'Se investíssemos em propaganda, tênis da ex-Vert teria preço da Vuitton'

A marca de tênis Vert a partir de agora se chama Veja. A empresa anunciou a mudança de nome e a abertura de uma loja na rua Oscar Freire, em São Paulo. A expectativa é de que o espaço esteja em funcionamento para os clientes em novembro.

Os tênis, que custam a partir de R$ 550 nos modelos infantis no site da marca, poderiam ser ainda mais caros se houvesse investimento em propaganda. É o que diz fundador da Veja François-Ghislain Morillion, em entrevista exclusiva ao UOL.

Sem propaganda

A Veja não investe em publicidade para vender seus produtos. A empresa não tem um departamento de marketing, por exemplo, e tem apenas um "estúdio de criação", responsável pela comunicação nas redes sociais próprias.

Se a empresa colocasse o mesmo nível de investimento que outras marcas do setor, o tênis ficaria mais caro, diz o fundador. Morillion afirma que este custo faria com que os tênis da Veja fossem considerados de luxo no Brasil. Hoje os pares custam a partir de R$ 550 para crianças e R$ 590 para adultos no site da empresa.

Se a gente olhar todos os custos que colocamos na borracha, no algodão, no couro, a gente compra os materiais pelo dobro, às vezes triplo do preço de mercado. Fabricamos no Brasil, que tem um custo muito maior do que o Vietnã ou a China. Se colocarmos em cima desse preço o markup das outras marcas, a gente estaria com um tênis no preço da Louis Vuitton.
François-Ghislain Morillion, fundador da Veja

Um tênis da Louis Vuitton custa a partir de R$ 6.350 no site oficial brasileiro. Vans e Converse são alguns dos concorrentes diretos da Veja. Há ainda os tênis mais populares, como Rainha, e os de nicho, como Yuool e Sloul. Morillion considera que consegue competir com as marcas, mesmo tendo um custo de produção mais caro.

O outro motivo é que os fundadores da empresa não gostam do papel da publicidade.

Tanto eu como meu sócio não acreditamos muito na publicidade. Para nós, às vezes, é uma coisa um pouco preguiçosa, sabe? Para vender um produto, bota a marketing em cima, você empurra o produto para as pessoas. Acreditamos mais que um produto atrai os clientes com o visual e pela história dele.
François-Ghislain Morillion

Para Morillion, os tênis vendem porque são atemporais. A marca relançou o modelo Volley, o primeiro sucesso da empresa, criado em 2005. Eles seguem as tendências, mas buscam fazer peças que vão durar no guarda-roupa das pessoas.

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Indústria brasileira

Sébastien Kopp e François-Ghislain, da Veja
Sébastien Kopp e François-Ghislain, da Veja Imagem: Divulgação/ Veja

A marca foi criada por dois amigos franceses, François-Ghislain Morillion e Sébastien Kopp. Depois de viajarem para alguns lugares do mundo atuando como uma consultoria de sustentabilidade, os amigos perceberam que não gostariam daquela vida. Isto porque eles "vendiam Power Point": eles entregavam o direcionamento do que a marca poderia fazer de diferente, mas sentiam que nada seria feito na prática e que a busca pela sustentabilidade muitas vezes não era genuína.

Então decidiram fazer algo por conta própria. Apaixonados por tênis, encontraram no Brasil um local para aliar a produção com uma lógica de comércio justo, em que todas as partes da cadeia são bem remuneradas e têm boas condições de trabalho. Morillion afirma que um dos motivos pelos quais ele e o sócio escolheram o Brasil para produzir os tênis era que as fábricas brasileiras tinham melhores condições de trabalho do que as asiáticas. Normalmente empresas do setor buscam indústrias da Ásia por conta do preço mais baixos.

Hoje a maior parte das matérias-primas para os tênis vêm do Brasil. Apenas o algodão é trazido de fora: metade vem do Peru e o restante é colhido aqui. A borracha vem da Amazônia, especificamente do Acre, o algodão orgânico agroecológico certificado vem do plantio das famílias do Nordeste, o fio e tecidos vêm do interior de São Paulo, e o couro do interior do Rio Grande do Sul.

A Veja fabrica 4 milhões de pares de tênis por ano. Morillion afirma que são mais de 20 mil pessoas envolvidas em toda a cadeia, desde a colheita da matéria-prima até a entrega do produto ao cliente.

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O Brasil não era o público-alvo da Veja, a ideia era apenas fabricar os tênis aqui e exportar para a Europa.

