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Jornal: Em gravação, Ciro Nogueira chama presidente do Cade de 'meu menino'

Conversa em que o ministro fala sobre sua influência na autarquia foi gravada pelo empresário Joesley Batista - Isac Nóbrega/PR
Conversa em que o ministro fala sobre sua influência na autarquia foi gravada pelo empresário Joesley Batista Imagem: Isac Nóbrega/PR

Do UOL, em São Paulo

14/04/2022 10h18Atualizada em 14/04/2022 13h14

Inquérito da PF (Polícia Federal) que apontou indícios de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas), mostra que ele se refere ao presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Alexandre Cordeiro, como "meu menino" e diz que "eu botei ele lá". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O Cade é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, cuja função é investigar acusações de prática de cartel e decidir sobre fusões de empresas, entre outras.

Segundo a reportagem, em troca de apoio do Progressistas, partido que preside, Ciro conseguiu fazer de Cordeiro "o mais longevo a ocupar o alto escalão do Cade". Ele foi nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao cargo em julho do ano passado, após ser sabatinado e ter seu nome aprovado no Senado. A nomeação de Ciro Nogueira para a chefia da Casa Civil também foi oficializada em julho.

Conforme o "Estadão", a conversa em que o ministro fala sobre sua influência na autarquia foi gravada pelo empresário Joesley Batista, do grupo, J&F, em março de 2017, quando ele estava em busca de provas para sua delação premiada, mas só veio à tona agora.

No diálogo, segundo o jornal, Joesley se queixa com Ciro de problemas no Cade, e o agora ministro diz ter um apadrinhado no órgão. "Um cara de bom senso. Meu menino, ele era meu chefe de gabinete, eu botei ele lá (...) E ele conseguiu se entrosar lá", afirmou.

Joesley então pergunta: "Como é que é. Alexandre o quê?" "Cordeiro", responde Ciro Nogueira.

Naquela ocasião, conforme a reportagem, a J&F fechou um frigorífico em Santa Fé do Sul (SP) e demitiu 600 funcionários alegando que não conseguia cumprir determinação do Cade que estabelecia níveis mínimos de produção. Em março, o frigorífico foi reaberto com autorização do órgão para produzir menos.

Ainda durante a conversa com o empresário, Ciro reforçou a preocupação em manter o controle do Cade. "É uma coisa que nós temos que, porque hoje nós temos a maioria lá, por isso que ele conseguiu (incompreensível). Nós não podemos perder a maioria", disse o ministro, conforme a PF.

Procurado pelo jornal e questionado sobre qual a razão para um político ter o controle de um órgão como o Cade e a forma de tratamento de seu apadrinhado, Ciro Nogueira não respondeu, assim como Cordeiro. Ambos também foram procurados pelo UOL, por meio das assessorias da Casa Civil e do Cade. O espaço está aberto para manifestação.

O relatório final do inquérito que a PF entregou ao STF (Supremo Tribunal Federal) na semana passada concluiu que houve repasse de propinas para Ciro Nogueira, pagas por Joesley, para garantir apoio do PP à chapa Dilma-Temer, em 2014. Em troca, Ciro Nogueira emplacou Cordeiro para conselheiro do Cade pela primeira vez, segundo a reportagem. Nesse inquérito, no entanto, a PF não aprofunda a investigação sobre a atuação no órgão.

O relatório aponta que Ciro Nogueira teria cometido corrupção passiva, mas não pede o indiciamento do ministro. Isso ocorre porque há um entendimento de que a PF não pode indiciar autoridades com foro no STF.

Em nota divulgada, o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, responsável pela defesa do ministro, afirmou que a conclusão da PF "é totalmente baseada somente em delações que não são corroboradas com nenhuma prova externa".

Ciro Nogueira foi aliado da gestão petista até o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. No governo de Michel Temer (MDB), em 2017, ele colocou Cordeiro como superintendente-geral do órgão. Na época, conforme o "Estadão", Temer chegou a indicar uma técnica para a vaga, mas cedeu a pressões e Cordeiro ficou com a vaga.

Em 2019, ainda conforme a reportagem, o ministro convenceu Bolsonaro a reconduzir Cordeiro para o cargo na superintendência. No ano passado, ao aderir ao Centrão, o mandatário colocou Cordeiro como presidente da autarquia até 2025.

Hoje, Ciro é um dos principais ministros de Bolsonaro e foi um dos articuladores da entrada do chamado "Centrão" no governo. O partido do ministro já declarou apoio à reeleição de Bolsonaro neste ano.

Em fevereiro deste ano, Cordeiro foi o responsável por dar o voto que determinou o resultado favorável à venda da Oi Móvel para Claro, TIM e Vivo. O julgamento do caso ficou empatado em três a três e ele, como presidente do órgão, tinha o "voto de qualidade".

O relator do caso e o MPF (Ministério Público Federal) se manifestaram contrários à transação por constatarem ameaças à competitividade. Nos bastidores, segundo o jornal, integrantes do órgão criticaram a atuação de Cordeiro no caso.

Em 2018, Cordeiro divergiu dos subordinados e aprovou a compra da Transfederal, do ex-presidente do Senado Eunício Olivera (MDB), pela espanhola Prosegur na superintendência. Segundo o "Estadão", a decisão surpreendeu servidores e integrantes do órgão — técnicos do Cade haviam recomendado a reprovação da operação.

Durante sua gestão, ainda segundo a reportagem, ao menos seis servidores experientes deixaram o setor técnico do Cade com críticas a sua conduta.