Golpe da 'caixa misteriosa' promete até iPhone por menos de R$ 200; entenda
No início de maio, o assistente contábil Telcio Germano da Silva, 40, comprou no site da Amazon um produto chamado "caixa misteriosa". A expectativa gerada pelo anúncio, que promete iPhones, videogames ou até mesmo relógios inteligentes, se mostrou uma frustração.
Ao abrir o pacote, três semanas após o pedido, Telcio viu um relógio de aço pintado de dourado com a ilustração de um dragão. Ele pagou R$ 158 por um item que veio sem nota fiscal - e que, descobriu depois, chega a custar R$ 20 em sites chineses como AliExpress e Shopee.
"Eu comprei pensando no meu filho, queria dar um presente para ele. Poderia ser um drone, um mouse ou até um fone de ouvido", afirma ele, que fez a compra após sugestão de uma colega do trabalho. Eles receberam o mesmo relógio.
Ele observou logo depois que o produto declarado para a alfândega custava US$ 20 — R$ 95,80 na cotação atual —, ou seja, um valor abaixo do que desembolsou na compra. "Me senti lesado na hora", completa.
As caixas misteriosas, também chamadas de caixas surpresa, são vendidas em diversos sites de e-commerce no Brasil. A descrição do item segue um padrão: sugere que os produtos são embalados aleatoriamente, que o comprador receberá um ou mais produtos e que a troca só é possível em caso de defeito, o que contraria o CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Os anunciantes geralmente disponibilizam o produto em plataformas como Amazon e Mercado Livre. A encomenda vem da China por um preço a partir de R$ 100, sem taxas de importação adicionais.
Essa prática tem sido acompanhada pelo aumento de reclamações de usuários, segundo o Instituto Reclame Aqui, do site de mesmo nome. Nos cinco primeiros meses deste ano, a página teve 4.490 registros de reclamações de consumidores insatisfeitos com a compra da caixa misteriosa. Em janeiro, o Reclame Aqui contabilizou 535 reclamações; em maio, saltou para 2.740.
Caixas misteriosas são 'propaganda enganosa' e 'golpe', dizem especialistas
A reportagem analisou nos últimos dias algumas ofertas dessa mercadoria e observou empresas identificadas com nomes aleatórios (uma sequência de diversas letras sem formar um nome) ou sem CNPJ. Há também aquelas que vendem as caixas exclusivamente em seu site.
Para o diretor do Proteste, Henrique Lian, o anúncio desses produtos da forma que é feito explora a boa-fé de um possível comprador pela falta de informações. Ele afirma que a falta de detalhes sobre a mercadoria entregue, como marca e modelo, é um caso de propaganda enganosa.
"O consumidor tem direito à informação clara e adequada. A imagem de uma caixa da qual saem televisores, caixas de som e fones leva o consumidor a crer que são esses itens que compõem o pacote", avalia.
Ainda que a venda seja feita por terceiros, os marketplaces que disponibilizam esses produtos em sua prateleira também são responsáveis pelo dano ao comprador, diz o assessor jurídico do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) David Douglas Guedes.
O Código de Defesa do Consumidor entende que o conceito de responsabilidade solidária inclui o fabricante e revendedor por fazerem parte da cadeia de consumo. Os clientes podem exigir, por exemplo, a devolução do dinheiro ou a substituição do produto por outro igual.
Guedes ainda afirma que a característica de golpe se amplia se o usuário tentar contato com as partes envolvidas e não tiver nenhuma resposta.
O diretor de estudos e pesquisas do Procon-SP, Marcus Vinicius Pujol, acrescenta que a impossibilidade de troca em casos de insatisfação do consumidor fere o CDC. A lei garante aos usuários o direito de arrependimento de compras online em um prazo de sete dias a partir da data de entrega.
"É um golpe clássico que desperta a cobiça de quem quer ter um bem. É uma publicidade abusiva e enganosa, sem dúvida alguma", diz.
Dicas para evitar um golpe
Além da divulgação em plataformas, há empresas que utilizam redes sociais para comunicar o que os consumidores podem receber ao fazer uma compra. É o caso da Hofferta, que publicou em uma conta no TikTok alguns vídeos que "desvendam" o conteúdo das caixas.
Em cerca de 30 segundos, uma pessoa que não mostra o rosto abre um pacote e mostra embalagens do que seriam um iPhone 12, um tablet da Apple e um fone de ouvido. Ele, porém, não revela o que tem dentro das caixas. "Arrebentei, tirei onda. Tô muito feliz", diz uma voz de fundo.
Em seu próprio site, a Hofferta vende caixas com preço de R$ 117,90 a R$ 397,90. A página registra 19 avaliações de consumidores, todas elas positivas. No Instagram, o discurso é diferente: a empresa publicou uma série de stories em que pede desculpas aos seus clientes por atraso no envio das caixas.
Para os especialistas ouvidos pelo UOL, a promessa de oferecer um produto caro por um valor abaixo no mercado deve ser observada com muita cautela. Eles recomendam que o consumidor se informe antes da compra, veja as avaliações e converse com amigos que eventualmente adquiriram a caixa.
Uma outra dica é consultar a reputação da empresa em sites voltados para reclamações do consumidor, como o Reclame Aqui. É possível também verificar a situação do CNPJ do fornecedor no site da Receita Federal.
Se o consumidor adquiriu o item e não resolveu o problema com a loja, a alternativa é registrar uma reclamação no Procon de seu estado ou no site consumidor.gov.br. Caso a situação persista, é possível entrar com uma ação em um JEC (Juizado Especial Cível), também conhecido como juizado de pequenas causas.
Nesses casos, não há necessidade de representação de advogado por se tratar de uma ação com valor de até 20 salários mínimos (R$ 24.240).
O que dizem as empresas
O UOL entrou em contato com a Amazon, que afirma em nota que os vendedores parceiros devem seguir suas diretrizes e políticas ao colocar produtos à venda em seu site. "Aqueles que não o fizerem estarão sujeitos a sanções, incluindo a possível remoção de sua conta".
Após o contato da reportagem, a Amazon afirmou na sexta-feira (3) que excluiu todos os produtos identificados como caixa misteriosa de sua página. No entanto, uma busca pelo item revela novas caixas pelo preço de R$ 1.135,93.
O Mercado Livre diz, também em nota, que proíbe a venda de itens sem a descrição completa da sua composição, o que viola suas políticas de cadastramento. "A empresa informa que combate proativamente o mau uso da sua plataforma, que conta com tecnologia e equipes dedicadas para identificação e moderação dos conteúdos."
Até a tarde de sexta-feira (3), as caixas misteriosas ainda estavam disponíveis para venda no site do Mercado Livre.
A reportagem também tentou contato com a empresa Hofferta por e-mail, redes sociais, WhatsApp e telefone, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.
Após o prejuízo, Telcio Germano da Silva entrou em contato com a Amazon para pedir o dinheiro de volta antes de encerrar o período de sete dias. Segundo ele, um atendente disse que a devolução poderia não acontecer, o que contraria o Código de Defesa do Consumidor.
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