No início, honestamente não pensamos no Brasil como um lugar de venda [dos tênis]. Foi um pouco por ignorância nossa, o fato de termos crescido em Paris. A gente conhecia as lojas que a gente frequentava, que eram também as lojas onde a gente pegava os flyers para as baladas
François-Ghislain Morillion

Mas trazer o Veja para o Brasil tinha um impasse: o nome. A marca já chamava Veja na Europa, mas os tênis não poderiam ser comercializados aqui com este nome, porque já havia uma outra marca do setor de vestuário que usava a nomenclatura.

Vert foi o nome escolhido para ser um substituto até que a marca pudesse se chamar Veja aqui. A escolha foi por um substituto que começasse com V, já que a letra está estampada em todos os tênis, que fosse curto e que fizesse sentido pelo significa. Vert, em francês, significa "verde". Morillion afirma que é otimista e que não teme que o novo nome cause confusão nos consumidores, mas que a decisão se o nome pega ou não será dos brasileiros.

A Veja começou a vender no Brasil em 2014 e existe na Europa desde 2005. Morillion afirma que a marca ganhou o coração dos brasileiros aos poucos. A falta do produto no Brasil fez com que brasileiros quisessem ter os tênis, para Morillion. "Acho que por isso que quando a gente entrou no mercado foi relativamente tranquilo. Apesar de o nome ser diferente [da Europa, quando já chamava Veja], tinha um desejo dos lojistas, das pessoas antenadas sobre o mundo da moda. Acho que isso facilitou", afirma.

Cadeia produtiva sustentável

Garantir que toda a cadeia de produção seja sustentável é um desafio. A cadeia de produção do poliéster, por exemplo, ainda precisa ser melhor estruturada. O material é usado para fazer o forro dos tênis e garante mais durabilidade para as peças do que se fosse usado o algodão, por exemplo.

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A Veja usa poliéster reciclado nas peças. "O poliéster reciclado que está disponível no mercado, ele tem todos os selos bonitinhos, só que quando você pergunta realmente para as pessoas que vendem o tecido, o fio, de onde vem, dizem que não sabem", afirma Morillion.

Para solucionar a questão, a empresa começou a envolver alguns parceiros que confia na produção do material.

É uma cadeia que a gente chama de comércio justo, porque estamos pagando um preço que é o dobro do que os catadores recebem normalmente para os serviços que essas pessoas prestam para a sociedade.
François-Ghislain Morillion

Contratos

No início da operação, a Veja precisou romper um contrato com um fornecedor por haver indícios de que eles não cumpriam o combinado. A empresa faz contratos com todas as partes da cadeia em que diz quanto será pago para a cooperativa e quanto deve ser repassado aos seringueiros que extraem a borracha, por exemplo.

Para evitar que isso acontecesse de novo, Morillion afirma que a Veja coloca funcionários in loco para acompanhar o trabalho dos parceiros.

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Percebemos [com o problema do passado] que precisamos ter pessoas no local para ir acompanhar o trabalho, porque de boa fé a gente não vive. Foi ali que começamos a trabalhar com uma pessoa local de Rio Branco para fazer acompanhamento. E não é só fiscalizar, é acompanhar mesmo. Apresentar o contrato para as famílias, é acompanhar a extração.
François-Ghislain Morillion

O UOL teve acesso a diversos contratos de prestação de serviço da Veja. Os documentos relativos à extração de matéria-prima contam com cláusulas que falam sobre o valor que deve ser pago às famílias que trabalham nas cooperativas e parceiras.

A empresa também divulga um relatório de conformidade sobre a atuação nas fábricas. Hoje os produtos da Veja são feitos em indústrias nas cidades de Novo Hamburgo, Nova Hartz, Dois Irmãos e Ivoti, no Rio Grande do Sul, e em Quixeramobim, no Ceará.

Marca de desejo

Quando a Veja começou, foi um sucesso na Europa. É o que diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. Para ela, o maior desafio para a marca é controlar a cadeia de produção e afirma que a preocupação ambiental é um diferencial competitivo, mas que, no Brasil, muitos consumidores não devem saber desta característica.

Não tenho pesquisa que comprove isso, mas eu acredito que a grande maioria dos consumidores não sabe desse apelo orgânico sustentável da marca. Eles consomem porque virou um produto de desejo.
Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores

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O design simples e minimalistas ajudam a justificar o sucesso da marca. As peças são versáteis e combinam facilmente com a roupa que a pessoa vai ao trabalho ou para sair com os amigos, segundo Tozzi.

Ele é mais acessível, não é o tênis da Louis Vuitton ou da Prada, que custa US$ 1.600, que é super luxo. Ele é um tênis de design simples, ao mesmo tempo, ele é fino, você usa ele com vestido, com saia, com terno. Acho que a marca sacou muito bem a necessidade da simplificação, de trazer para o básico o tênis, e aí ele se adequa a qualquer look.
Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores

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