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BC perde controle da inflação em 2022 e agora mira 2023; o que deu errado?

Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: inflação controlada só em 2023 - Adriano Machado/Reuters
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: inflação controlada só em 2023 Imagem: Adriano Machado/Reuters

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

28/03/2022 04h00

Pelo segundo ano consecutivo, o Banco Central não cumprirá sua meta de controle da inflação. Após ver o IPCA, o índice oficial de preços, superar os 10% em 2021, bem acima do objetivo de 3,75%, o órgão enfrenta neste ano a perspectiva de uma inflação superior a 6%, para uma meta de 3,5%. Economistas ouvidos pelo UOL foram unânimes: 2022 está perdido para o controle da inflação.

A preocupação agora é se o BC conseguirá enfim segurar a inflação em 2023, em meio às pressões de preços trazidas por combustíveis, commodities e pelas consequências das ações do governo Bolsonaro neste ano eleitoral.

Juros são usados para reduzir inflação

Pelo sistema atual, o BC precisa atingir uma meta específica de inflação todo ano. Para isso, ele utiliza a Selic, a taxa básica de juros da economia, atualmente em 11,75% ao ano.

Ao elevar a Selic, o órgão também torna mais caras as operações de crédito para empresas e consumidores, o que contribui para desaquecer a economia. O resultado, em tese, é uma inflação menor.

O problema é que, em meio à pandemia de covid-19, o BC tem tido dificuldades para controlar a inflação, mesmo com uma Selic mais elevada.

Abaixo estão as metas dos últimos anos e os intervalos de tolerância (quando se considera que o BC cumpriu o objetivo). Além disso, aparecem a inflação medida de fato e as projeções do mercado financeiro. Estão destacados os percentuais de quando o BC não cumpriu a meta (ficou fora do intervalo de tolerância) e a projeção para 2022, que indica perspectiva de novo descumprimento.

Metas de inflação, resultados e projeções no ano:

  • 2017: 4,5% (meta); 3% a 6% (intervalo de tolerância); 2,95% (inflação medida)
  • 2018: 4,5% (meta); 3% a 6% (intervalo de tolerância); 3,75% (inflação medida)
  • 2019: 4,25% (meta); 2,75% a 5,75% (intervalo de tolerância); 4,31% (inflação medida)
  • 2020: 4% (meta); 2,5% a 5,5% (intervalo de tolerância); 4,52% (inflação medida)
  • 2021: 3,75% (meta); 2,25% a 5,25% (intervalo de tolerância); 10,06% (inflação medida)
  • 2022: 3,5% (meta); 2% a 5% (intervalo de tolerância); 6,59% (inflação projetada)
  • 2023: 3,25% (meta); 1,75% a 4,75% (intervalo de tolerância); 3,75% (inflação projetada)

Para controlar inflação, ano já está perdido

Embora o primeiro trimestre de 2022 nem tenha se encerrado, os economistas apontam que já não é possível, para o BC, segurar a inflação. A escalada dos preços, que se intensificou no ano passado, vai continuar neste ano, ainda que numa intensidade menor.

A guerra entre Rússia e Ucrânia, que fez os preços dos combustíveis dispararem, tornou a tarefa de controlar a inflação ainda mais difícil.

Para o economista Alexandre Schwartsman, sócio da consultoria Schwartsman & Associados, o desafio agora é segurar os preços em 2023.

O controle da inflação está perdido desde o começo do ano. Agora, ainda mais. Desde o começo de 2022, se imagina uma inflação alta. Para o próprio BC, o controle neste ano já está praticamente fora do horizonte. Ele não briga mais pela inflação de 2022. O BC está brigando por 2023.
Alexandre Schwartsman, economista

O economista Mailson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, concorda que o trabalho atual do BC é evitar que a inflação fique acima da meta de 2023.

O BC perdeu a meta de inflação de 2022. Não há mais como atingi-la, a menos que ele promova uma contração econômica gigantesca, o que seria irresponsável. O trabalho do BC hoje está focado em evitar a perda da meta de 2023. Isto é, prevenir a contaminação, no próximo ano, do processo inflacionário de 2022.
Mailson da Nóbrega, economista

O que deu errado?

Os economistas ouvidos pelo UOL afirmam que uma série de choques inflacionários —eventos inesperados, que levam à alta de preços em diferentes setores— dificultaram a atuação do BC nos últimos anos.

Sob o comando de Roberto Campos Neto, o BC cumpriu a meta de inflação em 2019 e 2020, mas perdeu a batalha contra os preços em 2021 e, ao que tudo indica, em 2022.

