Sephora tem milhares de queixas por Black Friday; clientes se dizem lesados

A Sephora, cadeia global de lojas do grupo Louis Vuitton (LVMH) famosa por revender com exclusividade marcas famosas de cosméticos, está sendo acusada de lesar milhares de consumidores do Brasil na Black Friday do ano passado.

Somente no site especializado Reclame Aqui, foram registradas mais de 18 mil reclamações contra a Sephora no segundo semestre do ano passado, a maior parte relativa à aguardada data promocional. Segundo a reportagem do UOL apurou, clientes que compraram no site da loja naquele período não receberam os produtos nem o estorno dos valores pagos. A empresa se desculpou pelos problemas causados, afirmando que teve dificuldades em sua cadeia logística (veja abaixo a resposta da empresa).

Entregas incompletas e cancelamentos sem explicação

Na maioria das reclamações feitas contra a Sephora, os clientes, em geral mulheres, dizem que compraram, pagaram, mas não tiveram seus produtos entregues nem foi feita nenhuma devolução de valores. Alguns deles receberam a informação de que suas compras foram canceladas pouco depois de aprovadas pelo cartão. Outros clientes, confusos, aguardam seus produtos desde a data da compra, em novembro do ano passado.

A psiquiatra Carolina Lins Coutinho, 31, do Rio de Janeiro, fez duas compras na Sephora durante a Black Friday. Uma no dia 21 de novembro e outra, no dia 30. "Na primeira, eram cinco itens: um perfume Gucci, um gel para sobrancelha da Benefit, uma base de maquiagem e uma loção corporal, ambas da própria Sephora, além de um blush da Mac. No total, gastei R$ 789. Se eu fosse fazer a compra hoje, sem descontos, daria R$ 1.240", comenta. "Na segunda, comprei um gloss labial da Anastasia e um corretivo de olhos da Nars. No total, deu R$ 182. Hoje, com o valor cheio, seria R$ 262", calcula. Dias depois da segunda compra, veio a notícia: a aquisição havia sido cancelada.

Em 13 de dezembro, Coutinho recebeu a entrega incompleta da primeira compra. Dos cinco itens, chegou apenas um: a loção corporal. Ela entrou em contato com a empresa, mas diz que a Sephora nada fez para resolver o problema. Ela nem recebeu os produtos nem teve o estorno do dinheiro que gastou.

"Acho isso um absurdo, há um descaso claro da empresa. Tentei contato pessoalmente, por email, WhatsApp, Instagram e telefone", diz. "Foram mais de 15 ligações, 11 e-mails, 9 directs de Instagram e três dias de conversas no WhatsApp." Ela já consultou advogado e pensa em processar a empresa.

Cadê o meu dinheiro?

Outra cliente frustrada é Iana Letícia Soares, 28, arquiteta de Fortaleza (CE), que se disse compradora assídua da Sephora. "Participo até do Beauty Club [uma espécie de clube de fidelidade da marca]. Eu estava com R$ 50 reais de saldo quando fiz as duas compras da Black Friday", diz. Em 23 de novembro, Iana comprou um reparador de cabelo da L'Óreal Paris e outro da Wella, além de um blush da Nudestix. Total: R$ 199,78. "O blush era o que eu mais queria, pois estava com um desconto de 40%", diz, decepcionada, pois nunca o recebeu.

Iana Soares não encontrou o dinheiro que a empresa disse ter devolvido
Iana Soares não encontrou o dinheiro que a empresa disse ter devolvido Imagem: Arquivo pessoal
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No dia 29 de novembro, mais uma compra: um shampoo Wella Fusion e uma máscara de cabelo da mesma marca. Total: R$ 364,43. "Depois dessa compra, recebi um e-mail dizendo que ela estava cancelada e que eu tinha um crédito disponível. Entrei no aplicativo e simplesmente não achei crédito algum", reclama. Até a sexta-feira (10), o problema ainda não havia sido resolvido, mas os valores já constavam na fatura do seu cartão de crédito.

