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Quem são os gigantes que fazem preço e mandam no mercado no Brasil

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Do UOL, em São Paulo

18/04/2023 04h00

Se "O Lobo de Wall Street" (2013) tivesse sido filmado no Brasil, o personagem de Leonardo DiCaprio poderia ser um gerente de banco.

Diferentemente da "matriz", que é como a Faria Lima se refere à Bolsa de Nova York (NYSE), por aqui são os grandes bancos os principais intermediários entre o dinheiro das pessoas e o mercado de investimentos.

Seis das dez maiores gestoras de investimento do mercado brasileiro, as "assets", estão nas mãos de instituições bancárias.

Nesta reportagem, o UOL publica o ranking dos 25 players com maior capital investido no Brasil e explica como eles influenciam o mercado.

Os 'big boys' do mercado

Juntos, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa, Santander e Safra fazem a gestão de quase 40% do mercado financeiro do país: R$ 3,75 trilhões, em valores.

Só que essa montanha de dinheiro não pertence a eles, mas às dezenas de milhões de clientes que compram fundos e produtos financeiros todos os dias através de suas agências bancárias.

As decisões sobre esses recursos são tomadas por especialistas contratados pelas assets, que têm times de analistas independentes e estruturas separadas para que os interesses dos cotistas não entrem em conflito com os dos bancos.

Essa separação é chamada no mercado de "Chinese Wall".

No Brasil, assim como na maioria dos países latinos, como Espanha, Itália e França, a figura do gerente de banco é muito importante para decidir os investimentos. Há uma diferença crucial na cultura de investimentos em relação aos países anglo-saxões, onde o indivíduo é criado para ser responsável pelas suas decisões financeiras.
Alexandre Chaia, gestor de investimentos e professor de finanças do Insper

Essa diferença não torna o mercado financeiro americano mais racional do que o brasileiro, diz o professor, apenas mais líquido —isto é, como os ativos estão pulverizados nas mãos de muito mais participantes, há um número muito superior de ordens de compra e venda todos os dias.

"No final do dia, o mercado brasileiro tem a característica de ser muito mais especializado. Quem toma as decisões sobre a maior parte do capital em circulação acaba sendo um especialista de mercado", afirma Chaia —ele próprio gestor de R$ 2,2 bilhões através da Carmel, uma firma independente de investimentos.

As 'assets' independentes

No ecossistema brasileiro, além dos grandes bancos, o mercado ainda é disputado, palmo a palmo, pelas "assets" independentes.

São firmas como Patria, Plural e Vinci Partners, fundadas e tocadas por profissionais experientes, com boas conexões, para captar recursos de grandes investidores dentro e fora do Brasil.

Pode ser o dinheiro do fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos para investimentos em ativos de infraestrutura no Brasil. Ou recursos de aposentados de alguma empresa estatal para investir no mercado imobiliário, por exemplo.

É provável que essas gestoras sejam o que de mais parecido exista no Brasil com a competição de Wall Street.

Sem a vasta clientela de um grande banco por trás, esses gestores têm de atrair investidores institucionais ou indivíduos de alta renda.

Nos últimos anos, a hegemonia dos bancões também vem sendo desafiada por emergentes responsáveis por levar ao mercado um enorme contingente de pessoas físicas, através de plataformas digitais de negociações instantâneas.

Em troca de remuneração pelas operações, a XP (R$ 153 bi sob gestão) e o BTG Pactual (R$ 282 bi) acabaram se tornando os dois titãs do investimento digital, além de distribuir para suas bases produtos financeiros próprios e de terceiros.

Para o analista independente Ricardo Schweitzer, o mercado de investidores pessoas físicas teve crescimento em três momentos nos últimos 20 anos.

Houve uma primeira onda no início dos anos 2000, que foi a chegada das pessoas físicas via agentes autônomos de investimento, depois com as plataformas de home broker e, por último, com o movimento de influenciadores, que democratizou muito a informação sobre investimentos.

Renda fixa x renda variável

O fundamento básico para entender o mercado financeiro é que ele funciona como um meio de captar recursos para empresas e governos, ao mesmo tempo em que oferece oportunidades de investimento para indivíduos e instituições financeiras.

Em linguagem simples, é um ambiente onde ocorrem a compra e venda de ativos de renda fixa e de renda variável.

  • Renda fixa são obrigações (títulos) emitidas por governos e empresas com prazo pré-estabelecido para o pagamento de juros e do principal. Neste tipo de ativo, o investidor empresta dinheiro a juros para uma entidade pública ou privada. Quanto mais os juros estão altos, melhor para quem investe. Teoricamente, a renda fixa oferece um risco mais baixo, porém não inexistente. Uma grande companhia pode se ver em dificuldades e enfrentar problemas para pagar a sua dívida, como no caso das Americanas.
  • Renda variável é quando o dinheiro do investidor compra pedaços de empresas (ações), aposta na alta ou na queda de moedas estrangeiras (contratos de câmbio), investe em ativos lastreados em bois, soja, minério de ferro e petróleo, só para citar as commodities mais populares, ou em qualquer outra classe de ativo que não esteja baseado em pagamentos programados num calendário. O risco da renda variável costuma ser maior.

Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, acionistas da Americanas - Divulgação - Divulgação
Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, acionistas da Americanas
Imagem: Divulgação

Fundos de pensão "pesam mais" que bilionários da Forbes

Do outro lado do balcão das gestoras, que movimentam muito dinheiro, mas são intermediárias do capital de terceiros, está quem investe.

