Apesar de promessa, isenção de IR para quem ganha até R$ 5.000 é improvável
Ainda que tenha sido promessa de campanha do presidente Lula, a isenção de Imposto de Renda para todos os brasileiros que ganham até R$ 5.000 até 2026 é improvável, dizem especialistas ouvidos por UOL. Isso porque a isenção provocaria uma queda nas receitas do governo, e o equilíbrio entre ganhos e gastos está no centro do debate econômico.
O Senado aprovou o projeto de lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 2.824 por mês. No começo deste ano, Lula disse que o governo vai fazer atualizações para chegar no valor prometido na campanha. "Fiz uma medida provisória garantindo que quem ganha até dois salários mínimos não pague Imposto de Renda. Vamos, a cada ano, fazer [atualizações] até chegar a R$ 5 mil", disse Lula.
As receitas do governo ficariam menores
A arrecadação cairia R$ 200,6 bilhões no ano caso a faixa de isenção fosse de R$ 5.012,38. O cálculo da Unafisco (União Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) considera uma arrecadação projetada de R$ 312,26 bilhões considerando a isenção atual e de R$ 111,66 bilhões com a correção da tabela.
R$ 5.012,38 é o valor que seria o necessário para acabar com a defasagem que existe na tabela. Atualmente a defasagem para a faixa de isenção é de 122%, segundo a Unafisco. A entidade diz que a não correção da tabela do Imposto de Renda pela inflação faz com que o contribuinte pague mais impostos do que no ano anterior. A defasagem para as outras faixas da tabela é de 163%.
O número de isentos passaria de 17,7 milhões para 33,3 milhões. Na prática, 15,6 milhões de brasileiros seriam beneficiados com a isenção.
Mas, mesmo quem ganha mais é beneficiado com este tipo de mudança. Carlos Eduardo Navarro, sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, explica que a isenção vale para todos e que as pessoas que ganham mais do que a faixa de isenção são cobradas apenas pelo valor que ultrapassar o limite. Se a isenção for para R$ 5.000, uma pessoa que recebe R$ 10.000 teria cobrança de IR apenas sobre R$ 5.000.
O governo precisaria, para cumprir essa promessa, encontrar uma fonte de receita que pudesse compensar essa renúncia fiscal. Esse me parece um dos grandes desafios, especialmente do ministro Haddad, desde o início.
Carlos Eduardo Navarro, sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados
Governo teria dificuldade de compensar a perda
A queda na arrecadação é o principal problema para aumentar a faixa de isenção. Advogados ouvidos pelo UOL dizem que é preciso respeitar a lei de responsabilidade fiscal, que determina que, ao diminuir a arrecadação de um lado, é preciso compensar de outra forma. O que significa que, para isentar quem ganha até R$ 5.000, o governo precisaria encontrar uma forma de compensar a perda de arrecadação.
Existem algumas formas de compensar a perda, segundo Gustavo Fossati, professor da FGV Direito Rio. Algumas delas são: ter dinheiro sobrando no caixa para compensar a perda do montante com a isenção, aumentar a receita por meio de crescimento econômico ou redução de despesas, ou aumentar o valor recebido pelo governo por meio da criação de um imposto ou aumento de alíquotas dos já existentes.
Os especialistas consideram difícil que o governo consiga a aprovação da isenção até o fim do mandato, já que todos os cenários são de díficil aplicação. Fossati diz que o governo não tem capital político para criar um imposto, principalmente porque o Congresso está dedicado a criar as leis complementares da reforma tributária, que propõe grandes mudanças na tributação brasileira. O crescimento econômico também não se mostra tão expressivo quanto o esperado, já que o governo mudou sua meta de déficit para zero em 2025. Se houvesse crescimento forte, o governo passaria a receber mais dinheiro, uma alternativa para compensar as perdas do IR.
Também não há intenção, por parte do governo, de reduzir as despesas. Lula disse que não pretende vender estatais e aumentou os cargos do funcionalismo público.
A única saída para mudar a faixa de isenção é uma reforma da tributação da renda, para Navarro. A expectativa é de que o tema seja avaliado depois da finalização da reforma tributária, que já foi aprovada, e agora precisa ter as regras definidas pelas leis complementares. No entanto, este tipo de tema demora para ser finalizado.
Isentar os salários de quem recebe até R$ 5.000 não é suficiente, para Guilherme Manier, sócio da área tributária de Viseu Advogados. O advogado diz que o salário tem pesos diferentes em realidades dos brasileiros (que pode ser muito para uma pessoa que ainda mora com os pais, ou pouco para uma mãe solo, por exemplo). Para ele, seria importante aumentar o número de faixas de cobrança do IR, ampliando também a arrecadação.
Simplesmente aumentar a faixa de isenção, sem criar progressividade real, é fechar os olhos para uma realidade de que o nosso país é extremamente desigual.
Guilherme Manier, sócio da área tributária de Viseu Advogados
Procurado pelo UOL, o ministério da Fazenda não respondeu até o fechamento da reportagem. O UOL perguntou à pasta se existe uma data para isentar o Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5.000 e qual a justificativa do governo para que isso ainda não tenha acontecido.
Como é a isenção do IR
Hoje quem recebe até R$ 2.824 por mês tem isenção de IR. O valor corresponde a dois salários mínimos. Até o ano passado, quem recebia R$ 2.640, o equivalente a dois salários mínimos na época (R$ 1.320), tinha isenção.
Com o reajuste do mínimo para R$ 1.412 em 2024, trabalhadores que recebiam menos de dois salários (considerando o valor atualizado) teriam o desconto em folha. O governo federal criou uma MP para ajustar a mudança, que foi aprovada pelo Senado e segue para sanção de Lula. Com a assinatura do presidente, ela se torna uma lei.
O limite máximo da faixa de alíquota zero da nova tabela é de R$ 2.259,20. Para isentar quem ganha até R$ 2.824, é aplicado um desconto simplificado de R$ 564,80 na fonte, sobre a qual deveria incidir a cobrança de IR.