Em um dos contatos do UOL com a Sephora, a rede alegou ter tido dificuldades com os serviços terceirizados de logística contratados pela empresa. Sem entrar em detalhes do que ocorreu, a companhia alegou que os transtornos ocorreram por causa da grande quantidade de vendas realizadas no período.

Fernanda Romano se assustou com a quantidade de reclamações na página da empresa
Fernanda Romano se assustou com a quantidade de reclamações na página da empresa Imagem: Arquivo pessoal

Outra que teve problemas pouco depois da data promocional foi a empresária de Campinas (SP) Fernanda Romano, 31, que comprou R$ 635 em produtos em 16 de dezembro. "Tinha até esquecido que tinha feito a compra, até que acabou meu leave-in [produto para cabelos] da Sebastian, que era um dos produtos que eu havia pedido. Era para chegar na semana no Natal, veio o Ano Novo, veio também a primeira semana de janeiro e nada. Nunca tinha atrasado antes. Resolvi entrar na página deles e fiquei abismada ao ver aquela quantidade absurda de mensagens no perfil da empresa."

O post da Sephora no Instagram no qual a empresa diz que o prazo para entrega dos produtos vendidos no final do ano seria estendido teve mais de 32 mil comentários, a maioria de clientes contando seus casos, indignados com os problemas ou insultando a Sephora. "Cadê os meus produtos?" é a frase mais vista nesse espaço.

"Recebi um email afirmando que meu pedido foi cancelado e que ia receber um voucher no mesmo valor. Estou extremamente decepcionada, chateada, irritada. Minha vontade era entrar na Sephora do Iguatemi Campinas, pegar uma cestinha, encher com R$ 600 em produtos e sair andando sem pagar. Eles já estão com os R$ 600 e poucos que eu paguei e não recebi nada", desabafa Romano.

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Já Aryadne Lima Coine, 26, designer de moda de Presidente Prudente (SP), conta que teve um pouco mais de sorte. Ela fez nove compras na Sephora durante a Black Friday e teve problemas em quatro delas. Decidiu, então, pedir ajuda ao banco. "Consegui estorno de duas compras, mas em duas delas ainda espero o ressarcimento da empresa", comenta. "Estou desapontada. Uma rede tão grande causando tanto transtorno assim. Nunca imaginei que agiria dessa forma com seus consumidores. Me sinto lesada."

'Me sinto lesada', dz Aryadne Coine
'Me sinto lesada', dz Aryadne Coine Imagem: Arquivo pessoal

A médica Marina Schmitt, de Brusque (SC), em 25 de novembro comprou no site uma máscara de cílios da marca Better Than Sex, uma base de rosto da Dior, um minigloss da Too Faced e mais nove produtos. Total: R$ 855,40. O prazo de entrega previsto pela empresa, 12 de dezembro, expirou, e, pouco depois, chegou uma mensagem de cancelamento da compra. Na última sexta (10), Schmitt, que já pagou a fatura do cartão com a compra em dezembro, recebeu outro e-mail da companhia, prometendo estornar os valores em até duas parcelas.

Sephora lidera rankings de reclamações

Segundo dados do Ministério da Justiça, responsável pelo serviço Consumidor.Gov, as empresas que atuam no comércio eletrônico no Brasil conseguiram reduzir o número de reclamações dos clientes no ano passado. Em todo o ano de 2023, diz a pasta, foram mais de 100 mil reclamações feitas em órgãos oficiais no país. Em 2024, esse número caiu para cerca de 58 mil contestações.

A Sephora foi na contramão dessa tendência. O Reclame Aqui confirma que a rede internacional de lojas lidera o ranking de protestos na Black Friday no Brasil. No ano todo, foram 21.150 reclamações contra a rede. Com isso, a cadeia de lojas perdeu o rótulo dado pelo site em 2023 de "Boa Reputação" e passou a ostentar um selo "Reputação Não Recomendada".

