Não é só o bacalhau: azeite deixa Páscoa 'salgada' e chega a custar R$ 80
Quem vai ao Mercadão de São Paulo para comprar bacalhau ouve de imediato do vendedor a pergunta: "Precisa de azeite também?". Nos corredores do ponto turístico da capital paulista, clientes e comerciantes sentiram a disparada da inflação do óleo e participam um verdadeiro jogo para ver quem consegue o menor preço para garantir o tradicional almoço de Páscoa.
'Está difícil trabalhar com azeite'
Se nessa época do ano já é esperado pagar cerca de R$ 200 no quilo do bacalhau, o espanto vem ao ver que hoje um vidro pequeno de azeite de oliva não sai por menos de R$ 50. São importados e de boa qualidade, justificam os comerciantes do Mercadão, que usam da lábia de vendedor para convencer a clientela a levar um combo para casa.
"Está difícil trabalhar com o azeite. Está caro no mundo todo. A gente sempre dá um desconto [para o cliente], tenta negociar [com o fornecedor]. A gente abaixa o nosso lucro, mas tem que ter azeite na mesa. Muitos azeites deixaram de vir por causa de custo mesmo", lamenta o comerciante Júlio César Teixeira, que comercializa opções portuguesas e espanholas de até R$ 80.
Desde o ano passado, a produção de azeite oliva foi impactada pela seca que atingiu olivais da Espanha, o maior produtor mundial. O país europeu perdeu metade da produção em 2023 em relação ao ano anterior. No Brasil, a crise climática afeta também o campo, só que aqui o efeito é diferente: as chuvas destruíram as plantações.
A expectativa dos vendedores do Mercadão ouvidos pela reportagem é que as vendas sejam iguais às do ano passado. Em partes, por causa do azeite de oliva inflacionado. O comerciante Andonios Kambilis diz que hoje encara uma escassez de opções na praça.
"O cliente tem chorado muito também no preço do azeite. Virou artigo de luxo" diz ele, que oferece kits com bacalhau, azeite de oliva e vinho com desconto. As opções vão de R$ 162 a mais de R$ 1.100.
Almoço mais salgado
Uma pesquisa do FGV Ibre revelou que o almoço de Páscoa deste ano vai ficar mais caro do que o de 2023. Os principais ingredientes da cesta que pesam no bolso são o azeite de oliva (+39,82%) e a batata inglesa (+31,96%). O bacalhau caiu 2,27%, assim como salmão (-8,93%) e sardinha (-5,1%). Mas tilápia e corvina, duas alternativas no prato do brasileiro, subiram 12,39% e 10,97%, respectivamente.
O autônomo Victor Lima comprou R$ 600 em bacalhau, camarão e azeite em uma das bancas do Mercadão. "Conseguir um desconto é difícil. Ganhei mesmo brinde", afirmou ele, que levou para casa um pote de castanha-de-caju caramelizada. Ele declarou que o almoço da família vai ser diferente. "Tem que render com umas batatas e uns pimentões a mais."
Já a fotógrafa Tereza Galante caminhava pelos corredores do Mercadão com as sacolas ainda vazias, incomodada com os valores cobrados. "Antes eu usava o azeite para botar em um pãozinho num tira-gosto. Hoje é em conta-gotas", protestou, aos risos. A jornalista Cida Teixeira, que a acompanhava, visitou outros comércios e resumiu: "Está caro em todos os lugares". Ambas as amigas seguirão a tradição de comer bacalhau na Páscoa.
Mas nem todos saem de casa à procura de iguaria mais tradicional da Páscoa. O preparador de peixes Fernando Izaquiel, que trabalha em uma peixaria do Mercadão, declara que o bacalhau tem pouca procura no seu ponto de venda. Tanto que a única opção disponível ocupa um lugar tímido na vitrine.
O filé de pescada é disparado o campeão de vendas. São poucos que conseguem comprar bacalhau, que custa duas vezes mais do que o carro-chefe, segundo Izaquiel. "O trabalhador não consegue comprar 2 kg, 3 kg de peixe e acaba levando metade. Não está fácil para ninguém", lamenta o comerciante do espaço administrado desde 2021 pela concessionária Mercado SP SPE.
Dá para substituir o bacalhau?
O chef Edson Leite, cofundador da escola Gastronomia Periférica, lembra que bacalhau não é um peixe. Pelo contrário, trata-se de um conjunto de pescados que passam por um processo de salga e secura. A carne considerada mais nobre é a do Gadus morhua, que vem da Noruega.
Logo, qualquer outro peixe pode passar pela salga e secura, de acordo com Leite. "Se eu salgar peixes nativos brasileiros, como o pirarucu, eu consigo um resultado próximo? Até melhor. Pensa que o bacalhau hoje custa R$ 200 o quilo. Você pode substituí-lo por panga ou robalo", diz.
Ele sugere um processo de salga e secura que pode ser feito em casa: abrir o peixe e cobri-lo de sal grosso de ponta a ponta. Em seguida, deixar descansar por sete dias —e longe da geladeira para chegar ao resultado esperado. A recomendação de Edson Leite é adicionar 1 kg de sal para cada quilo de carne.
Mas o azeite de oliva é substituível? A coordenadora do curso de Tecnologia em Gastronomia do Centro Universitário Senac, Zenir Dalla Costa, reprova essa ideia. Segundo ela, essa especiaria tem gorduras boas que não são encontradas em outros óleos. A dica é procurar opções mais baratas no atacado.
"Você pode usar menos azeite no preparo do prato. Não é necessário pôr todo [o azeite] antes de levar o bacalhau ao forno. Dá para acrescentar um pouco de azeite e aproveitar a água do bacalhau para acrescentar sabor. E, ao tirar do forno, colocar mais azeite", aconselha Dalla Costa.
A chef diz também que nem todos os pratos precisam de azeite de oliva. Para economizar, ela sugere que o bacalhau pode ser utilizado no preparo de uma massa, como lasanha ou espaguete, banhado na manteiga e no leite. Nessas opções, ela diz que cortes menos nobres, como tiras das laterais do peixe, são alternativas mais em conta.
A tradicional bacalhoada também pode ter um reforço nos acompanhamentos, como pimentões, batatas e azeitonas, declara Dalla Costa. Já Leite afirma que uma "jacalhoada", versão feita com a carne de jaca, é uma boa pedida para veganos —ou simplesmente para quem quer economizar e provar algo novo.