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Sem contrato, trabalhadoras devem R$ 300 mil e 'ficam reféns' em Noronha

Rejane (esq.) e Sandriely (dir.) também disseram não ter recebido direitos trabalhistas - Arquivo pessoal
Rejane (esq.) e Sandriely (dir.) também disseram não ter recebido direitos trabalhistas Imagem: Arquivo pessoal

Rosália Vasconcelos

Colaboração para o UOL, do Recife

26/07/2022 22h06

Após pedir demissão juntas, depois de trabalharem por pelo menos sete meses na Pousada do Rocha, em Fernando de Noronha (PE), duas mulheres foram surpreendidas com uma dívida de mais de R$ 300 mil, referente à Taxa de Preservação Ambiental (TPA), o que impede ambas de deixarem o arquipélago. Elas descobriram que não existia vínculo de trabalho formal nem mesmo de prestação de serviço pela empresa — e na ilha, para estar isento do imposto, é necessário ser morador ou ter contrato formalizado com empreendimentos locais.

Além das verbas trabalhistas negadas, as duas mulheres dizem que se sentem em cárcere privado. É que elas só podem sair de Noronha se pagarem o débito ou se assinarem um documento de confissão de dívida, o que lhes faria assumir um compromisso financeiro que não é delas e ainda lhes impediria de retornar à ilha, seja para novo contrato de trabalho ou para visita.

O caso foi revelado pelo blog Viver Noronha, da jornalista Ana Clara Marinho.

A Pousada do Rocha pertence ao grupo Hospeda Nordeste, controlador de diversos estabelecimentos no arquipélago de Fernando de Noronha, entre pousadas e restaurantes.

A camareira Rejane dos Santos Pereira, 53, é uma das trabalhadoras que está há dois meses sem conseguir sair da ilha. Natural de Olinda, na Região Metropolitana do Recife, ela trabalha em Noronha há 22 anos.

Durante esse tempo, eu já trabalhei em mais de 10 pousadas e nunca tive problema. Quando os donos das pousadas eram moradores locais, os ilhéus, era tudo muito certinho, com contratos e pagamentos em dia. Agora que muitas empresas foram arrendadas para grupos de fora, temos tido diversos problemas.
Rejane Pereira

Ela disse que só descobriu que não tinha contrato de trabalho ao pedir demissão. Segundo a camareira, ela se sentiu obrigada a deixar o posto de trabalho por dificuldade em receber horas extras ou gozar dos acordos de folga.

Rejane disse que além de querer sair da ilha sem o débito da taxa de permanência, ela também quer receber as verbas rescisórias. "Eu não saio da ilha sem meu dinheiro. Sou uma boa profissional, tenho referências aqui e gosto de trabalhar em Noronha. Mas desde que respeitem meus direitos", disse.

Outra trabalhadora que está na mesma situação é a auxiliar de lavanderia Sandriely Gomes Rodrigues, 20. Ao UOL, ela contou que a isenção de sua taxa de permanência só durou enquanto estava em vigência o seu contrato de experiência.

Após os três meses, a jovem foi oficializada no quadro de funcionários, mas a empresa sempre dava desculpas sobre não assinar sua Carteira de Trabalho e Previdência Social. Por causa disso, sua dívida com a administração de Noronha ultrapassou os R$ 332 mil.

"Eles ficavam nas promessas, não assinavam a carteira, o quadro de funcionários não estava completo, não nos davam as folgas e nem pagavam as horas extras. Então pedi demissão", disse a jovem, que trabalha em Noronha desde 2019 e disse ter chegado a passar quatro meses trabalhando de domingo a domingo, sem folga. "A empresa não tinha sequer folha de ponto", relata.

Natural de Garanhuns, no agreste pernambucano, Sandrielly se vê refém e diz que já perdeu algumas oportunidades de trabalho no continente por não poder sair da ilha.

A reportagem do UOL tentou contato com o responsável pelo grupo Hospeda Nordeste, Julio Cesar Soares, por telefone e por mensagens de texto, mas ele não atendeu às ligações e visualizou, mas não respondeu às mensagens. Este espaço será atualizado tão logo o grupo deseje se manifestar.

O que diz a administração

Procurada, a administração do arquipélago de Fernando de Noronha informou ao UOL que existem dois tipos de contratos de trabalho que podem isentar o profissional empregado na ilha da Taxa de Preservação Ambiental. Atualmente, a TPA custa R$ 87,71 por dia de permanência no local.

Para prestadores de serviço, a empresa precisa dar entrada em um processo de isenção da TPA — antes do início das atividades — e pagar o Imposto Sobre Serviços (ISS) de cada profissional. Essas informações vão para o sistema do Controle Migratório.

Para funcionários com contratos celetistas, as vagas precisam ser autorizadas pela administração da ilha — segundo prevê o decreto distrital número 018/2004 e as portarias 010/2017 e 032/2017 — e a empresa também precisa solicitar pedido de isenção da taxa de cada funcionário.

"Caso a empresa não pague o ISS do Prestador de Serviço, o mesmo não terá isenção da TPA e nem será posto no sistema até que a empresa faça o devido pagamento do tributo. Se o colaborador ou funcionário precisar sair da Ilha, ele será notificado no check-out", informou, em nota, a assessoria da ilha.

No caso das duas profissionais citadas na reportagem, segundo elas, havia promessa de contrato efetivo (celetista), mas nem mesmo de a prestação de serviço havia sido oficializada.

Segundo a administração, o grupo Hospeda Nordeste não havia pago o ISS das funcionárias, o que teria gerado a dívida para Rejane e Sandriely.

Segundo a administração da ilha, o pagamento do ISS foi realizado nesta segunda-feira (25), o que tornaria os débitos inativados. "Em virtude da regularização com o pagamento do ISS feita pela empresa, as notificações foram inativadas no sistema do controle migratório", disse a nota da assessoria.

Ao UOL, Rejane e Sandriely informaram que ainda não foram notificadas sobre a regularização das dívidas e que esperam receber os valores devidos pela empresa. "Eu pedi um comprovante [para apresentar no aeroporto] e não recebi nada até agora. Me sinto presa", desabafou Sandriely.