No Brasil, os colossos desse tipo de investimento são os fundos de pensão, com cerca de R$ 1 trilhão em dinheiro de aposentadorias de funcionários de empresas estatais e privadas.

Eles protagonizaram o movimento mais importante do mercado brasileiro dos últimos anos: a migração em peso da renda variável para ativos de renda fixa.

Foi durante a pandemia. Com juros Selic de 2% ao ano, os fundos de pensão atingiram o seu maior patamar histórico investido em ações na Bolsa: 20,6%.

Mas a euforia com a renda variável foi minguando à medida que o Banco Central foi subindo a Selic em meio a preocupações com a alta da inflação.

Em dezembro do ano passado, a Selic atingiu 13,75%, e pelo menos R$ 60 bilhões em dinheiro dos aposentados retornou com força à renda fixa, que com a alta de juros passou a oferecer remuneração mais competitiva com risco mais baixo.

No final de 2022, os fundos de pensão tinham R$ 860 bilhões em renda fixa, um novo recorde. Para se ter uma ideia, o patrimônio somado dos 51 brasileiros que integram a lista de bilionários da revista Forbes é de R$ 780 bilhões.

A debandada em massa do capital dos fundos da Bolsa fez com que os preços das ações despencassem. Quem ficou desde então só viu baixa.

Lula e André Esteves (ao fundo Abilio Diniz e João Camargo) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lula e André Esteves (ao fundo Abilio Diniz e João Camargo)
Imagem: Arquivo pessoal

Por que Lula e a Faria Lima não se entendem

Há uma incompreensão mútua e duradoura entre a Faria Lima e Brasília. É comum que políticos se queixem da "insensibilidade" do mercado financeiro, assim como é comum que gestores reclamem da "irracionalidade" no gasto público.

De um jeito simplificado, a razão de todo desentendimento entre o mercado e a esquerda está no gasto público.

Para a indústria financeira, o governo precisa manter as despesas sob controle, reduzir a dívida pública para colher inflação baixa e crescimento sustentável.

Se o juro alto é o preço para controlar a inflação, a Faria Lima não tem problema com isso. Na mentalidade predominante do entorno de Lula, o governo precisa expandir o gasto público para obter crescimento econômico.

As recorrentes críticas de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por causa dos juros altos têm uma leitura negativa no mercado. O sócio da gestora Rio Bravo e ex-presidente do BC no governo FHC, Gustavo Franco, criticou o petista.

O argumento dele é que economias ricas e com rating AAA (grau máximo de investimento) terão combinações de inflação e juros melhores que países de rating BB, como o Brasil (dois degraus abaixo do chamado grau de investimento).

A lógica deveria indicar que o Brasil deveria perseguir o 'grau de investimento' em vez de perder tempo combatendo a independência do Banco Central.

Embora tenha sido relacionado à alta da Bolsa no primeiro momento, o arcabouço fiscal, regra do atual governo para substituir o teto de gastos, foi recebido com ceticismo pelos gestores,

Na carta mensal aos investidores, o Verde, "asset" de Luís Stuhlberger, uma das vozes mais influentes do mercado, vocalizou o desconforto.

Para ele, a regra estabelecida pelo governo do PT é "pior que o necessário e melhor que o temido".

Sobe e desce da Bolsa nos últimos 12 meses - Carol Malavolta/UOL - Carol Malavolta/UOL
Imagem: Carol Malavolta/UOL

Mitos e verdades sobre o mercado

O mercado é coisa de rico.

MITO: O maior contingente dos clientes das assets dos grandes bancos é formado por pessoas de classe média que procuram uma alternativa de rendimento para suas economias um pouco melhor que a poupança. São pessoas que compram CDBs ou investem em fundos imobiliários pensando em um projeto de médio ou longo prazo, como a compra de um imóvel, fazer uma reserva para a faculdade dos filhos ou trocar de carro.

O mercado tem ideologia.

VERDADE: Basicamente, gestores preferem governos que mantenham sob controle o crescimento das despesas públicas, porque isso oferece maior previsibilidade para o pagamento da dívida pública. Ideologia do mercado é o lucro, não é fiel a partido A ou partido B. No primeiro governo de Lula (2003-2006), houve forte alta da Bolsa porque o governo, superando os temores antes da eleição, adotou uma política de superávits fiscais (gastar menos do que arrecada) e de controle da inflação. No governo Bolsonaro, tido como mais pró-mercado, os agentes econômicos aderiram às promessas de privatizações e de controle das contas públicas.

O mercado não gosta de Lula (e vice-versa).

VERDADE: O mercado é cético quanto aos sinais dados pelo atual governo de expansão dos gastos públicos. Muitos gestores vêem o terceiro mandato de Lula mais próximo dos anos de Dilma Rousseff (2011-2016) do que do primeiro governo do petista, onde houve ênfase no combate à inflação. No PT, o mercado financeiro é descrito como uma das forças responsáveis pelo impeachment de Dilma e pela ascensão de Bolsonaro. De fato, a maioria dos gestores votou em peso em Bolsonaro em 2018, tendo Paulo Guedes como avalista, e aderiu à reeleição do presidente. A minoria que se opôs à reeleição de Bolsonaro em 2022 ganhou o apelido de "faria luler" entre os pares.