Compulsão por compra: 'Quando criei coragem para olhar, devia R$ 240 mil'
A relação da goiana Camila Nunes Ferreira, 40, com as compras nunca foi saudável. Logo, sua vida financeira também não. Há 11 anos, ela descobriu ter oniomania, um outro nome para a compulsão por compras.
"Eu nunca consegui juntar R$ 100 ou qualquer outro valor porque tudo o que eu ganhava eu gastava. Às vezes, gastava antes de ganhar", conta ela ao UOL.
Na época, ela não sabia que tinha algo de errado nesse comportamento. Hoje, olhando para trás, Camila tem noção de que sua compulsão sempre deu sinais claros.
Nunca tinha cabide suficiente no guarda-roupa, nunca tinha espaço. E aí eu comprava araras para guardar o que eu comprava.
Camila Ferreira
Diagnóstico
O alerta maior veio quando um namorado, em 2013, notou que ela era uma pessoa muito impulsiva e a orientou a buscar um psiquiatra. No primeiro momento, o diagnóstico foi de falta de controle de impulso, somado com transtorno de déficit de atenção.
Hoje, ela é tratada para TOC (transtorno obsessivo compulsivo) com remédios e terapia. Mas, ao longo dos últimos 11 anos, ela nem sempre se tratou. E isso gerou episódios de recaída e endividamento.
Em um período de sete anos, eu fiz 21 empréstimos com banco e lojas de departamento. Virou uma bola de neve e eu parei de pagar. Criei coragem para olhar quanto eu devia em 2021, quando retomei o tratamento. E descobri que era R$ 240 mil.
Camila Ferreira
Ela conseguiu renegociar o valor e quitou a dívida com desconto. Na mesma época, começou a vender as coisas que acumulou ao longo dos anos para juntar o valor. Mas, de lá para cá, ela já se endividou de novo —apesar de estar há mais de um ano sem recaídas.
"A questão do comprador compulsivo, pelo menos na minha situação, é essa de renovar a dívida. Viver no mesmo ciclo de endividamento: surtos de compra, retomada do tratamento e vender o que tem para pagar a dívida", explica ela.
200 vestidos
O impacto dessa compulsão não acontece apenas no bolso. Desde quando morava com a mãe, quando mais nova, ela tem um quarto só para guardar suas roupas. Isso a acompanhou quando foi morar sozinha e, depois, se casou.
Há pouco tempo, Camila se propôs a contar as peças que tem para dar um empurrãozinho no processo de "destralhar", ou seja, eliminar os objetos que não usa mais.
Ela já sabe que tem 200 vestidos e 109 conjuntos de roupa íntima, por exemplo. No primeiro bazar que organizou, tinha sete sombrinhas. "E Goiânia é uma cidade onde quase não chove."
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Quero receberNessa encarnação, eu não preciso mais comprar roupa. Eu ainda compro, mas não é algo saudável. Minha relação com a compra ainda é muito adoecida e a minha vida financeira também. É muito angustiante lutar o dia inteiro contra a ideia fixa de comprar.
Camila Ferreira
Rotina de mentiras
Quando não estava trabalhando, Camila precisava mentir para conseguir dinheiro e sustentar o vício. E, depois que comprava, precisava mentir para justificar o aparecimento de novos itens no armário.
"Você tem de lembrar o que você mentiu para não entrar em contradição. É muita energia envolvida. A gente vai perdendo a credibilidade, a dignidade. O outro vai ficando decepcionado [conforme descobre as mentiras]", diz ela.
Eu tinha de deixar as compras no porta-mala do carro para, quando fosse de madrugada, descer e pegar. Ou eu tinha de pegar a compra e colocar dentro de uma sacola de supermercado para disfarçar.
Camila Ferreira
Em uma tomada de consciência, Camila cortou (literalmente) o cartão de crédito. Mas, em vez de jogar fora, guardou os pedaços. E durante uma recaída, foi ao shopping e conseguiu pagar porque o chip não estava danificado. Ela comprou três bolsas iguais, de cores diferentes, naquele dia.
"Eu tinha satisfação em não precisar escolher. Quando tinha quatro opções de cores e eu comprava três, eu sofria por aquela uma que ficava. Não tinha o bem-estar de ter três coisas novas. Então, comprar todas as opções era muito prazeroso."
O que é oniomania?
É o transtorno de compra compulsiva. A oniomania é caracterizada pelo desejo incontrolável de adquirir bens, mesmo sem necessidade ou possibilidade financeira. Algumas características, segundo o Jornal da USP, são: preocupação excessiva com compras, perda de controle sobre o ato de comprar, aumento progressivo do volume de compras, tentativas frustradas de reduzir, compras para lidar com angústias, mentiras sobre comprar, além de prejuízos sociais, profissionais e familiares.
Compra por alívio é sinal de alerta. "Pessoas com oniomania frequentemente realizam compras impulsivas, motivadas por uma sensação de alívio momentâneo. Após o ato, é comum que sintam culpa, arrependimento ou frustração", explica a psicóloga Marcelle Alfinito.
Para essas pessoas, as compras deixam de ser um ato racional ou planejado e passam a servir como uma espécie de 'válvula de escape' para emoções negativas, como ansiedade e estresse.
Marcelle Alfinito, psicóloga
Quando procurar ajuda profissional? Segundo a psicóloga, reconhecer o problema é o primeiro passo para buscar ajuda. Por isso, é importante ficar atento se as compras estão prejudicando a saúde financeira ou relações pessoais, se houver dificuldade para controlar impulsos e se as aquisições forem usadas para lidar com emoções negativas.
Condição pode ter relação com outros transtornos. "Estudos mostram que a oniomania pode estar associada a outras condições psicológicas. Pessoas com TDAH, por exemplo, apresentam maior tendência à impulsividade. Durante episódios de mania, indivíduos bipolares podem gastar excessivamente. No TOC, as compras podem ser uma tentativa de aliviar obsessões", exemplifica.
Uma das abordagens de terapia usadas no tratamento da oniomania é a cognitivo-comportamental. Isso porque ajuda o paciente a identificar gatilhos emocionais e desenvolver estratégias para controlar impulsos. "Em casos mais graves, o uso de medicamentos, como antidepressivos, pode ser indicado por um médico psiquiatra."
Além disso, a reeducação financeira e o suporte de grupos como Devedores Anônimos são ferramentas importantes para lidar com os danos causados pelo transtorno.
Marcelle Alfinito, psicóloga
A conscientização sobre a importância do controle emocional e financeiro é um passo crucial. "Reduzir a exposição a situações gatilhos em um primeiro momento, como promoções ou propagandas que incentivem o consumo impulsivo, também pode ajudar até a realização do devido tratamento."
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