Corte de zero, notas carimbadas: como a inflação mudou o dinheiro do Brasil
A inflação brasileira em 2021 foi de 10,06%, o maior aumento desde 2015 (10,67%), ficando muito acima do teto da meta proposto pelo governo (5,25%). Economistas dizem que será difícil conter a inflação em 2022, e que o foco agora é tentar segurar o avanço em 2023.
Mas essa não é a primeira vez que o Brasil vive uma elevação de preços tão grande. O descontrole já foi tanto que diversas moedas foram criadas, uma para substituir a outra, sempre com cortes de zeros para tentar conter a desvalorização. Veja a seguir as moedas brasileiras e os efeitos da inflação nelas.
O Brasil já teve réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro real e real.
Inflação crônica
Em pouco mais de 50 anos, foram sete moedas e nove alterações monetárias. A inflação crônica era o motivo de tantas mudanças. Entre 1980 e 1990, o Brasil chegou a ter inflação de quatro dígitos ao ano. Hoje, apesar de alta, ainda estamos em dois dígitos.
Notas carimbadas
Durante as trocas de cédulas e moedas, era comum que as pessoas tivessem as notas carimbadas pelos bancos --a nova marcação funcionava como uma "atualização" de valores que ocorria com a prática de corte de zeros. Uma nota de Cr$ 10.000 (dez mil cruzeiros) passou a valer Cz$ 10 (dez cruzados), em 1986.
A redução de três dígitos facilitava as operações no dia a dia. Se, até hoje, a moeda não tivesse sido substituída, seriam necessárias centenas de cédulas para pagar um simples café na padaria.
Antônio Corrêa, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e presidente do Conselho Federal de Economia, explica que a redução de zeros ocorria para restabelecer a função da moeda diante de crises inflacionárias elevadas.
Confira abaixo detalhes sobre cada moeda que o Brasil instituiu:
Moedas do Brasil
Réis (Rs ou $) - É a moeda que circulou mais tempo, durante os períodos Colonial, Imperial e parte do período Republicano. Ela foi trazida de Portugal para o Brasil no período da colonização e mantida mesmo após a independência, em 1822. A primeira cédula de réis a ser impressa no Brasil foi a de 1.000, em 1833. Os réis foram substituídos pelo Cruzeiro.
Cruzeiro (Cr$) - Foi criado em 1942. Mil réis passaram a valer 1 cruzeiro (Rs 1.000 = Cr$ 1). Na ocasião, havia 56 tipos diferentes de cédula no Brasil. Para uniformizar o dinheiro em circulação, foi instituída a primeira mudança de padrão monetário no país. Confira, abaixo, um exemplo de cédula daquela época:
Cruzeiro Novo (NCr$) — Criado em 1967 para substituir o cruzeiro após intensa desvalorização. Pela segunda vez, houve corte de zeros. Assim, mil cruzeiros passaram a valer 1 cruzeiro novo (Cr$ 1.000 = NCr$ 1). A moeda tinha caráter temporário e deveria durar o tempo necessário à preparação de novas cédulas e para que a sociedade se adaptasse ao corte de três zeros. As cédulas do Cruzeiro Novo foram aproveitadas do Cruzeiro, recebendo carimbos com os novos valores. A unidade ficou em circulação menos de três anos. Abaixo, veja dois exemplos de cédulas com carimbos estabelecendo novos valores ao papel:
Cruzeiro (Cr$) — Em 15 de maio de 1970, saiu o novo nome da moeda, que voltou a ser só cruzeiro. Não houve corte de zeros como anteriormente. Um cruzeiro novo passou a valer um cruzeiro (NCr$ 1 = Cr$ 1). Com o passar do tempo, foram sendo impressas cédulas de valores mais altos:
Cruzado (Cz$) — Anunciado em 28 de fevereiro de 1986, o cruzado também entrou em circulação para cortar os zeros da moeda anterior. Foi quando mil cruzeiros passaram a valer um cruzado (Cr$ 1 000 = Cz$ 1). Na ocasião, o anúncio do Plano Cruzado prometia uma moeda forte e estável.