Entre os fatores que contribuíram para isso estão:

  • A pandemia de covid-19: a percepção inicial dos economistas era que a crise sanitária seria desinflacionária -ou seja, colocaria os índices de inflação para baixo, já que o consumo diminuiria. Só que, a partir do segundo semestre de 2020, ficou claro que o mundo enfrentaria limitações na oferta de produtos. A consequência foram preços mais altos.
  • As cadeias de produção foram interrompidas ou seu funcionamento foi dificultado. O exemplo clássico é o de semicondutores usados em carros, computadores e celulares. Com a escassez de importação, os preços de veículos dispararam no Brasil.
  • A demanda por alimentos aumentou na pandemia, em meio à procura maior por outros países. Isso impulsionou os preços no Brasil. No início, o BC avaliou que o movimento seria transitório, mas o fato é que a inflação de alimentos continua acelerada até hoje. Nos 12 meses até fevereiro deste ano, a alimentação no domicílio ficou 10,14% mais cara.
  • Além dos choques vindos de fora, o Brasil enfrentou dificuldades próprias: a seca e a redução de lavouras importantes, como a de café.
  • Mais recentemente, a guerra entre Rússia e Ucrânia impulsionou os preços do petróleo em todo o mundo, com reflexos nos combustíveis no Brasil. Há também efeitos em outros produtos de largo consumo no país, como trigo e fertilizantes.

"O que deu errado? O BC do Brasil sofreu o que os bancos centrais de todos os países sofreram: surpresas inflacionárias vindas da pandemia", resume o economista Mailson da Nóbrega. "Além disso, o país foi atingido por choques internos. Foi uma combinação raramente vista."

Medidas do governo também pressionam

Algumas das medidas do governo Bolsonaro na área econômica, anunciadas recentemente, também contribuem para a inflação em 2022. Em 17 de março, o governo lançou um pacote com potencial para injetar R$ 150 bilhões na economia.

Entre as medidas, está a antecipação do pagamento do 13º salário dos aposentados e pensionistas do INSS. O montante total é de R$ 56,7 bilhões.

Além disso, o governo anunciou a liberação de até R$ 1.000 do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para os trabalhadores, com impacto total de R$ 30 bilhões.

As duas medidas buscam estimular a economia, no ano em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tentará a reeleição.

O economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flavio Serrano, afirma que, no caso do 13º, ocorrerá apenas um deslocamento da liberação de recursos, do fim do ano para abril e maio. Assim, pode até ocorrer um aumento do consumo —e da inflação— no curto prazo, mas esse é apenas um movimento antecipado do fim de 2022.

No caso do FGTS, no entanto, haverá liberação de recursos novos na economia. "É um aumento discreto de renda, que pode virar consumo", diz Serrano. Aí há uma pressão sobre a inflação.

"Só que o governo não está aumentando permanentemente a renda do consumidor. O impacto na inflação é de curto prazo, vai ocorrer em 2022", declara Serrano.

Inflação sob controle em 2023?

O próprio BC tem dado indicações de que a batalha contra a inflação em 2022 está perdida. No Relatório de Inflação, divulgado na última quinta-feira (24), a instituição apresentou suas projeções para o IPCA neste ano.

No cenário considerado mais provável, o BC calcula uma inflação de 6,3% —acima do intervalo de tolerância da meta (2% a 5%). Para a instituição, há 88% de chances de a inflação ficar acima dos 5%.

Mas, se as próprias projeções do BC indicam que 2022 está perdido, o órgão enxerga 2023 como o ano da virada. O BC projeta uma inflação de apenas 3,1% para o próximo ano —próximo da meta de 3,25%. No mercado financeiro, a expectativa está em 3,75%.

A visão dos economistas é de que a inflação vá desacelerar no próximo ano, com os juros mais altos e também com a recuperação limitada do PIB (Produto Interno Bruto). O mercado financeiro projeta uma alta no PIB de apenas 0,5% em 2021 e de 1,3% em 2023.

Com a economia em marcha lenta, o espaço para a remarcação de preços pelas empresas ficaria limitado.

Mailson da Nóbrega, porém, fala do risco de a inflação seguir acelerada. "É um ambiente de muitas incertezas. Ainda há resquícios da pandemia influenciando os preços, e também a guerra na Ucrânia", diz.

Procurado pelo UOL, o Banco Central informou que não comentaria o conteúdo deste texto.