Órgãos do governo fazem jogo de empurra com fiscalização do ouro
O garimpo de ouro movimentou R$ 8,7 bilhões no Brasil em 2021, segundo a ANM (Agência Nacional de Mineração). Embora bilionária, é uma atividade marcada por acusações de degradação ambiental e até de relações com o crime organizado. Parte dessa má fama vem da chamada "boa-fé do ouro", recentemente suspensa pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Pelo que diz a Lei 12.844/2013, quem compra o minério não precisa de comprovação de sua origem. Basta que o garimpeiro informe uma permissão de lavra válida e ativa, e a DTVM emita a nota fiscal e recolha os impostos.
Ao suspender o trecho da lei que trata da boa-fé do ouro, Gilmar Mendes disse que a falta de fiscalização da origem do ouro permitiu um "consórcio espúrio, formado entre garimpo ilegal e organizações criminosas".
"Além dos evidentes danos ao meio ambiente, com comprometimento para a saúde humana, inclusive, em especial da população indígena, a atividade de garimpo ilegal abre caminho para outros crimes, contribuindo para o aumento da criminalidade e insegurança na região."
Gilmar deu 90 dias para o Congresso editar outra norma que substitua a regra da boa-fé. Ele levou a decisão ao Plenário Virtual do STF para referendo pelos demais ministros. Até agora, só Cármen Lúcia se manifestou - a favor de Gilmar. Os ministros têm até 2 de maio para votar.
SEM FISCALIZAÇÃO
Os autos da ação no STF ajudam a entender o tamanho do problema. Hoje, só as DTVM podem comprar ouro direto dos garimpeiros. E quem fiscaliza essas empresas é o Banco Central.
Ao Supremo, no entanto, o BC disse que só passa a se preocupar com o ouro depois que ele se transforma em ativo financeiro. Antes disso, a responsável seria a ANM, agência reguladora da mineração.
Já a ANM disse que não tem responsabilidade sobre a comercialização do ouro, apenas sobre sua extração. A autarquia é responsável por emitir as permissões de lavra garimpeira (PLG) e fiscalizar o garimpo por meio do recolhimento da CFEM, o tributo que incide sobre a mineração, também chamado de royalty da mineração.
Só que, em petição ao Supremo, a ANM disse que só tem cinco servidores dedicados à atividade e que perdeu "quase 50% de sua força de trabalho" nos últimos dez anos. Não tem condições, portanto, de exercer seu papel, disse.
O resultado é o congestionamento de pedidos de PLGs. Segundo relatório da CGU (Controladoria-Geral da União), a ANM analisou 8.261 requerimentos de PLG em 2020 e deixou outros 10.662 pendentes de análise. Só entre julho de 2020 e setembro de 2021, a agência recebeu 2.042 requerimentos de lavra e deixou 1.854 pendentes.
JABUTI
A boa-fé do ouro passou a ser lei em 2013, por meio de uma medida provisória sem qualquer relação com o assunto. Foi incluída no texto na hora da conversão da MP em lei pelo Congresso, por meio de emenda do deputado Odair Cunha (PT-MG).
Na justificativa à emenda, ele explicou que exigir o número da PLG da onde saiu o ouro na hora da compra "já é uma excelente informação" para a fiscalização, "não se mostrando razoável solicitar mais do que esse número, pelo fato de que, fruto de toda a complexidade que envolve a legalidade da extração mineral, qualquer exigência a mais poderá resultar em confusão por parte do adquirente".
Em entrevista à GloboNews em fevereiro deste ano, ele contou que incluiu o trecho no projeto por recomendação da Anoro (Associação Nacional do Ouro), entidade que reúne as DTVM negociadoras de ouro e representa os interesses do setor.
A Anoro foi fundada em 2017 pelo empresário Dirceu Frederico Sobrinho, dono da F.D'Gold, a maior DTVM de ouro do Brasil. Em entrevista ao UOL, ele disse que a boa-fé foi uma forma de dar segurança jurídica aos compradores de ouro. O UOL publicou na sexta (27) um perfil do empresário.
"Antes da lei, não havia parâmetro nenhum. Só era exigido que se cadastrasse o nome do garimpeiro e, mais tarde, o número da permissão de lavra garimpeira - além do CPF ou CNPJ para recolhimento do imposto", afirma Dirceu Sobrinho. "Não existia necessidade de provar a relação entre o garimpeiro e o garimpo, muito menos de verificar se a PLG era válida ou não. Isso só veio com a Lei 12.844."
A Anoro enviou uma petição ao Supremo defendendo a constitucionalidade da boa-fé do ouro. Para a associação, a lei é "o único diploma definidor de medidas de compliance orientadas a organizar e a regulamentar o mercado deste metal no Brasi".
FUTURO
No início de abril, a Receita Federal criou a nota fiscal eletrônica do ouro, uma demanda antiga do setor, que entrará em vigor em julho deste ano. Até lá, o mercado continua como está: trabalhando com notas fiscais em papel enviadas ao Fisco a cada trimestre.
Segundo a Receita, a medida vai facilitar a fiscalização e permitir o cruzamento de dados com as informações produzidas pelo BC e pela ANM.
Mas Dirceu Sobrinho, fundador da Anoro, vê isso como apenas o primeiro passo. Uma das soluções propostas por ele ao governo é a criação de um ambiente digital onde cada dono de título mineral faria um cadastro e informaria quem são os garimpeiros que trabalham com ele.
Em cada venda, o garimpeiro informaria seu CPF e a compradora veria se ele está cadastrado em um garimpo regularizado e ativo.
Com isso, garante o empresário, a ANM teria acesso diário às quantidades de ouro vendidas por cada garimpeiro cadastrado em cada título minerário. Hoje, a fiscalização da ANM é anual, por meio dos relatórios anuais de lavra, os RAL.
"Não resolveria 100%, claro. Mas já seria um primeiro passo para dar segurança jurídica aos compradores e criar uma cadeia de rastreabilidade ao negócio. Não podemos confundir o setor extrativista, da atividade garimpeira, com o setor financeiro, de comércio de ouro", afirma Dirceu.
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