Hamburgueria sorteia óleo, com carro de som e fogos, em crítica a preços
A Hamburgueria Fogo de Rua, da periferia de São Paulo, encontrou um jeito criativo de satirizar os altos preços dos alimentos. Desde julho, o restaurante do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, sorteia itens da cesta básica entre seus clientes.
Os agraciados recebem leite e óleo de soja, produtos básicos do dia a dia, como se fossem prêmios extraordinários, com direito a entrega em domicílio, fogos de artifício, carro de som e transmissão ao vivo pelas redes sociais da lanchonete.
O leite acumula alta de quase 70% em 12 meses, e o óleo de soja, de 26% no mesmo período.
O dono da Fogo de Rua, Carlos Rogério Souza, 39, morador do bairro, conta que a ideia de realizar os sorteios surgiu após uma ida rápida ao supermercado para comprar o café da tarde para a família.
O valor da compra de um litro de leite, dez unidades de pão francês, e duzentos gramas de mortadela foi de R$ 16.
Hoje, um pai de família assalariado tem que fazer uma escolha: compra o pão, almoça ou janta. Com esses R$ 16, eu poderia ter comprado 1 kg de frango a passarinho ou filé de frango. Infelizmente é um problema econômico que a região está enfrentando, e foi dessa indignação que veio a ideia de fazer, com sarcasmo, essa crítica ao que vem ocorrendo.
Carlos Rogério Souza, 39, proprietário da Hamburgueria Fogo de Rua
Uma das ganhadoras do sorteio foi a administradora de empresas Cristiane Lauton, 38, moradora do Jardim Copacabana. Premiada com um litro de leite, ela afirma que ficou surpresa com a ação da hamburgueria.
"Achei o máximo a ideia da Fogo de Rua de sortear alguns alimentos como prêmio, ironizando os preços do mercado. Recebi meu litro de leite, mandei um 'boomerang' no Instagram, agradecendo, e ainda dou risada do fato", diz.
Souza conta que a ideia foi bem recebida pelos clientes e amigos.
Ao todo, 72 clientes participaram dos dois sorteios. "A reação dos clientes era cômica. Até quem não consumia na loja virou cliente para participar da ação, porque a galera sabe que tá tudo caro", diz o empreendedor da quebrada.
Gastronomia na periferia
A Hamburgueria Fogo de Rua começou com um trailer, montado com 90% de material reciclado. Depois, Souza conseguiu realizar o sonho de comprar o terreno que hoje abriga a loja.
A decoração segue a tradição antiga —é feita com 70% de material reciclado. O negócio expandiu nos últimos anos. Atualmente, além de hamburgueria, o restaurante é um bistrô, que oferece ao público pratos como risotos, moquecas e bacalhau.
"Se você for aos restaurantes chiques, quem vai estar cozinhando são os filhos de baianos, nordestinos, é o cara que mora na quebrada. Então, por que não trazer essa gastronomia para a periferia? Essa é a ideia do Fogo de Rua", diz.
Aumento da fome
Em uma pesquisa rápida realizada pela equipe de reportagem do Desenrola e Não me Enrola, foi possível verificar que o óleo de cozinha e o litro do leite, produtos sorteados pela hamburgueria, chegavam a quase R$ 10 e R$ 15 entre junho e julho, em comércios das periferias da zona Sul de São Paulo, Taboão da Serra e Embu das Artes.
Em meados da década de 1970, em meio à ditadura militar, o Brasil também passava por um momento de disparada da inflação. Nas periferias da Zona Sul de São Paulo, um grupo de mulheres se organizou para criar o Movimento Contra a Carestia, que conduziu uma ação conhecida como um dos maiores movimentos populares do país. Indo de porta em porta, elas coletaram mais de 1,3 milhão de assinaturas num abaixo-assinado contra o alto custo de vida na época.
Neste ano, a Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) divulgou os dados da nova edição da pesquisa Olhe para a fome, que aponta para o aumento da insegurança alimentar na casa dos brasileiros.
Segundo o relatório, o número de famílias sem ter o que comer todos os dias saltou de 19,1 milhões de pessoas em 2021 para 33,1 milhões de pessoas em 2022. São 14 milhões de brasileiros a mais sem direito à alimentação em pouco mais de um ano.
O economista e pesquisador do Centro de Estudos Periféricos da Unifesp Cleberson da Silva Pereira explica que o aumento no preço do óleo de cozinha está ligado à diminuição da oferta do petróleo, já que o óleo de soja também pode ser utilizado para produzir biocombustíveis, uma opção mais barata em relação a gasolina e ao diesel.
No caso do leite, o professor explica que o aumento se dá porque o preço da ração das vacas também aumentou. Consequentemente, ficou mais caro para o produtor manter os animais, e o custo dessa demanda foi repassado para o consumidor final.
De um modo geral, mudanças climáticas, alto custo de produção e diminuição da oferta de matéria-prima por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia têm impactado o preço desses produtos.
"Além das causas já citadas para o leite e óleo de soja, a cesta básica aumentou porque o preço dos combustíveis estava muito alto, especialmente o óleo diesel. Esse item impacta toda a cadeia logística e o preço final dos produtos. Quem acaba sofrendo mais com o aumento do preço dos itens da cesta básica é a população que ganha até três salários mínimos preferencialmente", diz.
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