a queda dos preços depende de muitos fatores domésticos, como a saúde das contas públicas, e externos, como a guerra entre Rússia e Ucrânia e a variação do câmbio, que têm afetado diretamente o preço dos combustíveis, por exemplo.
Segundo André Braz, medidas recentemente anunciadas pelo governo federal para incentivar o consumo, como a liberação do saque do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e a isenção do imposto de importação para o etanol são apenas "populistas", "de cunho eleitoral", e devem ter pouco ou nenhum efeito prático no controle da inflação.
"Mas eu sou mais otimista [para 2023]. Acho que há perspectiva de melhora. Os juros [Selic] estão mais altos, então é possível que a gente tenha condições de aproximar a inflação da meta. Acredito que tudo depende da guerra."
Rafael Saulo Marques Ribeiro, da UFMG, também cita os desdobramentos do conflito entre Rússia e Ucrânia no mercado internacional e outros quatro fatores que devem influenciar no crescimento da economia brasileira nos próximos anos e na recuperação do poder de compra da classe média: o aumento do consumo, a diminuição do endividamento das famílias, a retomada dos investimentos por parte das empresas e os gastos do governo federal.
"Mas é complicado. Aumentar o consumo é difícil, justamente por conta dessa inflação. Endividamento das famílias? Nunca tivemos tantos endividados. Mesmo que as pessoas paguem as dívidas, isso não movimenta a economia, porque dívida é consumo feito no passado. Já os investimentos dependem da expectativa de lucro e, neste momento de incerteza, as empresas não se sentem estimuladas. Os gastos do governo estão estagnados, muito em função das limitações impostas pelas regras fiscais. Então sobram os fatores externos. São o ponto com o maior potencial, porque os fatores domésticos que citei anteriormente estão todos travados."
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