3 de 10 pessoas com direito a abono estão em grupo que será cortado

O corte de gastos anunciado por Fernando Haddad elimina, ao longo da próxima década, o pagamento do abono salarial para trabalhadores formais que ganham entre 1,5 e dois salários mínimos. Hoje, três de cada dez vínculos trabalhistas com direito ao abono se enquadram nessa faixa salarial.

O que aconteceu

A faixa salarial que será cortada corresponde a cerca de 30% dos vínculos trabalhistas hoje abarcados pelo abono. Os dados são da Rais, que cataloga todos os contratos de trabalho formal e é usada para definir quem vai receber o benefício. Em 2023, em torno de 20% dos contratos pagaram até um salário mínimo; outros 50%, de um a 1,5 salário mínimo — essas faixas salariais serão mantidas na nova regra do abono.

Cálculos do BTG Pactual também estimam que o corte atinge 28% dos trabalhadores que hoje têm direito ao abono. O banco fez as estimativas usando dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).

Análise da Unicamp com base em dados de 2019 chegou a um percentual maior. Os pesquisadores Arthur Welle e Pedro Rossi identificaram que, naquele ano, 37% das pessoas com direito ao BPC estavam na faixa salarial que será cortada, de 1,5 a 2 salários mínimos. No total, 11 milhões de pessoas.

O corte será feito de forma gradual, até 2030; se fosse imediato, cerca de 7 milhões de trabalhadores poderiam deixar de receber. O número leva em conta o total de pessoas que ganharam o abono este ano, 25 milhões. O valor total gasto foi de R$ 28 bilhões — em média, R$ 1.200 por pessoa. Para receber, é preciso ter trabalhado pelo menos um mês no ano. Quem trabalhou o ano todo recebe um salário mínimo; quem trabalhou um semestre, metade.

O Ministério da Fazenda estima que, até 2030, o cenário do emprego será diferente e o corte atingirá 2,8 milhões de pessoas. Há um problema neste número. Na apresentação oficial do corte de gastos, o governo previu que a economia em 2030 seria de R$ 6,7 bilhões. Para a conta fechar, o valor médio do abono precisaria ser de R$ 2.400 — o dobro do atual. É um aumento improvável, considerando as regras atuais de valorização do salário mínimo.

Ministério da Fazenda diz que "a valorização real do salário-mínimo e o bom ritmo do mercado de trabalho" justificam os cortes propostos. De acordo com a pasta, inicialmente o "benefício era centralizado em camadas da população de menor renda". Já "na medida em que o salário mínimo foi se elevando, se aproximando da renda mediana do país, os beneficiários passaram a estar nos decis (valores que dividem a população em dez partes iguais, de acordo com a renda per capita de cada pessoa) cada vez mais elevados".

Hoje, governo diz que abono é pago a 60% de todos os trabalhadores formais; com os cortes, percentual pode cair para 40%.

Ideia de cortar o abono não é nova

Governo Bolsonaro cogitou limitar o benefício a quem ganha até um salário mínimo. A proposta foi incluída no projeto da reforma da Previdência, em 2019, mas não foi adiante. Se aprovada, tiraria o abono de nove de cada dez trabalhadores que recebiam o benefício - segundo estudos feitos à época pela Unicamp e pela IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão que produz análises técnicas e é ligado ao Senado).

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Corte agravaria a desigualdade social, diz estudo. Também reduziria em 5,7% a renda de quem perderia o abono, de acordo com cálculos feitos à época pela Unicamp, assinado pelos pesquisadores Pedro Rossi, Marco Antônio Rocha e Arthur Wellei. Os mais impactados seriam trabalhadores do comércio e de fábricas, auxiliares administrativos, porteiros e vigias.

Por outro lado, economia poderia ser usada para gerar mais empregos formais, diz ex-ministro de Dilma. Favorável ao corte do abono discutido em 2019, o economista Nelson Barbosa, ministro da Fazenda no governo Dilma, defendeu uso dos recursos poupados para gerar mais empregos formais via investimento público na construção civil. A opinião foi apresentada em artigo publicado em 2019, pela FGV, onde Barbosa é professor.

O abono salarial foi criado na década de 1970. Na época, o salário mínimo era bem menor e não existiam programas sociais como o Bolsa Família.

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