Juros altos prejudicam o comércio e impulsionam pedidos de recuperação

O pedido de recuperação extrajudicial do Grupo Casas Bahia, aceito pela Justiça, mantém aceso o sinal de alerta no comércio brasileiro. O movimento conturbado do setor pode ser explicado pela combinação entre o alto endividamento das empresas e o elevado nível da taxa Selic, que inibe o consumo na tentativa de conter a inflação. A situação adversa fez com que as solicitações de recuperação no varejo mais do que dobrassem no primeiro trimestre.

Entenda o caso

O anúncio das Casas Bahia busca o pagamento de uma dívida de R$ 4,1 bilhões. O valor total do endividamento deve ser alongado de 22 para até 72 meses. Haverá ainda a redução do custo médio dos débitos em 1,5 ponto percentual. Com o plano, a rede prevê aumentar o fluxo de caixa em R$ 4,3 bilhões nos próximos quatro anos.

A recuperação extrajudicial envolve uma nova etapa da reestruturação. A medida apresentada em agosto de 2023 estabeleceu a redução de estoques, a readequação de centros de distribuição, o corte de 8.600 funcionários e o fechamento de 55 lojas físicas.

Esse acordo não afeta a operação da companhia. É vida normal, sem impacto para clientes, fornecedores e colaboradores. Pelo contrário, o alívio do fluxo de caixa dá mais flexibilidade para a empresa negociar com fornecedores e aproveitar as oportunidades de negócio que aparecerem.
Renato Franklin, CEO do Grupo Casas Bahia

Setor em crise

O Grupo Casas Bahia não está sozinho. Recentemente, inúmeras redes renomadas do comércio brasileiro fecharam as portas, entraram em processos de recuperação ou decretaram falência. Os casos de maior destaque envolvem Americanas, Marisa, o supermercado Dia e a rede de móveis e decoração Tok&Stok.

Juros elevados ainda são entrave. Mesmo com a redução em 3 pontos percentuais nos últimos sete meses, a taxa Selic ainda é uma barreira para o setor. Segundo especialistas, o reflexo da queda da taxa de 13,75% para 10,75% ao ano ainda é pouco significativa para a ampliação do volume de compras.

Os indicadores de desempenho vêm mostrando reiteradamente o enfraquecimento das atividades varejistas, principalmente a comercialização de bens duráveis e semiduráveis. A taxa de juros na ponta é a principal responsável por essa condição.
Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Ibevar e professor da FIA Business School

A pandemia é lembrada como uma das origens da situação atual. Os analistas do setor relatam que as medidas de isolamento social impostas para frear o avanço do coronavírus fizeram com que os consumidores migrassem para o ambiente das compras virtuais. O cenário coincide com um momento de expansão do setor, quando a Selic caminhava rumo aos 2% ao ano, o menor nível da história.

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Quando começou a pandemia, os juros estavam baixos e os varejistas vinham abrindo lojas e expandindo, porque a dívida era muito barata. As empresas que tinham um endividamento um pouco mais alto, como Americanas e Casas Bahia, sofreram após as pessoas pararem de ir às lojas.
Daniel Calori, sócio da consultoria Íntegra Associados

Recuperações em alta

Dados recentes confirmam o momento adverso. Foram realizados 144 pedidos de recuperação judicial no setor somente nos primeiros três meses de 2024, mostra a Serasa Experian. O volume representa o dobro dos requerimentos contabilizados no mesmo período do ano passado.

Entre as concessões, o avanço é ainda maior. Na comparação com os três primeiros meses do ano passado, o salto dos pedidos de recuperação judicial acatados pela Justiça é de 183%, de 40 para 113, segundo o Indicador de Falência e Recuperação Judicial.

A recuperação extrajudicial difere da judicial, como a da Americanas. A distinção considera, principalmente, a existência de um processo fora do Poder Judiciário, com os acordos definidos diretamente entre os credores. No caso das Casas Bahia, eles garantem já ter o consentimento de 54,5% de apoio para a homologação.

A recuperação extrajudicial é mais ágil e econômica, enquanto a recuperação judicial oferece uma proteção mais ampla para a empresa durante ao menos 180 dias, o que pode ser útil quando os credores estão dispersos e não há uma disposição deles o para um acordo.
Rodrigo Macedo, advogado especialista em recuperação e falência

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A manutenção do cenário deve seguir como prejudicial para o setor. Para os próximos meses, o volume de pedidos e recuperações judiciais e extrajudiciais deve manter a tenência de alta. A previsão é justificada pelo nível de endividamento das empresas.

Em vista de um cenário em que pequenas empresas, com o custo operacional menor e o amplo alcance de público proporcionado pela internet, competem com médias e grandes varejistas nacionais e internacionais, a tendência é que mais empresas busquem a recuperação judicial.
Luiz Alexandre Cristaldo, diretor do IBAJUD (Instituto Brasileiro da Insolvência)

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