"Iniciamos hoje uma guerra de vida ou morte contra a inflação. Cada brasileiro será e deverá ser um fiscal de preços", disse o presidente José Sarney em cadeia de rádio e televisão ao anunciar medidas para s economia.
Passados 14 meses, o plano não cumpriu o prometido e a inflação voltou a subir. A moeda ficou menos de três anos em circulação. Abaixo, um exemplo de cruzeiro carimbado com o novo valor de cruzado. Logo em seguida, frente e verso de uma cédula de dez mil cruzados:
Cruzado Novo (NCz$) — Menos de três anos após o lançamento do Plano Cruzado, um novo corte de zeros voltou a ocorrer. Criado em 1989 para substituir a moeda anterior, mil cruzados passaram a valer um cruzado novo (NCz$). Abaixo, uma cédula de mil cruzados carimbada para valer um cruzado novo e, em seguida, uma cédula de duzentos cruzados novos:
Cruzeiro (Cr$) — A antiga moeda foi ressuscitada em 1990. Dessa vez, sem corte de zeros. Um cruzado novo passou a valer um cruzeiro (NCz$ 1 = Cr$ 1). Abaixo, a cédula de ciquenta cruzados novos foi carimbada para valer cinquenta cruzeiros. Em seguida, um exemplar de quinhentos mil cruzeiros (quando a moeda já passou a ter mais zeros que o ideal):
Cruzeiro Real (CR$) — Criado em 1993 em mais uma tentativa de conter a desvalorização da moeda, mil cruzeiros passaram a valer 1 cruzeiro real (Cr$ 1.000 = CR$ 1). Abaixo, uma nota de cinquenta mil cruzeiros carimbada para valer 50 cruzeiros reais. Abaixo, uma cédula de cinquenta mil cruzeiros reais:
Real (R$) — A atual moeda, o real, surge em 1994. Antes da implantação oficial, houve um período de transição com uma unidade de valor que flutuava diariamente: a URV (unidade real de valor).
Em 1º de julho de 1994, quando o real foi implementado, uma URV equivalia a dois mil, setecentos e cinquenta cruzeiros reais, que equivalia a 1 real (CR$ 2.750 = URV 1 = R$ 1). Não houve corte de zeros ou carimbagem de cédulas do padrão anterior.
O Banco Central do Brasil determinou a substituição de todo o dinheiro em circulação. O Plano Real foi instituído no governo de Itamar Franco e auxiliou na estabilização econômica, contendo a inflação. Abaixo, confira dois modelos de cédulas da atual moeda vigente no país.
Corte de zeros ainda é adotado em alguns países
O corte de zeros ainda ocorre em países que enfrentam crises econômicas mais severas, como as vividas no passado recente do Brasil.
No fim do ano passado, a Venezuela anunciou o corte de seis zeros da sua moeda. Na ocasião, o bolívar acumulava uma desvalorização de 72,54%.
Apesar da semelhança das medidas na América Latina, o professor Miguel Bruno, da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), explica que o panorama econômico do Brasil antes de 1994 -- quando foi lançado o Plano Real -- ainda era bem diferente do vivido pelos países vizinhos.
"Naquela época, havia uma superinflação que levava o Brasil a realizar os cortes de zeros. A inflação chegou a mais de 2.000% ao ano, mas apesar disso, não víamos aqui o que acontece com os argentinos, por exemplo, que passaram a aceitar a nossa moeda, o real, e evitam reter a própria moeda por muito tempo, trocando logo por bens e serviços ou por produtos que protejam da inflação. Não tivemos uma corrida desenfreada aos bancos e tínhamos as contas remuneradas [processo de correção monetária]", afirma Bruno.
Na Argentina, a inflação acumulada no ano passado atingiu 50,9%. No Brasil, a inflação medida pelo IPCA fechou o ano em 10,06% - a maior desde 2015. Apesar da alta, especialistas descartam qualquer nova substituição da moeda no Brasil.
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