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A Fundação Procon-SP, que concentra dados do Estado de São Paulo, afirma que a Sephora também lidera o ranking de reclamações da instituição no pós-Black Friday. Como São Paulo é o maior Estado e o maior mercado consumidor do Brasil, os índices do Procon-SP são bons indicadores do que acontece país afora. O órgão contabilizou 1.417 reclamações contra a Sephora em 2024, a grande maioria entre novembro e dezembro do ano passado (cerca de 1.000). Em 2023, foram 156 notificações contra a companhia junto ao órgão de defesa do consumidor, o que significa que, de um ano para o outro, houve um aumento de mais de 900%.

Na quinta passada (9), a área de fiscalização do Procon-SP notificou a empresa por causa do enorme volume de contestações. Se os problemas não forem resolvidos, diz Carina Minc, assessora executiva do Procon-SP, a Sephora poderá ser multada pelo órgão em até cerca de R$ 13 milhões. A companhia também pode receber multas de Procons de outros Estados, já que atuam de forma independente.

"A Sephora desrespeitou uma série de direitos de seus clientes", afirma o advogado Igor Marchetti, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), organização que há 40 anos atua junto a órgãos governamentais, empresas e consumidores, para pressionar e melhorar as relações de consumo no país. "O cliente tem o direito de rescindir a compra que não foi entregue, com a devolução do valor atualizado e com mais perdas e danos eventuais, como, por exemplo, a diferença entre o que ele pagou na Black Friday e o preço que está custando agora, fora da promoção", explica. "A empresa tirou a oportunidade dos seus clientes comprarem com desconto na concorrência." Marchetti diz que ainda há a possibilidade de os consumidores pedirem judicialmente indenização por danos morais, já que muitas compras seriam dadas a terceiros, como presentes de Natal.

O advogado Cleber Rumbelsperger, que atua com Direito do Consumidor há mais de 20 anos, fez um levantamento e descobriu ao menos uma dezena de casos nos Tribunais Especiais Cíveis (ou Tribunais de Pequenas Causas) no país. "Já recebemos várias solicitações de pessoas que se consideraram lesadas pela Sephora. É muito comum nesse período os consumidores procurarem advogados por irregularidades cometidas por empresas na 'Black Fraude'", ironizou. "Os clientes levam um tempo para entrar com uma ação nos tribunais."

Outro advogado da área, Sergio Tannuri, especialista em direitos do consumidor, diz que o cliente "pode exigir o cumprimento forçado da entrega, aceitar outro produto ou pedir o reembolso". "Em geral, recomendamos um acordo amigável, pois uma ação judicial pode levar até 5 anos para ser concluída", diz. Se os valores de compras com problemas forem de até 20 salários mínimos, o consumidor não precisa de advogado para acionar a Justiça.

O que diz a Sephora

A reportagem do UOL entrou em contato com a rede Sephora e solicitou uma entrevista com um representante da companhia para esclarecer todos esses casos. A companhia, no entanto, preferiu responder por meio de uma nota, na qual pede desculpas aos clientes e diz que irá ressarci-los integralmente.

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Leia, na íntegra, a nota enviada pela Sephora:

"A satisfação e a experiência do cliente são uma prioridade para nós, e a Sephora Brasil pede desculpas pelos transtornos causados aos seus valiosos clientes devido a uma falha em nossa cadeia logística.

Estamos oferecendo reembolsos integrais para todas as compras canceladas e trabalhando ativamente para resolver os casos dos clientes cujos pedidos foram, infelizmente, impactados em decorrência disso. Alinhados ao nosso compromisso com o cliente, também reforçamos nossas equipes de atendimento e seguimos fortalecendo essa frente para oferecer total assistência aos consumidores.

A Sephora Brasil leva esse assunto muito a sério e está totalmente comprometida em resolver a situação junto ao nosso parceiro logístico. Diante desse cenário, estamos realizando uma revisão abrangente de nossa cadeia logística para fornecer uma solução para o problema atual e para melhorar esse processo no Brasil como um todo, a fim de que isso não se repita.

A Sephora Brasil continuará seus esforços até que a situação seja completamente resolvida e manterá os consumidores impactados informados."

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